Produção realizada para o Curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Quando a porta abre, lá dentro, o sino avisa. Alguém entrou. Os passos movem-se lentos e curtos em direção à entrada, e a visita é convidada a entrar. Na acolhida por quem vem de fora, Aristides Spósito, que cuida de todas as chaves do lugar, abre seu mundo de antiguidades, o Museu Época.
Com cabelos brancos e roupas engomadas, se apresenta e faz um pedido brusco: “Fale alto!”. Aos 63 anos, mal enxerga ou escuta, resultado de anos de dedicação ao seu museu privado, no qual guarda mais de quatro gerações em objetos.
Museu de um só homem
O casarão que Aristides limpa, conserva, reforma e mantém tem 164 anos. Desde o afresco nas portas, até o escrito nos cartazes pendurados, são cuidados aos olhos atentos do homem das chaves.
O local pertenceu como residência ao primeiro prefeito de Ponta Grossa, Bonifácio Vilela, depois cedeu lugar à primeira Biblioteca Municipal. Após passar de geração em geração, Aristides comprou a casa dos herdeiros em 1972. Para conseguir quitar o imóvel, trabalhava em lavouras do Paraná e Santa Catarina e, após quatro anos, a dívida foi paga.
“Tudo começou com a minha singela coleção de moedas, quando vi, tinha tudo isso”, conta Aristides. Os seis cômodos e porão abrigam aproximadamente 10 mil peças. O resto das peças, que afirma serem 99% doações, foi trazido pelo carrinho de mão. No esforço em montar um acervo grande, Seu Spósito conseguia as doações, limpava e levava diretamente ao Museu.
Tudo fruto de um trabalho solitário de quatro décadas. Aristides faz questão de levar ao conhecimento do que tem no interior do Museu, e mostra peça por peça. “Aqui tudo é original, menos eu, que sou o que envelhece mais rápido”, brinca.
Com uma média de 100 visitas por mês, o local fica em portas fechadas para proteger o dono, que cuida de tudo sozinho e não quer que as peças sejam furtadas.
A peça mais antiga de todas são os floretes, datados do século XVII. Mas Aristides tem por mais estima a cruz da Capela Sant’Ana, conseguida após três audiências públicas. A cruz está cravada na parede acima de uma cristaleira, e uma luz, especialmente reservada, fica acima para iluminar somente ela.
Outra antiguidade, conseguida por doações, é pequena em tamanho, mas grande em quantidade: 45 mil negativos em fotos de lugares e pessoas de Ponta Grossa. O dono do Museu menciona com ânimo que guarda registros de muitos dos acontecimentos mais importantes, e até de casas antigas que não existem mais.
O maior acervo de todos é guardado em uma peça pequena. Roupas, cartazes, uniformes e medalhas, relíquias dos Pracinhas que participaram da 2ª Guerra Mundial. O doador dos objetos foi o ex-pracinha Alfredo Klas, do qual Aristides relembra emocionado.
Após abrir sala por sala e explicar o que cada objeto significa, olhando para trás, tocando no que construiu, o homem do Época provoca: “Se eu souber que você tem uma peça antiga na tua casa, vou puxar sua orelha até você doar ao Museu Época”.
O trabalho que não cansa
As mãos, que um dia já foram jogadoras profissionais de basquete e handebol, hoje estão calejadas e sujas de restauro. “Não servem nem para jogar bola-de-gude mais”, diz o diretor do Museu Época.
A rotina de Aristides é a mesma há 22 anos: levanta às 5h para atividades físicas, e às 6h30 já está na frente do Museu para varrer a rua. Só para quando vai almoçar e jantar. O trabalho é constante: “faço o trabalho de jardineiro, carpinteiro, restaurador e zelador daqui, não recebo ajuda dos governantes”, reclama Aristides, que só recebe ajuda de uma senhora que limpa, uma vez por semana, o local.
Casado pela segunda vez e com cinco filhos que moram do Rio de Janeiro, o dono do Época mora aos fundos de sua construção e vive de aposentadoria e pensão. “Não bebo e não fumo, todas as doenças que tenho, acumulei aspirando o pó dos objetos e me machucando ao restaurar tudo”.
O destino de uma Época
Se Aristides dorme pouco? “Eu acordo 2h30 da madrugada com receio do que será disso tudo aqui quando eu morrer, dona”, conta aos prantos. A exposição de moedas no porão só está brilhante, segundo ele, porque é fruto de limpezas nas madrugadas a fio, sem sono.
“Meus filhos falam que só eu para cuidar de um museu inteiro sozinho não dá, eles não vão cuidar quando eu morrer, então, vou deixar tudo isso para o poder público”, diz, afirmando que ainda demorará a “bater as botas”.
O dono do Museu afirma que só poderá deixar o lugar para o município, caso alguma instituição o compre.
O Museu Campos Gerais está fazendo um dossiê com todas as peças existentes no Época e levará o resultado ao Ministério da Cultura, para que seja tombado como patrimônio do município.
Após mostrar tudo o que conseguiu construir, Seu Aristides se emociona mais uma vez. Reclama da falta de apoio e reconhecimento da população com a importância do único Museu privado que não cobra entrada para visitação no Paraná. “Não sou de ferro, não!”.
Reportagem de Jéssica Natal
Nenhum comentário