O círculo fechado

Ficou virando a xícara vazia entre as mãos. Tinham acabado de lanchar. Na tela de TV, Faustão abria a noite com o seu domingão. Mas não havia som, a tecla do controle remoto no mudo. Era só uma imagem de algo que mudava a roupagem para não mudar realmente.
Envolta dele, os parentes que, enquanto mordem o pão-de- queijo e bebericam o café, opinam sobre política, com um ar de segurança sobre o que dizem de fazer inveja aos mais doutos. O olhar dele fica migrando da TV para os parentes, e vice-versa. Ele observa em silêncio as bocas deles se movendo, na qual a comida migra de um lado ao outro, abrindo espaço para as palavras que saem uniformes como os elos de uma grande cadeia de ferro.
E ouve. Ouve, consentindo com a cabeça, mesmo que no foro íntimo saiba que não passa de uma velhacaria absurda os ideais econômicos do neoliberalismo que eles abraçam, os ideais da ética pequeno burguesa que endeusam, e na esteira deles, os velhos preconceitos vestidos com as roupas caretas de um moralismo hipócrita. Quando alguém pergunta a sua opinião, não encontra outro tipo de resposta que não seja “aham”, porque os pedaços marcantes da conversa estão ecoando na sua cabeça, impedindo-o de pensar noutra coisa.
Antes ele também dizia o que pensa. À proporção que o tempo passou, se deu conta de que tentar estabelecer diálogo com quem não tem abertura para ideias contrárias é um castigo de Sísifo. Ele apresentava os seus argumentos, escutava, mas, independentemente de quanto esforço dispendia para ser claro e coerente, a pedra sempre acabava rolando ladeira abaixo. Daquelas cabecinhas parece ser impossível tirar inverdades como a de que o bolsa família é esmola, ou de que a corrupção se resume a um único partido. Nem Jucá os convence.
Ele deposita esperanças nas crianças que, excitadas com a perspectiva de comer mousse de chocolate depois do café, ficam correndo em volta da mesa, indiferentes a conversa.

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