Produção realizada para o Curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
O dia 30 de setembro entrou para a história da internet. O site de relacionamentos Orkut, que por muito tempo foi a rede social mais visitada no Brasil, com mais de 30 milhões de usuários em terras tupiniquins, encerrou as atividades.
A página do simpático design de cor azul-bebê foi desativada pela empresa gestora, o Google, depois de uma década de atividade. Agora, resta apenas um “memorial” no mesmo endereço: um acervo que disponibiliza todo o conteúdo publicado em cerca de 51 milhões de comunidades.
Com o fim do site, se vai também boa parte da vida de muitas pessoas. Dá até para dizer que o Orkut foi a primeira experiência online da maioria dos brasileiros. Sob algumas camadas de folclore, breguice e imaturidade adolescente, o Orkut foi o suporte para inúmeras discussões, conversas íntimas, depoimentos e amizades.
Engraçado pensar que todas essas coisas eram, na verdade, inúmeras sequências binárias, tão fáceis de deletar. Em uma sociedade onde as relações afetivas transitam entre a vida ‘real’ e a virtual, isso significa que boa parte da memória afetiva da geração Orkut, registrada em bits e bytes, se perdeu.
As campanhas publicitárias e a internet reagiram com bom humor, lembrando dos aspectos engraçados da rede social, que não são poucos. Porém, no fim das contas, a sensação geral é de nostalgia.
O Cultura Plural conversou com alguns dos antigos usuários do Orkut. Os relatos revelam os muitos usos do site, que variam do simples entretenimento ao romance e até mesmo à divulgação cultural.
Baile de máscaras
Um perfil falso para manter o anonimato, ‘fuçar’ os recados alheios ou simplesmente para bagunçar. Os fakes, que são identidades virtuais alternativas, proliferavam no Orkut. O Facebook, por exemplo, costuma deletar sumariamente esse tipo de conta.
As pessoas se sentiam tentadas a assumir um alter-ego virtual por vários motivos. O primeiro deles vinha de uma funcionalidade exclusiva do Orkut: a infame ferramenta que permitia ao usuário saber quem visualizava seu perfil. Assim, para stalkear sem culpa e sem vergonha, uma identidade secreta vinha bem a calhar. Outra motivação era a facilidade de dar opiniões sem ter vergonha ou medo de represálias.
Quase sempre, o fake usava o nome e a foto de um famoso ou de um personagem de ficção. Eduardo Soriano, que começou a usar o Orkut em 2006, praticamente só usava perfis falsos. Chegou a apagar sua conta original. O motivo? Uma mistura de vontade de anarquizar com um anseio por falar o que desse na cabeça.
“Uma das grandes diversões daquela época de adolescente desocupado era fazer fakes para zoar em comunidades. Também me sentia mais confortável para expor opiniões na rede, ainda quanto a assuntos polêmicos”, relata.
Amor na rede
Tudo começava com um scrap ou depoimento, ou até mesmo um comentário em fotos. Para não dar tão na cara, era preciso caprichar nas indiretas. O Facebook simplificou o flerte online com a opção de ‘cutucar’ o pretendido, mas o Orkut exigia estratégias um pouco mais complexas.
Geralmente, depois de puxar papo, o caminho era adicionar o contato no Messenger, programa de troca de mensagens de texto instantânea que também foi desativado e reativado em outro formato recentemente.
Muita gente que já se conhecia só de rosto ou de nome acabou usando o Orkut para iniciar aquelas conversas que não teriam coragem de iniciar pessoalmente. Mais! Muita gente acabou se conhecendo pelo Orkut para só depois marcar algum encontro na vida real.
É o caso de Thais Schreiber e Elder Sardinha. A garota, catarinense radicada no interior de São Paulo, conheceu o garoto, carioca, em uma comunidade sobre música. Papo vai, papo vem, aconteceu algo esquisito: estavam apaixonados por alguém que só conheciam através das telas.
Após oito meses de conversas virtuais, assumiram o namoro e se encontraram em Valinhos, onde Thaís morava na época. O romance não durou muito, porém. Em menos de um ano, já estavam separados. Ainda assim, Thaís acredita que um relacionamento desse tipo pode dar tão certo quanto um mais “tradicional” – se é que essa separação ainda faz sentido.
“Atualmente as relações afetivas, por mais perto de você esteja do parceiro, dependem da comunicação virtual. Pode ser que não exista mais uma diferença entre esses tipos de relacionamentos”, diz.
