*“Quero saber como se vê o mundo
Me esqueci de sua forma
De sua boca insaciável
De suas mãos destruidoras
Me esqueci da noite e do dia
Me esqueci das ruas percorridas
(…)
E estou, apesar de tudo isso
Apesar de não acreditar
Estou juntando algumas palavras
Algumas infiéis palavras
Que me deixem lembrar
Como poderia ver o mundo”
O poema de Ana María Ponce deu início à exposição “¡Ni olvido, ni perdón!” (“nem esquecimento, nem perdão”, em espanhol) na noite da quinta-feira, dia 13/9. Organizada pelo projeto de extensão Lente Quente em parceira com o Centro Europeu e com apoio da produtora cultural Mano a Mano Projetos, a exposição traz 30 quadros do fotógrafo Tui Guedes, que durante três anos registrou as manifestações na Argentina em memória dos desaparecidos políticos durante a ditadura militar do país vizinho, de 1976 a 1983. Guedes é brasileiro, mas radicado há 10 anos em Córdoba, no norte argentino, e buscou preservar a memória dos parentes dos desaparecidos. Segundo Schirley Brito, diretora executiva da exposição e da Mano a Mano, a intenção da mostra é a documentação e um pouco de história do ‘não esquecer da Argentina’. “O povo argentino conseguiu não se reduzir apenas à dor que se sente, mas ganhou força para que a história pudesse contar coisas melhores das que a gente já viu. Em função disso, eles criaram centros de memória para não esquecer o que aconteceu”, aponta.
Para Júnior Leônidas, coordenador do curso de fotografia do Centro Europeu, a exposição traz o conhecimento de uma cultura não tão diferente da brasileira. “Apresentar a exposição não só pros alunos, mas para todo mundo que participa de um evento como esse, é muito importante. Essa troca de informações, adquirir cultura de lugares não tão diferentes da gente, é de extrema importância”, frisa.
O jornalista Rafael Schoenherr, professor universitário e coordenador do projeto Lente Quente, conta que é imprescindível abrir o leque de parcerias para aumentar as ações do grupo. “É a primeira vez que a gente tem a oportunidade de expandir a ação do projeto para uma parceria internacional e isso abre possibilidade de novas interações, tanto de lá pra cá, quanto daqui pra lá”, diz.
Trazer ao Brasil uma exposição que mostra que na Argentina a população cobra do governo o paradeiro dos desaparecidos mostra que, aqui no aqui no Brasil, ainda existe um medo de se conversar e debater sobre isso. “A gente ainda sente que tem que romper uma membrana de silêncio sobre esse tema mesmo passado tanto tempo, mas prova que mesmo o contexto vindo de outro país, nos une por uma realidade latino-americana e que ainda precisa de visibilidade”, argumenta Schoenherr. O fotógrafo Tui Guedes não pôde estar presente na cerimônia, mas mandou um recado aos ouvintes por meio de um vídeo exibido na abertura. Na mensagem, ele afirmou que todos têm o direito e o dever de manifestar-se.
Para o jornalista André Bida, a exposição traz um valor cultural muito grande, já que vivemos no Brasil um período de desvalorização da cultura e da arte. “Vemos queimar literalmente nossa história, como é o caso do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Na Argentina, que está ao nosso lado, revela-se a preocupação do governo e a consciência de manter salva essa memória, por mais cruel e triste que tenha sido na época”, relata.
“¡Ni olvido, ni perdón!” apresenta 30 quadros de fotografia, vídeos e também alguns materiais impressos como livros e também folhetos. Antes de chegar ao Brasil, a exposição passou pela curadoria de Ana Gerchunoff, diretora de imprensa do Ministério de Justiça e Direitos Humanos da Província de Cŕodoba. “Estamos trabalhando com uma exposição que já tem uma curadora, e temos que respeitar o olhar dessa curadoria profissional que já selecionou as fotos. Elas não têm legendas, nem uma organização prévia e isso foi um aprendizado em termos de narrativa e de conjunto fotográfico. É diferente de montar a própria exposição” comenta Schoenherr.
O Lente Quente pretende ainda levar a exposição a colégios de Ponta Grossa a fim de apresentar aos estudantes o olhar das manifestações argentinas. “Temos que mudar a narrativa para poder debater com os estudantes”, finaliza Schoenherr.
A exposição “¡Ni olvido, ni perdón!” fica disponível no Centro Europeu até o dia 27 de setembro.
*Tradução livre de Lucas Cabral.
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