Do outro lado da rua pode-se ver a porta aberta. Todos são bem-vindos. O silêncio reina no lugar e a única regra para entrar é estar descalço, um sinal de respeito. Ao entrar, pisar no chão coberto de tapetes e ver que não há bancos, púlpitos ou velas, percebe-se que nada se parece com um templo cristão. A Sociedade Beneficente Islâmica mantém sua mesquita próxima ao centro e, há mais de 15 anos, acolhe muçulmanos e pessoas de outras religiões, como forma de divulgar sua cultura e princípios.
“Essa mesquita é para a cidade, para qualquer um que quiser conhecer. Não importa a cor ou a religião. Só não podemos deixar o espaço aberto o dia todo, porque todo mundo que cuida trabalha”, conta o libanês, que vive desde 1989 na cidade, Hussein Ataya. Receptivo, ele convida a sentar ao fundo da mesquita, que tem duas prateleiras com livros e alguns quadros religiosos na parede.
Todos que frequentam o lugar buscam um ponto de oração em direção a Meca, cidade sagrada para os muçulmanos. Para eles, não importa culto ou missa, mas orar é obrigatório, pelo menos cinco vezes ao dia, segundo a doutrina islâmica.
Hussein explica que existe um costume de purificação do corpo antes das orações, para que não haja impurezas na hora da adoração. Antes de se ajoelhar e levar a cabeça ao chão, ele sai do templo, desce alguns lances de escada e vai ao banheiro para lavar as mãos, braços, pés e cabeça. “Se for necessário, troco até de roupa. Não podemos estar sujos fisicamente para falar com Deus. Tudo ter que ser o mais natural e limpo possível”.
Ao se lavar, Hussein entra novamente no templo e se diz “pronto para orar”. Antes de começar, lê algumas passagens do Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos, e pega uma pedra para apoiar a testa ao se curvar. “Muita gente diz que adoramos essa pedra que eu apoio a cabeça, mas não é verdade. Nós usamos esse objeto porque é preciso se apoiar em algo orgânico, natural, não nesse tapete sintético da Mesquita. Se eu estivesse na grama, poderia me curvar sem utilizar objeto algum”, explica.
Para que as orações possam chegar a Deus, segundo ele, tudo deve ser pronunciado em árabe, por ser a única língua verdadeira e completa, segundo os islâmicos.
Enquanto Hussein ora, um jovem rapaz se aproxima e escreve seu nome numa pequena lousa perto da porta: Jubes Ahmed. Ele diz, em um português incompleto, que sente saudades de seu país, Bangladesh, mas que o Brasil, apesar de não conhecer a cultura dele, acolhe muito bem os muçulmanos.
A mídia, segundo os árabes
Acompanhar o noticiário árabe é rotina para Hussein Ataya. Todos os dias, quando acorda e faz suas orações, ele também fica atento ao que acontece em sua região de origem. Conta que derrubaram mais de 40 prédios na Palestina para plantar atentados e reclama que, aqui, só se ouve notícia do lado de Israel. “Nós escutamos semana passada que palestinos mataram quatro estudantes e um rabino, mas um dia antes, enforcaram um motorista de ônibus palestino e ninguém noticiou isso”.
A mídia ocidental é alvo de reclamações por parte dos árabes e muçulmanos que vivem no Brasil. Hussein Mohamad Taha, formado em Relações Internacionais e Geopolítica em Curitiba, diz que tanto a mídia brasileira, quanto ocidental, deturpa as informações fazendo com que os árabes muçulmanos sejam os terroristas, os culpados pela escalada de violência na região. “Algumas televisões árabes como Al Manar TV, e Almayadeen, duas emissoras do Líbano, pertencentes ao grupo de resistência libanês Hezbollah, e a Hispan TV do Iran são exemplos de TVs que explicam e informam a verdadeira situação do Oriente Médio”, analisa.
