Por Gabriela Ferreira Gambassi
O Grupo de Teatro Paré, fundado em 2014, tem como propósito em suas peças trazer a cultura paranaense aos olhos do público. “O Paraná é um estado que não tem uma cultura tão impregnada no seu povo quanto a gente vê no Nordeste ou no Rio Grande do Sul, por exemplo, mas a nossa cultura é tão rica quanto de todos os outros estados do Brasil”, avalia Roberto Simieniaco, integrante do grupo.
Além de trazer elementos da cultura paranaense para o roteiro das peças, o grupo também encena histórias e lendas que fazem parte do imaginário do estado e da cidade de Ponta Grossa. Atualmente formado por quatro integrantes – Roberto Simieniaco, ator e roteirista, Eduardo Godoy, ator e produtor, Ana Baldani, atriz e figurinista, e Amanda Oliveira, atriz e produtora –, o grupo desenvolveu no final de 2015 a peça ‘Súplicas’, que conta a história da santa popular ponta-grossense Corina Portugal.
Nascida no Rio de Janeiro, Corina mudou-se para Ponta Grossa com o marido, o farmacêutico Alfredo Marques de Campos, no segundo semestre de 1884. Viciado em jogos e em álcool, Alfredo veio para Ponta Grossa para fugir das dívidas que fez no Rio de Janeiro e para inaugurar a primeira farmácia da cidade, auxiliado pelo doutor João Dória, na época político conhecido na cidade.
Corina, por sua vez, era uma mulher muito devota a Deus e, de acordo com excertos de cartas que mandava para o pai, acreditou até o fim que o marido iria mudar para melhor e deixar para trás os vícios que haviam atrapalhado sua vida no Rio. Porém, suas esperanças se mostraram infundadas quando ele a assassinou no mês abril do ano seguinte. Por conta de jogadas políticas, ele foi inocentado.
Anos mais tarde, quando o Cemitério Municipal foi transferido da Praça Barão de Guaraúna para a sua atual localidade, o corpo de Corina foi encontrado incorrupto, mesmo vinte anos depois de sua morte. A partir disso, criou-se na cidade o boato de que ela era santa, e até hoje seu túmulo é coberto por placas de agradecimento de devotos. “É uma lenda local, achamos importante trazê-la aos olhos do público”, conta Eduardo Godoy.
Ao escrever a dramaturgia para contar a história de Corina, Roberto teve dois pontos de inspiração: o livro História de Sangue e Luz, do advogado Josué Fernandes Corrêa e o cordel Corina Portugal – a santinha dos Campos Gerais, do autor Eno Teodoro Wanke. Para a parte cênica, a inspiração foi o dramaturgo Jorge de Andrade. “Gostei muito da composição que ele fazia de cenas paralelas, por isso trabalhei com o quarto e a sala colocados juntos no palco”, explica.
Para os atores, o desafio era trazer aos olhos do público uma personagem histórica, real e tão adorada pelos seus devotos. “A dificuldade maior é a responsabilidade. A Corina tem vários devotos e o medo de ofender alguém é bem grande”, relata Ana Baldani, intérprete de Corina.
Ela conta que buscou inspiração em livros de etiqueta da época vitoriana e em personagens de José de Alencar, mas que sentiu falta de mais dados em relação aos costumes e à configuração de Ponta Grossa na época para a construção de Corina.
Mas nem só de desafios foi feita a montagem da peça. “É maravilhoso poder reviver esta personagem histórica da nossa cidade e poder levar esse conhecimento para mais pessoas. A empatia com mulheres que sofrem com a violência doméstica cresce bastante”, Ana opina.
A peça estreou no dia 22 de outubro do ano passado e foi bem recebida pelo público, em especial pelos devotos de Corina. O espetáculo integrou também a Mostra Paralela do 43º Fenata, e contou com casa cheia e aplausos em pé. “Saí chorando”, diz a espectadora Cláudia Ventura. “A peça toca a gente muito fundo, a história é extremamente comovente.” E a reação de Cláudia não é uma opinião isolada. “A quantidade de público está mostrando como a recepção está sendo maravilhosa”, conta Ana. Eduardo empolga-se com o acolhimento da cultura. “É muito bom ver as pessoas acolhendo e apreciando a cultura da nossa cidade”.
Uma peça puramente paranaense
O grupo “Par Seria”, idealizado pelos amigos Roberto Siemieniaco e Andressa Slompo, surge depois do Fenata 2013. Durante o festival, a dupla trabalhou com peças e intervenções de divulgações. No último dia, depois de apresentar a peça de encerramento para 700 pessoas, “se acendeu a chama”, como conta Roberto.
