Corpo, mente e espírito na arte Mahikari

Chego na Rua Padre Ildefonso. Toco a campainha de uma porta fechada e entro no centro da Sukyo Mahikari, chamado de dojo pelos seguidores. É um espaço de aprimoramento espiritual onde, segundo a arte, se aprende a viver conforme os princípios divinos. Nos pés não ficam sapatos. Aproximando-me ao altar, ao ambiente de oração, devo agradecer ao mestre e a Deus. Em pouco tempo, já sinto uma energia diferente. Aquele lugar branco, iluminado, com cadeiras e colchonetes no chão, parece ser um espaço diferente de igrejas comuns, de qualquer centro espiritual, é uma sala de luz divina.

Em pouquíssimo tempo, uma Kumite pede para realizar a sessão de Okyome. Dou a ela a permissão e em segundos ela muda de idioma. Uma oração japonesa em voz alta é dita. Entre tantas pequenas sílabas desconhecidas, só era possível entender uma palavra: Mahikari.

Seguro minhas mãos em posição de reza, com o dedo esquerdo em cima ao direito. Em seguida, com movimentos leves, cinco dedos se posicionavam a poucos centímetros de mim. Com o braço estendido e parado em minha frente, a palma da mão deixa de ser mero instrumento do cotidiano e ganha espaço para purificar. A respiração calma enche os pulmões e a mente fica repleta de pensamentos livres, concentrados em pedidos, arrependimentos e agradecimentos capazes de acalmar o espírito, a mente e o corpo.  De olhos fechados, vou longe.

Viro de costas à praticante. Aos poucos, as mãos dela mudam de posição, começam pela testa e vão às áreas mais focalizadas, as “chamas essenciais”, passando pelo pescoço, rim e ombros. Não há diálogo, não há música. O silêncio é de paz e só é interrompido por mais orações.

Por 40 minutos pude sentir de perto o que é uma sessão de Okyome. O nome pode parecer estranho a muitos, mas esta é uma prática antiga de purificação através da imposição de mãos da religião japonesa denominada Sukyo Mahikari, fundada no Japão em 27 de fevereiro de 1959, pelo mestre Kotama Okada, que afirma ter recebido revelações divinas de que impor as mãos poderia purificar o espírito, a mente e o corpo.

Okada precisava expandir aqueles ideais. Queria fazer crescer aquela crença e buscar ainda mais respostas. Por isso, em seus ensinamentos, não diminuiu nenhuma religião, sempre afirmou em seus dogmas que Deus é um só e que adeptos de qualquer seita ou igreja poderiam, sem discriminação, frequentar a Mahikari. Um dos princípios seguidos para defender esse conceito foi que o mundo de todos é o mesmo. “A origem do globo terrestre, do mundo, da humanidade e de todas as religiões é uma só”.

Mahikari não é considerada por seus praticantes uma religião ou doutrina.  Funciona como um sui generisdas categorias religiosas existentes, por possuir características especiais, que além de ensinar religião, aborda temas de medicina, ciência, economia e agricultura. Sempre pensando, em seus estudos, na harmonia para o bem social e espiritual. Por esse mesmo motivo que os praticantes defendem que a imposição de mãos também pode ser realizada na própria natureza. “Uma árvore, por exemplo, pode receber também o Okiyome”, conta o diretor da sede do Sukyo Makihari do sul do Brasil, Rui Harada Nichioka.

Portanto, não deixa de ser uma arte que tem como instrumento principal empregar a energia cósmica através da imposição de mãos, denominando-a “Luz da verdade”. Esta energia, segundo os seguidores, é enviada por Deus para purificar, com a capacidade de eliminar as essências tóxicas espiritual, mental e física, permitindo a aquisição natural de saúde e prosperidade.

Mas, diferente da terapia alternativa, Mahikari não vem para substituir os procedimentos médicos. De acordo com o diretor, ela vem como uma complementação ao que já vem sendo tratado. “A Mahikari orienta que se faça o tratamento médico”, afirma.