A TV Jazeera, principal fonte de notícias para os jornalistas ocidentais, não é vista com bons olhos pelos árabes. Porém, aqui no Brasil e no Ocidente, se tornou a única fonte que os jornalistas recorrem, desde 11 de setembro de 2001. A trajetória da ‘Guerra contra o Terror’, que se consolidou nos anos seguintes, colocaram a emissora árabe como um veículo importante na Europa e nas Américas. Os escritórios instalados em locais estratégicos, como Londres, Buenos Aires e o principal no Catar, facilitam a distribuição do conteúdo da emissora.
A ex-editora do Jornal do SBT de São Paulo, Adriana Coca, conta que havia uma insegurança, durante os atentados de 11 de setembro, se de fato a TV Al Jazeera era uma fonte segura. “Começamos a usar as imagens com a ressalva: ‘não se sabe a veracidade dessas imagens, fontes ainda não oficiais’. O fato é que também foi a Al Jazeera que primeiro mostrou a imagem de Osama Bin Laden, na ocasião da invasão do Afeganistão pelas tropas americanas”.
Os muçulmanos de Ponta Grossa não assitem a TV Al Jazeera. Grupos de mídia como a cristã OTV e a Al Jadeed trazem notícias em tempo real do mundo islâmico. O libanês Hussein Ataya, que mora há 25 anos em Ponta Grossa, e apoia a causa palestina, diz que as notícias da Al Jazeera não são verdadeiras. “É um jornal corrupto, só busca lucro. Ela representa o Catar, que é um governo que não gosta de Síria, eles sempre dão o noticiário a favor dos reis de lá. Malditos reis, como falam. Temos alguns jornais muito melhores que a Al Jazeera, onde se pode ver tudo ao vivo”. Ataya fala que, com muito orgulho, apoia grupos de resistência palestinos, como o Hezbollah.
O conflito, a política e o preconceito
Existem mais de 40 famílias muçulmanas em Ponta Grossa. Dentre elas, muitas possuem parentes e amigos no Oriente Médio e, mais especificamente, na Palestina. Alguns nasceram na região do conflito, e possuem laços fortes com o país, mesmo sendo libaneses ou sírios, que são a maioria dos imigrantes árabes no Brasil.
“Os imigrantes defendem os ideais e a causa palestina aqui no Brasil, com palestras e aulas de esclarecimento dos fatos históricos nas escolas, com os sindicatos, para a sociedade civil em geral, que infelizmente não têm acesso às informações, recebendo apenas notícias totalmente mentirosas, em que os valores e os fatos são distorcidos”, explica o profissional em relações internacionais e geopolítico, Hussein Mohamad Taha.
Apesar de viverem pacificamente com judeus aqui no Brasil, os defensores da causa palestina são contra a criação do Estado de Israel e afirmam que ainda voltarão a ocupar seu país de origem: “Na verdade, a Palestina nunca foi Israel, nunca vai ser Israel. Eles podem até reconhecer na ONU, mas para nós não, o nome dela é Palestina, toda a vida vai ser Palestina, e vai voltar a ser um dia”, defende Hussein Ataya
Segundo os apoiadores, a criação do Estado de Israel é uma instalação de um povo estranho em meio ao povo palestino, uma forma do império norte-americano. “Israel tem influência na região, tanto militar quanto política, além de destruir a Palestina histórica. Desde a criação do estado de Israel, a Palestina perdeu quase que a totalidade de seu território para este estado invasor”, explica Taha.
O preconceito por ser de outra etnia, religião e ideologia é percebido por quem vive e herdou a cultura do mundo árabe. Hussein Taha conta que já sofreu discriminações por parte dos brasileiros. “Hoje, ser árabe, palestino ou muçulmano no Brasil é sinônimo de ser terrorista. Muitas mulheres sofrem preconceito por usarem o véu, outros, por falarem árabe. Eu já sofri com piadinhas e brincadeiras como, por exemplo: “você não está carregando nenhuma bomba?” ou ” olha o parente do Bin Laden aí”, entre outras”, completa o geopolítico.
Reportagem de Jéssica Natal
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