O samba do carnaval em versão universitária

Por Millena Sartori

Baqueta na mão, batuque no ar. Com ginásio cheio, para apresentação ou ensaio, a concentração dos integrantes, com uniformes em verde e preto, é evidente. O grupo, formado por mais de 60 ritmistas ativos, faz apresentações em eventos próprios, competições de baterias, eventos e jogos da atlética à que é interligado (Associação Atlética dos Acadêmicos de Engenharia XV de Outubro), e também faz shows particulares. Essa é a Carniceiros, bateria universitária que representa todos os alunos de engenharia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná campus Ponta Grossa (UTFPR-PG).

Em suas apresentações, a Carniceiros convoca 25 universitários. Porém, dispõe de 46 instrumentos para os ensaios, que são divididos entre júnior e principal, sendo dois por semana para cada categoria. São sete surdos, sete repiques, treze caixas, dez tamborins, seis chocalhos e três agogôs.

A diretoria lembra a estrutura de uma empresa, incentivando o senso de gestão nos acadêmicos. São nove cargos: presidência, vice presidência, diretoria financeira, diretoria comercial e de arte, diretoria de marketing, mestre, segundo mestre e dois conselheiros.

Um dos pioneiros é o atual presidente da Bateria Carniceiros, João Marinho. Ele já havia participado de outra equipe quando cursou Enfermagem, na Universidade de São Paulo (USP), e não gostou do que havia na UTFPR naquela época, em 2013. “Quando cheguei à faculdade o que vi foi uma bateria de arquibancada, toda desorganizada. Não tinha estrutura, estatuto, gestão”, afirma ele, referindo-se à extinta “Urubuteria”.

João conta que quando o grupo decidiu começar a evoluir e deixar de ser apenas uma bateria de torcida, Diego Solak, um dos fundadores da Carniceiros, o chamou para ser mestre. Eles estruturaram a bateria e criaram gestão, estatuto, estrutura – mais instrumentos, material de manutenção e afinação, por exemplo – e ensaios periódicos.

Ponta Grossa conta com mais três baterias universitárias: Tourada (Engenharias UEPG), Caveirão (Direito UEPG) e Pirateria (Medicina UEPG), mas a Carniceiros se destaca pela técnica. “Para um time dar certo, tem que ensaiar. E é nisso que a gente aposta até hoje. Tanto é, que a nossa profissionalização aconteceu quando focamos na técnica”, conta João.

O atual mestre do grupo, Cláudio Fraga, mais conhecido como Big, explica essa diferença entre baterias de torcida e outros estilos: “Uma bateria universitária pode seguir por três principais vertentes: arquibancadas, desafios e shows”.

Segundo ele, a primeira se refere aos grupos que geralmente são ligados à associações atléticas e funcionam como torcida em ginásios e jogos em geral. “Não precisa ser organizada, ter instrumentos bons. Precisa fazer barulho, gritar mais alto que as outras”, afirma Big, que ainda cita que esse é o primeiro estágio de qualquer bateria universitária.

Os desafios já entram na questão da competição. Geralmente com integrantes de escolas de samba, que funcionam como jurados especialistas, as baterias que seguem por esse caminho são mais desenvolvidas e investem em técnicas, instrumentos que tem afinação melhor e qualidade de criação.

“É muito legal quando você vê um jurado impressionado porque acontecem coisas que ele não esperava. No samba cada um tem a sua identidade. Levada de caixa, samba típico e afinação definida, por exemplo. São difíceis de se alterar lá, diferente da nossa realidade”, conta o mestre, que ainda explica que um dos benefícios de participar dessas competições são os prêmios – os primeiros lugares sempre ganham instrumentos novos.

Já sobre a área de baterias universitárias que fazem shows, ele conta que funciona como outra fonte de recursos financeiros. “Quando nos contratam, além dos ritmistas, levamos violão, cavaquinho e uma estrutura que realiza um espetáculo que varia de uma hora a uma hora e meia”, explica Big.

E não para por aí. Ações sociais também são feitas nesse circuito. No Interbatuc 2015, competição que envolve grupos do país todo, um dos critérios para inscrição e desempate, se necessário, era a arrecadação de alimentos. “Cada bateria tinha que doar no mínimo 200 kg de alimentos. Nós conseguimos mais de 2400 kg em dois meses de busca e doamos tudo para o Projeto Crescer, que fez a redistribuição dos alimentos por Ponta Grossa”, lembra Big.