A primeira peça desenvolvida pela trupe, agora rebatizada de ‘Paré’ e contando com mais quatro integrantes (os atores Eduardo Gody e Ana Baldani, o músico William Silva e a produtora Jaqueline Albano), estreou quase um ano depois, em outubro de 2014. A história escolhida foi o conto de fadas “Por que o Mar Tanto Chora?”. Visando o público infantil, a peça é uma adaptação da história “Os Três Vestidos”, e a primeira versão teve sua estética inspirada na novela ‘Meu Pedacinho de Chão’, de Benedito Ruy Barbosa. Em novembro do mesmo ano, a peça fez parte da Mostra Paralela do 42º Fenata, ganhando o prêmio de primeiro lugar na modalidade.
No meio do processo criativo, Eduardo apresenta ao grupo a ideia de trabalhar a cultura paranaense. Portanto, na versão produzida pelo Paré, a Princesa Maria, princesa do Reino de Foz do Iguaçu, se vê obrigada a casar com o Rei de Tibagi e foge para o Reino da Ilha do Mel onde, durante uma festa junina regada a músicas do folclore paranaense, trabalha como criada no castelo. Por fim, ela se apaixona pelo príncipe e os dois se casam. “Por que o Mar tanto Chora é uma peça puramente paranaense”, diz Roberto.
Sobre os planos para o futuro, o grupo ainda não tem outras peças em vista. Mas isso não significa que ficarão estagnados; ainda há muito que se aprimorar em ‘Por que o Mar tanto chora?’ e em ‘Súplicas’. “As peças estão sempre se transformando. É um processo criativo contínuo, acho que nunca vai parar”, diz Roberto.
O importante para o Paré é não perder de vista suas duas missões: tocar o público e apresentar a cultura do seu estado para os palcos. ““O Paré não quer levar só entretenimento. A gente quer tocar a alma das pessoas através da arte e a tradição de um povo é a melhor forma de fazer isso”, constata.
Confira em áudio um trecho da peça “Por que o Mar Tanto Chora?”, do Grupo Paré.
Muitas vidas em um corpo só
E quem traz à vida tanto Corina quanto a princesa Maria é a jovem atriz Ana Baldani. Para os dois personagens em desenvolvimento, a atriz busca inspiração no método Stanislavski de atuação (em que os atores utilizam-se de emoções e lembranças próprias) para a criação e interpretação de Corina e da princesa Maria. Ana, no entanto, foge de inspirações em pessoas particulares. “O legal do teatro é que se você ver o mesmo personagem interpretado por pessoas diferentes, não será a mesma coisa. A criação é muito pessoal do ator”, explica.
Com 19 anos e atuando desde os 15, o sonho de ser atriz vem desde o ano de 2006, engatilhado pelo espetáculo musical “O Fantasma da Ópera”. “Sempre gostei muito de arte, mas depois de assistir aquilo, fiquei fascinada. Foi ali que acendeu a chama”, relembra. Ela teve que esperar, porém, até 2010 para que um curso de teatro abrisse na cidade, no Ateliê de Artes Cristina Sá. Depois de duas montagens, ela afastou-se do espaço e passou um tempo sem atuar.
Em 2013, Ana passou a estudar no Centro de Estudos Cênicos Integrados (Ceci), onde ficou até o primeiro semestre de 2015. Lá, participou de quatro montagens teatrais em gêneros que variaram da tragédia grega até o teatro musical.
Além das aulas de atuação, outro aspecto importante da interpretação de Ana vem de seu outro talento artístico: o ballet. Após 15 anos praticando a dança, ela forma-se como bailarina. Ela avalia que a dança afeta de forma muito significativa seu trabalho como atriz. “A dança proporciona consciência corporal e aprimora a capacidade física, o que é essencial para o teatro”. Especialmente na interpretação da princesa Maria, que tem sua estética baseada na commedia dell’arte (gênero teatral de movimentos muito estereotipados), a resistência física fornecida pelo ballet é muito importante para interpretar a personagem da melhor forma possível.
Sobre o cenário de teatro na cidade ponta-grossense, Ana percebe muitas mudanças desde que começou a atuar, cinco anos atrás. Depois da chegada das escolas de Curitiba, ela avalia que as pessoas passaram a procurar mais o teatro, e é otimista quanto ao seu sucesso e ao sucesso do Paré no futuro. “Estamos sendo muito bem recebidos. O Paré está dando muitos frutos. É muito bom ajudar o cenário teatral ponta-grossense a crescer”, afirma.
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