Por Adriane Hess
“Ponta Grossa possui 65 mil negros, mas aonde você vê eles? Eles estão escondidos!” A fala é de José Luiz Teixeira, presidente do instituto Sorriso Negro dos Campos Gerais e evidencia a distância do negro em relação ao centro da cidade, onde se concentra a vida cívica. “Você não os encontra nos corredores da universidade, você não os encontra nem no calçadão da rua.” Segundo ele, 15% da população do país se declara racista. Ao mesmo tempo, mais da metade do povo brasileiro é negro.
Mas, definitivamente, eles não estão escondidos, nem desarticulados. Reunindo praticantes do Candomblé, membros de quilombos e defensores do movimento negro, a Sociedade Afro-brasileira Cacique Pena Branca existe desde 1988, atuando no endereço da Colônia Dona Luiza há 22 anos.
Com atividades ligadas as religiões afrobrasileiras, o grupo não se limita a isso. Os trabalhos no terreiro são apenas uma parte de todo o ofício que o Cacique Pena Branca exerce na cidade. A equipe é totalmente voluntária, desde a limpeza e assistência, até as aulas ministradas na sede. Segundo informações de membros da Sociedade, cerca de cem pessoas frequentam os trabalhos religiosos por semana. No entanto, ser praticante do candomblé não é pré-requisito para ajudar nas atividades do grupo. Pelo contrário. Ainda que a maioria participe de ambas as partes, o Cacique Pena Branca é um espaço de convergência de pessoas de diferentes movimentos, principalmente os quilombos da região.
O Cacique não é o único movimento voltado a cultura negra em Ponta Grossa. O Instituto Sorriso Negro, do qual José é presidente, atua na cidade há 8 anos e tem sua diretoria composta por pessoas de 8 municípios. Ainda que em outros momentos o grupo já tenha trabalhado com mais foco na cultura (apresentações folclóricas, danças típicas, entre outras), atualmente o instituto está voltado principalmente a conscientização sobre o racismo através de palestras.
Diferente do Cacique Pena Branca, o Sorriso Negro não possui relações religiosas. Segundo Teixeira, o grupo busca “minimizar os conflitos raciais” na cidade. Conflitos estes, que Tânia Mara Batista, mãe de santo e líder do Cacique, já vivenciou bastante nos 27 anos do grupo.
Segundo ela, há pelo menos 14 anos, o grupo não recebe apoio governamental . Anteriormente, este apoio vinha de um programa do governo federal, que apoiava projetos sociais. E por isso, a Sociedade necessita abrir mão de algumas atividades devido a falta de apoio. Um exemplo é o estrago feito por uma forte chuva de granizo que causou danos ao telhado da sede, impossibilitando a continuidade do clube de mães e do artesanato nos últimos dois meses. O mesmo acontece com as aulas de informática para as crianças: vários computadores estão danificados. Sem verba para conserto, não é possível seguir com as classes.
Os recursos vêm dos esforços dos mesmos voluntários que trabalham pela comunidade. A sociedade arrecada fundos através de jantares com pratos típicos da etnia, bazares de roupas usadas, e alguns patrocínios ocasionais. Felizmente, o dinheiro necessário para a reforma do telhado já foi arrecadado, e as atividades paralisadas devido aos estragos devem voltar em janeiro de 2016. Atualmente, apenas as atividades ligadas a religião e a assistência e orientação a pessoas da comunidade estão sendo realizadas.
Um degradê de barreiras
Um século após a abolição da escravatura no Brasil, e no mesmo ano do registro do Cacique Pena Branca, foi criado um clube exclusivo para negros em Ponta Grossa: o Clube Treze de Maio. Segundo o livro Aquarela de Reparações, da jornalista Marina Demartini (2014), a fundação do Clube tinha como objetivo reunir a população negra da cidade. A obra, que fala sobre racismo no Brasil e nos Estados Unidos, ilustra, através desta relação, uma sociedade que há poucos anos trazia exemplos explícitos de segregação racial, deixando evidente a necessidade de debate e luta contra o racismo instituído.