Com um pé no sambódromo

Rogério Figueira, mais conhecido por Tiguês, é ritmista há mais de 20 anos. Atual diretor de carnaval da escola de samba Império de Casa Verde, de São Paulo, ele entrou em contato com baterias universitárias em 2010, quando foi convidado a ser jurado no desafio Interbatuc.

Após esse primeiro contato, Tiguês começou a se interessar mais por esse nicho. Além de participar como júri em diversos eventos, começou a se envolver particularmente com várias baterias, chegando a abrir a quadra Império de Casa Verde para que os universitários pudessem entrar em contato com uma escola de samba.

“Vi que eles começaram a ter maior preocupação em afinar instrumentos, por exemplo, e mudar a forma de ver as suas baterias. Isso foi entre 2011 e 2012. O que era uma brincadeira acabou virando um espetáculo para muitos deles”, afirma ele, que tentou ajudar nesse desenvolvimento. O ritmista considera que hoje 85% de baterias universitárias do país tentam seguir um processo de maior profissionalização.

E ele também afirma que a Carniceiros pertence a esta grande parcela. “O grupo possui muito potencial. Nesse ano ficaram em décimo lugar entre 20 baterias no Interbatuc – e, por não serem de São Paulo, isso mostra um grande avanço”, analisa o ritmista.

Essa comparação com o outro estado deve-se à cultura do carnaval, bem mais presente entre as baterias paulistas. “Por São Paulo e Rio de Janeiro ter um carnaval forte, as baterias de lá têm muito mais contato com escolas de samba. Ou seja, podem acompanhar muitos ensaios e aprender as técnicas na prática”, explica Big, que ainda relata que mantém contato tanto com as baterias universitárias quanto com as de escolas de samba paulistas.

Workshops para ritmistas também são opções que ajudam na profissionalização dos acadêmicos. Nos últimos dois meses o grupo participou de dois; um especial para baterias universitárias com grandes nomes de escolas de samba e outro sobre as origens africanas da música, focado no batuque – a essência das baterias.

Tiguês também lembra o preconceito que ambos os nichos ainda enfrentam. “Integrantes de escola de samba são muitas vezes discriminados e taxados como vagabundos. Imagina os universitários!”, desabafa o ritmista. “Toda e qualquer manifestação cultural deve ser legitimada, mesmo que de estilos totalmente diferentes. E aqui você vê o universitário, o futuro engenheiro, como produtor cultural. O profissional, de qualquer área, que tem a chance de crescer como pessoa, aprendendo a enfrentar desafios, se superar, criar noções de comprometimento, amizade e até valorizar a cultura do samba, tão perdida nos jovens de hoje”, analisa o integrante da Império de Casa Verde.

Um mestre que inspira

Fugindo da maioria – afinal, muitos dos ritmistas da Carniceiros tiveram seu primeiro contato com instrumentos musicais quando se interessaram pelo grupo – Cláudio Fraga “Big” é músico desde os nove anos. Hoje aos 22 anos, natural de Bauru (SP), é acadêmico do terceiro ano de Engenharia de Produção da UTFPR- PG. Já tocava violão e piano, mas, quando entrou na universidade, “a batucada o pegou”.

“A Carniceiros me deu a oportunidade de profissionalizar o meu hobby, que sempre foi fazer música”, afirma ele, que também credita à bateria muitos outros benefícios.

“Entrar no ambiente universitário foi um choque muito grande pra mim. Vim morar sozinho, longe dos meus pais e acabei ganhando uma nova família, o que me ajudou a amadurecer”, categoriza Big, que hoje é o Mestre da Bateria Carniceiros e fala do seu grupo com muita empolgação.

“Ele representa a ideia da bateria devido ao seu amor e dedicação pelo que faz. Ele merece esse cargo também por ser o mais qualificado entre nós. É um líder nato!”, descreve Marjorie Batistela, uma das ritmistas do grupo.

Ela também destaca a personalidade forte e o alto grau de interesse de Big no crescimento da equipe. E Tiguês concorda: “Em um workshop de outubro o Claudio se mostrou muito interessado; era ele quem mais fazia perguntas. É um homem muito humilde, que tem uma visão muito boa e a usa para ajudar, também, outras baterias”.

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