O embaixador do Rap

Por Melissa Moura e José Gabriel Tramontin

O apelido foi a avó quem colocou, justificando que essa foi a primeira palavra que saiu da sua boca. Mal sabia ela que da boca de um homem que até hoje, com 38 anos, é chamado pela primeira palavra que falou, saem rimas que pretendem mudar vidas.

O Hip Hop em Ponta Grossa vem crescendo e mostrando força nos últimos anos. Grupos até então desconhecidos na cidade já estão gravando discos e conseguindo visibilidade em programas de televisão e internet. Apresentações em outras cidades da região são frequentes. O Rap princesino já é respeitado.

São muitos os agentes por trás dessa evolução. Um dos principais tem um nome já conhecido, e não tem medo de tomar a frente em qualquer questão que diga respeito ao Hip Hop: Ismael Alves dos Santos, o Gueg.

Natural de Ponta Grossa, Gueg tem um estúdio em um cômodo de sua casa, onde funciona a sua produtora de rap, a “Fabrik”. Localizado na Ronda, a estrutura é modesta. Para quem entra na pequena sala, é difícil acreditar que é ali que se realizam sonhos de meninos e homens da cidade inteira. É lá que ele recebe todo dia muitos garotos dispostos a lutar por reconhecimento e uma vida melhor através da música. “O Gueg racha com a galera, enquanto ‘os boy’ grava em outros estúdios”, conta Jefferson Araújo, o Kiko Mc, um dos muitos rapazes que gravam no estúdio da Fabrik.

A casa em que Gueg recebeu a reportagem era mais uma casa comum de bairro ponta-grossense. Casa de periferia. O portão que se abriu para a nossa entrada, não corria perfeitamente, e a rampa de acesso ao estúdio era de cimento cru. Ficava evidente que o estúdio havia sido incorporado à construção posteriormente. E foi o que Gueg confirmou logo depois

– Esse estúdio foi construído por mim e pela minha mulher, tijolo por tijolo.

A simpatia e a boa recepção impressionaram desde os primeiros momentos. Realmente se tratava de uma grande figura pública, um embaixador.

‘Todo mundo tem as mesmas oportunidades’

Gueg aprendeu a fazer tudo sozinho.

– Hoje em dia todo mundo tem as mesmas oportunidades, o cara que quer realizar corre atrás de conhecimento e realiza o que quer

Foi pesquisando muito na internet e conversando com amigos que ele aprendeu a masterizar as faixas gravadas, conhecer os equipamentos e alcançar seus objetivos.

Desde 1996 ele organiza excursões para shows de rap em outras cidades, coisa que faz até hoje frequentemente. Todo mês em seu perfil do Facebook é possível encontrar algum convite para excursão, seja para shows no estado ou fora dele. Realmente ele valoriza a cultura de outras localidades, mas também pensa que a cultura de sua própria cidade também tem valor fora dela mesma. Tanto é que, em 1998 começou a fazer shows pelo estado, com apenas 17 anos. Foi assim que se tornou o maior nome do Hip Hop de Ponta Grossa.

Todo esse esforço já foi premiado em nível nacional. Gueg já venceu o prêmio preto Ghóez em 2010, com uma história um tanto curiosa. Para aumentar as suas chances de levar para casa o prêmio de 13 mil reais, ele se inscreveu em todas as categorias. Música, vídeo clipe, site, radio e inclusive a de programa de TV, coisa que nunca havia feito na vida. As etapas do concurso foram passando e ele chegou à final em todas, e o resultado foi o mais inesperado possível. Ele ganhou justamente o prêmio de programa televisivo, com um programa piloto, feito no improviso pela primeira vez em sua vida. O valor foi todo investido no estúdio e em equipamentos.

Resultado disso, hoje ele apresenta o programa Hip Hop PG, produzido pela Étv, onde abre espaço para personagens do cenário Hip Hop princesino exporem seus trabalhos como músicas e vídeo clipes.

– Eu nunca tinha apresentado um programa de televisão na vida, mas hoje já estou tranquilo em frente às câmeras.

Além disso, comanda o site de mesmo nome, no qual posta as produções de artistas locais, notícias de eventos e também calendários.

A Fabrik de sonhos

Não foi fácil percorrer toda essa estrada, mas Gueg não se arrepende de nada e ainda tirou muitas lições.

– O sucesso é relativo, qualquer um pode fazer, pois é questão de grana. Pra mim, o que importa é a rapazeada.

Essa lição se evidencia quando acompanhamos o seu trabalho no estúdio.

