*Produção realizada para a disciplina de Seminários do 3º ano do Curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Herança dos áureos anos em que serviu de chegada e saída de estrangeiros, mercadorias e imigrantes, a Estação São Paulo – Rio Grande, ou “Estação Saudade”, está abandonada. Vidros quebrados, pichações e rachaduras revelam que as marcas do tempo e dos vândalos se abrigam no imóvel tombado com abrangência estadual em 1990.
Uma Carta Compromisso, em defesa das políticas culturais de Ponta Grossa, foi elaborada pelo Conselho Municipal de Política Cultural em agosto de 2012 e apresentada aos candidatos a prefeito da cidade naquele mesmo ano, contemplando o item “assegurar o uso cultural do prédio da ‘Estação Saudade’”.
No ano seguinte, em janeiro, a secretária de Governo, Indianara Milléo, juntamente com o ex-secretário de Cultura, Cláudio Guimarães, e o secretário de Planejamento, João Ney Marçal, se reuniram na Estação Saudade para verificar a situação do prédio. O atual presidente da Fundação Municipal da Cultura, Paulo Eduardo Goulart Netto, confirmou que existe uma proposta da Secretaria do Governo que se refere à utilização do espaço.
Dois anos se passaram desde então e o prédio da Estação permanece sem restauro e manutenção. Na tentativa de recolocar o espaço no cotidiano dos ponta-grossenses, eventos como a Feira da Estação e o Sexta às Seis acontecem no local.
Ações visam assegurar o uso cultural do patrimônio
Um espaço que servisse para que as pessoas tivessem um lugar para exibir, vender e trocar o que produzem ou colecionam. Uma iniciativa que servisse como atrativo turístico a mais para a cidade, valorizando o trabalho dos artesãos, colecionadores e artistas locais. Com estes propósitos, a Feira da Estação, iniciada em 2013, chegou de mansinho, e veio para ficar.
No ano em que iniciou, a feira não tinha todas as datas definidas previamente. A partir de 2014, os expositores têm um espaço fixo, todos os sábados. O evento, que começou com 22 expositores, tem hoje mais de 140 profissionais cadastrados (em sua maioria artesãos). Estes trabalhadores passaram a contar com o Núcleo Setorial do Artesanato, criado para o fortalecimento dos artesãos, que pleiteavam há muitos anos um local fixo para a realização da feira semanal.
Todo sábado, a plataforma da Estação fica tomada por artesãos e colecionadores da cidade. Deise de Abreu está há um ano comercializando suas produções artesanais na feira. Para ela, o ponta-grossense está começando a optar por esse tipo de comércio: “Agora há uma maior procura. Tem gente que ainda nem sabe da nossa existência aqui, e olha que estamos em frente ao shopping e ao lado do terminal”.
Para a turismóloga Márcia Droppa, falta consciência sobre a necessidade de preservação destes espaços. “Existe uma mentalidade pequena em Ponta Grossa, e por pessoas que você acredita que deviam ter uma visão diferente da preservação da cultura e história da cidade”.
O valor de um prédio
Há dois anos morando em Ponta Grossa, Marcelo Navarro não tem noção alguma sobre a história que há por trás da imensa construção. Porém, ele vê a importância de uma preocupação com o cuidado do espaço, seja vinda do município ou da própria população. No dia da entrevista, Marcelo mostrava a estrutura interna para um amigo que estava de passagem pela Princesa dos Campos Gerais. “Uma estrutura tão clássica, com detalhes cuidadosamente pensados, uma escadaria antiga, porém charmosa. Uma providência deve ser tomada para que esse lugar tenha seu devido valor”, afirma Navarro.
Para o artesão Edenilson Pereira, o caráter político influencia muito a situação atual da Estação Saudade. “Politicamente falando, para muitos, investir e cuidar da Estação não é um negócio vantajoso”, afirma.
Cada imóvel tombado como patrimônio histórico da cidade carrega em si histórias que remetem a famílias, a antigas lojas, a uma vida social que passou por transformações com o passar do tempo. É através dessas obras que Ponta Grossa ganha uma identidade, seja cultural ou histórica. Droppa acredita que “uma cidade só ganha importância quando há história para contar. E preservar os patrimônios é uma dessas formas”.
Na visão da turistóloga, a manutenção dos bens valoriza o turismo. “Mesmo que não sejamos uma cidade ícone em patrimônios históricos, quando o turista conhece a cidade e vê que a história dela está sendo preservada passa a ter uma visão diferente do lugar”, afirma.
Para espantar os males, música na Estação
Os amantes da boa música regional possuem nova sede todas as sextas. O ‘Sexta às Seis’ voltou para a agenda cultural da cidade, e agora com novo endereço: a Estação Saudade. Eventos culturais diferentes, que não estão focados em exposições e museus, conseguem fazer com que o público passe a ver uma alternativa de lazer a mais.
“O pessoal que frequenta o ‘Sexta às Seis’ talvez nunca passasse ali em frente à Estação. Indo até ali para curtir seu som, olhará o lugar de uma maneira diferente”, observa Márcia Droppa.
Porém, a ocupação do lugar divide opiniões. Para a artesã Nair Ferreira, a vinda do projeto para a estação é ruim, pois pode aumentar o vandalismo: “A piazada faz quebradeira, picha todas as paredes e ainda urina nos cantos do lugar. No dia seguinte, quando chegamos, está aquele cheiro forte”.
Marcia Droppa, ao contrário, considera que os prédios precisam ser usados pela comunidade, porque assim irão respeitar esses mesmos lugares. “Com as pessoas respeitando acontecerá a preservação, e quando conhecem melhor esse lugar, passam a gostar. A gente só preserva aquilo que a gente gosta.”
Segundo o Departamento de Cultura da cidade, o som emitido nos shows do projeto ‘Sexta às Seis’ poderiam comprometer as estruturas da Estação. Não é bem isso que os especialistas dizem. Ricardo Queiróz, dono de um dos pubs da cidade e influência no ‘Sexta’, diz que há um equívoco a este respeito: “tecnicamente falando, não influencia em nada o volume daquele som. Claro que faria sentido se estivéssemos falando em um volume de som no nível Rock in Rio, por exemplo, mas não é”, compara.
Caminhos para a preservação
A falta de verba para a realização de uma grande restauração é a justificativa vinda da Secretaria de Cultura para a situação da Estação Saudade. Enquanto isso não acontece, uma possibilidade é considerada: recursos oriundos da Lei Rouanet, que prevê isenção fiscal (impostos que recebe de pessoas físicas ou jurídicas) para que estes valores sejam investidos em projetos culturais que ajudam a mudar e até transformar o cenário da comunidade.
A Estação tem chances de ser preservada por meio de projetos de valorização do patrimônio histórico e cultural. Mas, por enquanto, seu brilho e valor permanecem na saudade.
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