Por Lucas Feld
“O artesanato vem de dentro, de dentro para fora. Você vai descobrindo uma forma de articular as pessoas e o lugar onde passa, porque cada lugar é uma matéria diferente. Você vai trabalhar totalmente a matéria que tá no lugar. Então você vai adquirir conhecimento e criatividade”. É o que diz Nego Tom, que há 15 anos vende seu artesanato em meio às andanças pela América do Sul.
Encontrei Nego Tom sentado na sombra de uma árvore, na pequena faixa de grama entre o Terminal Central e o fluxo da Vicente Machado. Quando terminei de me apresentar e explicar o que estava fazendo, e puxei o celular pra gravar com Tom, chegou uma menina que fazia furinhos na borda de um tecido emborrachado roxo, com um pequeno alicate. Era Luana, que ficou de croque ao nosso lado. Explico-me novamente e logo começo a entrevista-los simultaneamente. Tom é do interior de São Paulo e está viajando rumo a Santa Catarina. Luana é daqui e diz que o artesanato surgiu há pouco tempo em sua vida.
“Foi o momento que eu me libertei das garras do sistema e fui viver do meu sonho que é fazer artesanato. Viver do que é seu”, diz ela. Tom arremata em seguida: “principalmente do sistema, do capitalismo, da mesmice. A gente trabalha pra gente mesmo, não precisa pagar o imposto e ganhar aquele salário mínimo que eles querem pagar pra gente”.
Da boca de André Azevedo ouvi: “Eu domino modelagem, domino serra de ourives, pintura, aerografia. A parte de trabalho em cordão; tecer, macramê, festoné, outros pontos. Filigrana, que é a amarração de metal sem solda. Malhas de metal com argolas, malha inglesa, malha turca, corrente peruana e algumas outras. Nesses 20 anos eu aprendi um bocado de coisa, né, cara”. Ele relata o que aprendeu em duas décadas ao som de Bezerra da Silva, que toca em seu celular, e dos ônibus que manobram atrás da grade onde ele se senta.
André conta que é de Pelotas, RS, mas vive em Ponta Grossa há sete anos. Já viajou por aí como Tom. Sempre teve sua fonte de renda no artesanato, assim como Valter Dalcol e Juliano Lara. Valter produzia uma peça, recostado na árvore, de bermuda e chinelo. Juliano arrumava seus produtos e veio sentar ao nosso lado fugindo do sol.
Pelo Calçadão da Coronel Cláudio conversei com Jorge Lagadinofe, artesão há 25 anos. “Mera sobrevivência, antes foi por opção agora é uma questão de sobrevivência”, afirma. Ele lembra a regulamentação da profissão por meio de decreto em setembro de 2015. “Agora a gente se tornou profissional”, reitera.
A margem da beleza
“Aqui [ao lado do Terminal Central] a gente não tem problema. Foram nos tirando de lá e de cá. ‘Aqui não pode, ali não pode, tal, tal, tal… fiquem ali!’ Nos deixaram aqui, não tem um alvará, mas a própria fiscalização da administração municipal nos permitiu ficar aqui”, comenta Azevedo sobre o local de trabalho. Segundo ele, os artesãos de rua sempre ficam à margem, no escanteio, mesmo gerando renda no município. Ele protesta que assim surge a marginalização. “A gente por estar na rua é marginalizado o tempo todo. Não há um espaço legal pra trabalhar, a gente poderia estar trabalhando mais ao centro, próximo do comércio, da população”.
Da Igreja dos Polacos até o terminal foram muitos os pontos por onde tentaram vender artesanato, segundo Lara. Já Lagadinofe afirma ter licença provisória renovada ano a ano pela Prefeitura. Assim, tem o direito de vender em um dos “quadradinhos” ao lado do Condor, sem se preocupar com fiscalização. Ele divide o espaço com mais quatro artesãos. “Eu vendi no antigo Cine-Império, na avenida Vicente Machado, arredores do Terminal e depois pelo Brasil todo”; Lagadinofe viajou durante 18 anos pela América do Sul e América Central.
“Nem todos os serviços são fáceis, existe descriminação em todos os lugares”, reitera Tom.
Criação de produção
“Como posso te dizer, quando a gente tiver com paz dentro do coração é o horário melhor pra fazer o artesanato. Então não tem lugar, não tem hora”, reflete Tom. Luana, por sua vez, diz: “tem muito essa ligação espiritual, você consigo mesmo. Toda hora é hora”. Tom produz pulseiras, filtro dos sonhos e colares. Trabalha com pedras, cordões metálicos, fio encerado, sementes, entre outros.
Segundo Azevedo, parte de seus materiais são encontrados em armarinhos de Ponta Grossa, mas ele também coleta outros e reaproveita. Dentre os materiais, utiliza sementes e cascas e recicla rolinho de papel higiênico para fazer embalagens e metais, com o emprego da técnica da serra de ourives. “Tem um investimento, uma parte você compra, outra coleta, recicla”, afirma Tom.
Azevedo produz em casa e na rua, mas fala que às vezes fica sem fazer nada, dependendo do momento. Ele reconhece que algumas criações são feitas pelo domínio de técnicas, muda-se apenas cores e peças. “Um pulseira de macramê, que é um ponto que a gente faz, vai ser sempre uma pulseira de macramê, não requer um momento de inspiração. Tem que fazer pra vender”.
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