Por isso também a urgência de marcar datas como o dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra, que tem ações organizadas pela prefeitura mas que nos últimos dois anos, não teve a participação do Cacique, que não foi convidado: “Muitas coisas não nos convidam, porque a gente tem a nossa maneira de ser. A gente vai vestido no santo, não tem vergonha do que a gente é.” Já o Instituto Sorriso Negro participou dos atos. Ainda assim, há dois anos, Tânia recebeu o prêmio “Anita Filipovski” pela sua contribuição social através de seu projeto.
E o preconceito só aumenta quando associado às religiões afro-brasileiras. A psicóloga, Lorene Camargo, apesar de ter a pele branca, conta que basta utilizar objetos que a identifiquem como praticante da Umbanda para sofrer discriminação. “Eu já recebi olhares que eu sabia que era um olhar de recriminação, um olhar pejorativo”, afirma. Tânia também se queixa do preconceito vindo de praticantes de outras religiões: “A gente mostrou que também acreditamos em Deus. Mas, na ignorância de muitas pessoas que não olham pros lados, vai ter que acontecer muita coisa pra que esse povo acorde”.
Mas ao mesmo tempo em que recebe preconceito de diferentes formas, o Cacique tenta caminhar no lado oposto. O respeito às diferenças é a principal virtude dentro do ambiente. “A gente não têm barreiras. Como nossa religião já sofre preconceito, a gente trabalha nesse sentido, pra mostrar uma educação para o povo”, conta Tânia.
A alma não tem cor
Oito anos. Essa é a idade com que Tânia Mara Batista – Dona Tânia, para os amigos – começou a participar de trabalhos dentro do Candomblé. Podia se resumir a uma fase em sua infância, mas o envolvimento com a cultura negra foi além da religião. Uma vez praticante, Dona Tânia não se contentou apenas em estar dentro dos terreiros. Aos 13 anos, começou a sua história de ativista do movimento negro.
Bisneta de uma mulher negra, Tânia tem a pele branca, o que ainda desperta curiosidade em muitas pessoas: “Muito branco me pergunta porque eu ‘me meto com preto'”, conta. A resposta é descrita com uma palavra: “Acreditar”. Ainda assim, os 50 anos de envolvimento com o movimento negro muitas vezes a fizeram questionar valores presentes na sociedade. No entanto, não foi o suficiente para desanimar: “Eu acho que não importa a cor, os valores são iguais, tanto um como o outro tem capacidade e entendimento de fazer as coisas certas e trabalhamos nisso”.
Dona Tânia, acima de tudo, transparece sua fé. Em cada fala, a crença em seres superiores a fazem seguir como a líder do Cacique há tanto tempo. “Deus é espírito, mas em primeiro lugar é amor, a sinceridade, a fidelidade”: é com essa calma e virtudes que ela presta ajuda aos que lhe procuram. Além da parte espiritual, muitas pessoas procuram o centro para pedir conselhos a Tânia: “Não que a gente vá resolver, mas pelo menos dar uma orientação pro pessoal não desanimar e ir em frente.”
Esta fé, que sempre está presente no trabalho realizado pela casa, agora busca um novo líder. Devido a problemas de saúde, Dona Tânia está em busca de uma nova pessoa para coordenar as atividades do terreiro e da sociedade. Não significa um afastamento. Talvez um certo pessimismo com a sua situação física. “Eu não vim para ficar, eu vim para cumprir a minha missão e sobre a lei de Oxalá eu vou. Mas antes, quero deixar tudo arrumado”, conta.
Candidatos não faltam: Dona Tânia tem 320 filhos no santo. Ainda que os trabalhos da Sociedade sejam abertos a pessoas de outras religiões, um dos requisitos para assumir a liderança do grupo é seguir o Candomblé. Assim, a mesma pessoa poderia coordenar as duas dimensões da instituição, trabalho que a Dona Tânia faz desde a fundação da Cacique Pena Branca.
Mesmo com tantos possíveis sucessores, a busca continua: “às vezes, um filho tem um dom de um jeito e não tem do outro.” A procura já completou dois anos e até o momento não tem uma pessoa em vista. Experiências negativas durante a vigência da Casa a fazem escolher com muita calma o próximo líder do grupo. “A gente levantou essa casa, e quer passar pra uma pessoa que realmente ame a religião”, afirma.
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