Depósito cultural
Quando se fala no Orkut, quase todo mundo lembra só do lado tragicômico do site. Depoimentos comprometedores, fotos vexatórias, recados engraçados… Entretanto, não foi só de frivolidades que a rede sobreviveu durante os dez anos em que esteve ativa.
Algumas comunidades serviam como um meio de divulgação cultural, seja ao disponibilizar material livre para download ou ao permitir o contato entre pessoas com interesses em comum na música, literatura ou artes visuais.
É o caso de grupos como o Discografias, direcionado para o download (ilegal, é bom dizer – mas quem nunca clicou em um link por lá que atire a primeira pedra) das obras de inúmeras bandas e cantores nacionais e internacionais.
Constantemente ameaçada por entidades de defesa da indústria musical e dos direitos autorais, a comunidade acabou já em 2009. Era um exemplo de como o site servia, também, para a livre difusão de informação.
Grupos voltados para o download de filmes, séries e livros também abundavam. Em uma era da internet em que quase ninguém sabia usar torrents e serviços pagos como Netflix e Spotify nem sonhavam em existir, disponibilizar um acervo de links era um enorme serviço público.
Alexandre Romansine, paulistano de 23 anos, foi usuário do Orkut entre 2006 e 2013. Ele, que se considera um ‘escritor nas horas vagas’, costumava usar o site como fonte de inspiração. “Livros, filmes, músicas… Procurava e geralmente encontrava tudo por lá. Também participei de alguns grupos de escritores e outros de discussões filosóficas, que me serviram como base para muitos textos e reflexões”, diz.
Alexandre acredita que a decadência do Orkut aconteceu graças a uma queda na qualidade do serviço, e não por simples desinteresse dos usuários. “As qualidades do Orkut não partiam da rede e sim dos usuários. O uso que era feito da rede social garantiu seu sucesso e é uma pena termos perdido tanto por algumas atualizações falhas no serviço”, opina.
Agora, com o fim da rede social e em busca de um ambiente semelhante, Alexandre migrou para um serviço ainda pouco conhecido dos brasileiros: um site conhecido pela sigla algo enigmática de “VK”.
Para onde vamos agora?
O orkuteiro é diferente do usuário do Facebook e das demais redes sociais do momento. Ainda que a rede de Mark Zuckerberg tenha roubado grande parte dos frequentadores do Orkut em meados de 2011, certamente muitos internautas ficaram órfãos do site. De acordo com os saudosistas, o principal diferencial, que nenhuma outra rede conseguiu imitar com sucesso ainda, era o sistema de fórum das comunidades.
Geralmente, os demais sites de relacionamento são centrados em perfis e páginas, onde apenas um fala para todos os demais, que podem apenas comentar. O Orkut se organizava em torno de tópicos: alguém iniciava a discussão, mas todos os participantes tinham espaço e visibilidade iguais.
Em busca de um sistema semelhante, alguns dos frequentadores do Orkut migraram para uma rede social que ainda é desconhecida do grande público. Trata-se do site russo VK, abreviação de VKontakte – que significa, literalmente, “em contato”.
Mesmo que ainda desconhecido no ocidente, o site já registra mais de 100 milhões de usuários, a maioria do Leste Europeu: russos, ucranianos e bielo-russos, principalmente. Desde 2009, o site tenta ampliar o alcance e já está disponível em mais de 10 línguas, o português entre elas.
Nicolas Ferreira foi outro usuário do Orkut que participou desse êxodo em direção ao site russo. Ainda assim, é um usuário bastante ativo no Facebook, onde administra um grupo de discussão sobre heavy metal. Para ele, a grande vantagem da rede russa é unir o melhor das duas plataformas.
“O VK é bastante parecido com o Orkut: tem um fórum e pouco enfoque em postagens num mural como o Facebook tem. Mas também reúne algumas coisinhas desse último, como um painel de atualizações dos amigos. É a perfeita junção entre o que é útil desses dois sites”, diz.
Mesmo que em decadência, o finado Orkut ainda mantinha um público fiel. Algumas comunidades eram bastante movimentadas, com várias pessoas conectadas e interagindo. Elas já deram mostras que as outras redes sociais não lhes satisfazem completamente – e para algum lugar, seja o VK ou outro site, eles irão.
Um webdesigner brasileiro chegou a criar um site chamado Orkuti – isso mesmo, apenas com uma letra I a mais no nome. Praticamente um clone da original, a rede social atraiu tanta gente que já teve até os servidores derrubados. Isso em um dia de operação! Resta saber se tudo isso é apenas nostalgia ou um verdadeiro nicho de mercado.
Reportagem de Rodrigo Menegat Schuinski
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