Longe das grandes cidades, do trânsito barulhento e das pessoas apressadas, cresci numa cidade largada num morro velho no interior de Goiás.Tinha sabiá, tinha laranjeira, tinha manga rosa. A cidadezinha e as chácaras em volta dela eram uma extensão do quintal de casa, onde se podia brincar até vir a noite, quando voltávamos para casa para lavar no banho de bica a sujeira do corpo encardido com a poeira vermelha que a tudo impregna, até a alma.
É uma terra feita de gente boa que faz todos os dias o seu trabalho duro com força e que, às vezes, parece se perder em devaneios, sonhando com o dia em que um pedaço dessa terra grande em que tanto trabalham será sua. Lá são todos Maria, Maria. É uma gente que ri, quando deve chorar, com uma estranha mania de ter fé na vida. E não vive, apenas aguenta. No fundo, sabem que a cova será a única parte que de fato lhe será cedida deste latifúndio. Não será cova grande, é cova medida para sua carne pouca, mas, eles sabem, a terra dada, não se abre a boca.
Cresci dezoito anos de minha vida com essa gente boa de grandeza não reconhecida. Apesar de estar já há quase uma década morando longe de casa, frequentemente a minha terra me visita através de memórias, cheiros e sabores. Assim, de certa maneira ainda estou lá. O sertão é dentro da gente, já dizia Guimarães.
A outra parte da minha trajetória é a mesma história, contada milhares de vezes, tão velha quanto pé-de-serra, do menino interiorano que saí de sua cidade natal com uma mala grande e empoeirada; e vai morar de favor em alguma cidade grande, onde poderá estudar e talvez saciar a sua sede de viver tudo, conhecer as manhãs, o sabor das massas e das maçãs.
Vieram até mim algumas memórias da minha terra quando vi de longe a manifestação pró-Bolsonaro que ocorreu em Ponta Grossa, na última quarta (28). Aquela turma pequena e barulhenta me fez recordar as cigarras que ocupavam com o seu barulho infernal os fins de tarde da minha infância no sertão. Sempre bem escondidas, pequenininhas, inofensivas e muito, muito barulhentas, as cigarras são verdadeiros apitos ambulantes. Conta o velho livro de biologia que o canto das cigarras é produzido por um órgão na base do abdômen, uma espécie de caixa acústica, que possui uma membrana vibrátil.
Lembrei das cigarras quando vi o protesto porque era isso mesmo: pequenos e barulhentos. Muitos conhecidos meus manifestam medo quando se trata dos seguidores dos Bolsonaro. De fato, o medo é compreensível. Afinal, não raro, parte dessa gente, que parece se banhar em ódio, intima jovens e velhos de mãos desarmadas. Por tudo isso, arriscaria dizer que a liberdade ideológica e de expressão determinada pela Constituição está sendo solapada na prática do dia-a-dia. E tudo indica que serão ainda mais frequentes, nas ruas de bytes e de asfalto, as cruzadas anti-tudo-que-não-seja-espelho promovida pelas brigadas fascistas.
Ao invés de medo, eu sinto uma tristeza profunda quando me deparo com essa gente. De fato, existem grupos no movimento pró-Bolsonaro que querem assar todo mundo que ouse discordar do que pensam. Jogam ovos, atiram e gritam contra tudo o que não for espelho – em especial, contra os princípios e ideias comunistas e a oposição ferrenha a todo governo, grupo, pessoa ou processo que dê suporte prático ou teórico a essa ideologia. Ainda que haja esse grupo radical, não acho que tudo seja farinha do mesmo saco de “caça às bruxas”.
Observando os jovens, velhos e crianças presentes no ato do Bolsonaro, percebi que muitos deles, na verdade, não passam de trabalhadores e filhos de trabalhadores. Assim como eu, é uma gente pobre que se ferra todos os dias nesse moinho que a gente chama impropriamente de vida. Fico triste ao vê-los porque sei que estou diante de potencial jogado fora. É mais gente boa que se intoxica com a fumaça expelida por gente que sabe o que faz. Bolsonaro é isto: um falastrão, um ato falho ambulante, uma hiena papuda que mente na vírgula e no pingo do i – e que, assim, engana as pessoas.
Ora, gente, não precisamos de covardes como o Bolsonaro. Somos muito mais, somos fortes e filhos de gente forte; não precisamos de uma arma para demonstrar essa força. A gente sabe que não adianta olhar para o céu com muita fé e pouca luta. Mas não serão com rédeas que deixaremos de ser saco de pancada. Ou seja, não é seguindo desesperadamente gente como o Bolsonaro que vamos fazer deste país um lugar melhor para se viver. É você, o que se consumou chamar de “povo”, que na mudança do presente moldará o futuro.
Eu também estou com a cabeça já pelas tabelas de tanto levar porrada, mas não é legítimo que a crise de representação seja justificava para a adesão à movimentos que, muitas vezes, beiram o fascismo, como é o caso do Bolsonaro. E se trata de um grande movimento oportunista os fascistas e a extrema-direita se aproveitarem da dor das pessoas para aparelha-las em nome de um futuro que será muito pior do que o presente. Hitler foi assim também: vendia uma Alemanha gloriosa, e olha no que deu.
Não queremos viver em mundo pautado pela devoção a um líder forte e pela ênfase em ultranacionalismo, etnocentrismo, militarismo e contra os Direitos Humanos. Não estamos satisfeitos com a sociedade atual; e muitos companheiros têm sido assassinados pelos antagonismos sociais e por seus posicionamentos. Mas, ao mesmo tempo, sabemos que a via fascista não é o caminho. Por tudo isso e muito mais nos manifestamos contra Bolsonaro, entre outros oportunistas de plantão.
Não precisamos de covardes como esses caras. Tem gente boa espalhada por esse Brasil; somos nós, que não ficamos de frente para o mar, de costas para tudo, que faremos deste lugar um bom país!
É isso! Respirem um pouco, raciocinem um pouco, antes de sair seguindo malucos. Enquanto eles se batem, dê um rolê e você vai se dar conta de que não é exalando morte e se banhando em ódio que vamos sair da fossa.
Mas, se depois de tudo o que foi dito, você ainda quiser me atirar, mate-me logo. À tarde, às três, tenho um compromisso e não posso faltar por causa de vocês.
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