A produtora Fabrik trabalha com um preço único: R$ 50,00. Por esse valor é possível comprar um beat(a batida de um Rap) composto por Gueg, gravar uma faixa de composição própria ou ainda gravar um clipe de sua música. O valor é praticamente irrisório comparado ao que estúdios tradicionais cobram pela gravação de uma faixa. Os serviços oferecidos dão conta do recado, mesmo feitos com equipamentos relativamente baratos. O steadycam (suporte para a gravação de vídeos em movimento), foi feito por um amigo torneiro mecânico, e o seu funcionamento perfeito é motivo de orgulho para Gueg.

– Fui eu que projetei.

Enquanto um rapper grava a sua voz, outros esperam a vez fora do estúdio, atentos a cada detalhe captado pelo. O produtor dá o veredito:

– Está ruim, pode gravar de novo.

E assim ele passa o dia, dando conselhos para todos os jovens que passam por ali. É tocante o nível de atenção que os garotos recebem.

– Já mandei um cara vazar daqui e não aparecer mais para gravar nada. O cara já tinha uns cinco discos gravados com umas quinze faixas cada um, mas e daí? Ficava só nisso, não evoluia, não melhorava de vida!

Gueg já trabalhou em uma empresa de logística. Antigamente conciliava o Rap com o trabalho, mas há alguns anos decidiu trabalhar full time com o que ama: o Hip Hop. Tudo o que faz é para enaltecer essa cultura e dar esperança na vida de quem precisa. A sua esposa, Patrícia dos Santos também cantava, e acabaram se conhecendo nesse meio. Hoje ela trabalha como agente educacional na penitenciaria estadual, outra ocupação para ajudar nas despesas da casa.

– Ah, ela é tudo pra mim. Me apoia em tudo e é muito guerreira. Sem falar que é super inteligente. Fez um concurso do estado para professora e ficou em primeiro lugar. Sempre foi muito esforçada e estudiosa. Ela é demais! Sem ela eu não teria nada disso.

O esforço de ambos é muito grande para os desafios encontrados. Incentivos de outras entidades são cada vez mais raros. A prefeitura da cidade não costuma ter em sua programação eventos onde o hip hop seja destaque, e não existe nenhum edital que preveja verba para incentivo a esse tipo de produção. Nessas situações o rap ainda sofre com preconceito.

– Eu queria que existisse espaço para o rap em projetos como o ‘Sexta às Seis’ sabe? Que envolvem mais dinheiro e a cidade toda abraça. Ainda somos escanteados em algumas situações.

Por esses fatores, a demanda pelo trabalho realizado por Gueg não acaba.

– Às vezes dá uma diminuída no movimento, mas daí eu já faço alguma promoção e a rapazeada já volta a colar aqui no estúdio.

Passeio com um Cidadão Honorário

Depois de quase três horas de entrevista, eu peço* para tirar algumas fotos dele e do lugar. Ele liga uma batida e começa a ensaiar umas rimas, enquanto isso, eu fotográfo. Mas o ato não dura nem dois minutos. Logo ele interrompe.

– Preciso buscar minha mulher.

Eu ainda não tinha as fotos, mal tinha arrematado a entrevista. Quase morro de decepção. Dou um sinal de que tudo bem, vou-me embora, e aí vem a surpresa:

– Não vai embora não. Vamos comigo buscar ela, é coisa de dez minutos. Depois eu me troco e você faz as fotos.

Entramos em um automóvel utilitário, que logo ele explica ter comprado para caber todas as bugigangas que precisa levar para os shows. No caminho ele vai me contando mais histórias e identificando os locais por onde passamos. O destino final é o bairro Santa Maria, mais especificamente na penitenciária estadual, onde sua esposa já saiu do trabalho.

Olhando para o relógio, descubro que se passaram muito mais de dez minutos sem que eu percebesse.

Gueg é uma fonte inesgotável de histórias, e bom humor. Um guerreiro da periferia que se tornou cidadão honorário da cidade em 2013 e reconhecido em todos os cantos pelo seu trabalho invejável em favor não apenas do movimento hip hop, mas também por dar oportunidades a pessoas escanteadas por todo o resto da sociedade.

– O que eu quero é que essa rapazeada da periferia faça o seu trabalho, agarre as oportunidades e saia pro mundo. Saia fazendo seus shows, se apresentando. Façam acontecer e não fiquem esperando!

*Gueg foi entrevistado por um dos repórteres.

Comentários: 1

  1. ismael Gueg disse:

    obrigado a todos os envolvidos nessa divulgação do meu novo trabalho
    e convido a todos pra ouvir o album chamado Gueg PR Na voz que envolveu 09 músicas e 09 videos clipes
    que estão nas redes sociais e nas plataformas digitais e no meu site gueg.com.br

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