Contudo, os ensinamentos da arte abordam que os medicamentos não têm a capacidade de curar doenças e sim apenas controlar temporariamente os sintomas. E que podem levar a pessoa ao exagero das essências tóxicas tanto através dos medicamentos quanto por aditivos alimentares e agrotóxicos. Nesses casos, a crença Mahikari defende que é possível eliminá-los do organismo com a imposição de mãos.

Também acreditam que mais de 80% das causas das doenças são problemas de possessão espiritual. Mas que através do okiyome conseguem limpar esse espíritos impedindo-os de atuar de maneira negativa, curando a pessoa.

O psicólogo Elias Gonçalves da Silva também acredita que esse tipo de arte vai além da questão física. “A cura só é realizada por completo se, além dos procedimentos médicos, o paciente tem a cabeça equilibrada, a mente purificada e acreditar na cura”, afirma.

 Os kumites

Os canalizadores, os praticantes da “arte”, responsáveis por impor as mãos, são chamados kumites. De acordo com o praticante há 8 anos, Volney Campos, os kumites são aquelas pessoas que quiseram se desenvolver. “É um estágio além daquele de quem já teve oportunidade de receber o okiyome e se identificou com a prática. Além de receber a luz, transmite a luz”, afirma.

Os kumites só recebem essa qualificação e denominação após um curso de iniciação, que dura três dias, no qual se aprende os ensinamentos iniciais. Em Ponta Grossa, esse curso ocorre três vezes ao ano em forma de seminário. O diretor explica que para participar deve ter uma idade acima de 10 anos. Mas há um grupo específico de crianças de até 9 anos chamado “Raios de Luz” e o dos jovens chamado Mahikari Tai.

Também para concluir a denominação, o kumite deve portar uma medalha, denominada omitama, cujo símbolo estaria ligado diretamente a Deus através de ondas espirituais. Em todas as sessões em que o kumiteexerce a imposição, o uso desse amuleto é essencial, mas não obrigatório. Segundo o diretor Nichioka, se a pessoa estiver sentindo que está com uma energia forte e boa, a medalha é só um objeto a mais. “Se a pessoa estiver purificada e elevada não precisa da medalha sagrada, porque às vezes utiliza a própria energia”.

Praticante há 14 anos, Mário Bronguel não tira seu omitama durante o dia todo e o prende com um alfinete no meio do peitoral em sua camiseta. Para ele, além de ajudar nas sessões, serve como uma proteção diária. “Tiro somente para tomar banho”, conta.

Após dois anos de função do kumitê do nível de seminário básico, tem o nível intermediário e com mais tempo de experiência tem o nível de grau superior. Esta especialização mais avançada, segundo o diretor, começou a ter no Brasil recentemente.

A sessão

Ao chegar na sede, é preciso estar descalço. Andar por todo o espaço requer respeito e por isso as impurezas são tiradas e o contato mais próximo com o Deus é iniciado neste momento. Em seguida é necessário fazer reverências no Altar Divino para o Deus Superior e ao Goshintai, quadro sagrado que funciona como instrumento mediador com esse Deus.

Depois, cabe também solicitar ao kumite a sessão e bater três palmas. Essas palmas significam que essa vibração vai transpassar primeiramente o número material, na segunda palma o mundo astral e na terceira chega ao Deus, criador do universo.

Durante o okyome, as pessoas são expostas primeiramente a frente ao kumite para passar pelo primeiro ponto de purificação: a testa. Este, por sua vez, é o ponto em que todas as pessoas obrigatoriamente devem receber a imposição de mãos. De acordo com Nichioka, é onde está a alma e o eu verdadeiro. “O eu verdadeiro que comanda a mente, o cérebro e o corpo físico”, afirma.

Em seguida, os pontos podem ser variados. Se a pessoa está com dor, ou qualquer desejo de que a concentração seja em um ponto específico, a energia será canalizada naquele lugar. Caso a pessoa esteja saudável, o ponto seguinte é o rim. Volney Campos explica que o rim está na lista para ser o mais purificado, pois é o órgão de maior impureza do corpo.

Seguindo a sessão, o pescoço e os ombros também estão na lista dos pontos a serem canalizados. No total, são vinte e sete pontos. O ponto 8, o principal, é a parte espiritual, o 7 e o 6 compreendem a região da nuca, que está ligada a problemas do cérebro e do rim.

Para a Mahikari, não há limite de sessões por semana. Mas é recomendado que não se faça mais que uma vez por dia no ponto principal. “É preciso canalizar a energia e só receber mais que uma quando é realmente necessário”, afirma Nichioka.

O número de sessões também é indiferente para quem recebe e faz quando se trata de valor. Todas as sessões são gratuitas tanto para o kumite usar o espaço quanto para o público em geral.

No Brasil, são 40 anos de Sukyo Maikari. A primeira sede oficial se instalou em 1974 no bairro Liberdade em São Paulo. Hoje, já são 58 sedes oficiais em 18 estados diferentes. De acordo com o diretor, esses crescimentos não são construídos por escolha da diretoria do Mahikari. “O praticante começa na própria casa e quando tiver um certo número vai crescendo até ter uma sede. É uma  arte que vai no boca-boca”.

Em Ponta Grossa, a sede é localizada na Rua Padre Ildefonso há mais de 15 anos, funcionando das 9h às 20h. Os kumites se revezam semanalmente de forma voluntária, através de uma tabela fixa para ficar atendendo no local para cerca de 300 frequentadores.

Como um espaço destinado a sessões, reuniões, palestras e encontros, Nichioka afirma que o dojo é também um local de aprimoramento espiritual e funciona para sintonizar. “Visa transcender barreiras de religião, reza, política e parte socioeconômica. O objetivo é que vá ao centro principalmente para agradecer”.

Já o praticante Volney Campos conta que o espaço funciona também como uma comunidade. “O espírito de família ali dentro é muito bacana. Uma vez ali dentro, a solidariedade é constante”.

Esse espaço, desde sua existência, por todo o país funciona de forma autônoma. São feitas doações espontâneas e voluntárias de seus membros e frequentadores. Segundo o diretor, toda essa verba tem como objetivo sanar as despesas do local. A oferenda de dinheiro é chamada de “Agradecimento pela Manutenção das Ondas Divinas”. “É como se fosse um agradecimento por Deus nos permitir a usar o omitama”, afirma Mário Bronguel.

 Experiência

Mário Bronguel é funcionário da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Em um momento de sua vida, viveu o isolamento e a depressão. “No pôr do sol eu sentia uma vontade de chorar”, conta.

Em busca de ajuda, Mário procurou tratamento de um psicólogo. Por três meses e muitas terapias, não sentia resultados.  Seu irmão mais velho sugeriu então que procurasse o Sukyo Mahikari. Católico e com certo preconceito, Mário demorou, mas aceitou: “Ou era pela dor ou pelo amor”, relembra ele.

No ano 2000, foi sua primeira sessão de okyome e ele buscava um de seus principais desafios: a cura. A própria Mahikari defende em seus ideais que a doença não existe, pois é entendida como uma consequência de problemas espirituais. Assim, desenvolver a mente era uma forma de alcançar resultados para sua vida.

Com mais de cinco mil sessões de okiyomes como um kumite, Mário não pensa em abandonar o Mahikari pelo resto da vida. Até porque, segundo ele, teve histórias marcantes de cura, que são relembradas como resultado de um trabalho gratificante.

De acordo com o diretor do Sukyo Makihari do sul do Brasil, Rui Harada Nichioka, a Mahikari não deixa de lado os procedimentos dos médicos e orienta que se façam os tratamentos necessários. Longe de ser um milagre, tem o poder de ajudar na purificação e, consequentemente, a mente e o corpo trabalham juntas.

Aos poucos, Mário percebeu que a Sukyo Mahikari, para ele, é uma forma de purificação. E se emociona ao lembrar de como é bom ajudar. “Isso faz parte da minha vida. É uma alegria enorme transmitir essa energia”, conclui.

Reportagem de Mariana Okita

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