Quando tinha apenas sete anos de idade, Carlos Pepe costumava assistir às partidas do time que representava o bairro no cenário amador do futebol local. Nascido e criado por entre as ruas de terra da Santa Maria, o garoto sonhava alto com a bola nos pés. A vida parecia mais leve a cada chute, a cada dividida e a cada drible.
O destino quis que Pepe trilhasse seus primeiros passos no mundo da bola de um jeito um pouco diferente. Foi em um dos jogos da Santa Maria que o goleiro titular entregou a ele a camiseta número um, após uma partida memorável diante de todo o bairro. Para Carlos, era como se o uniforme desgastado fosse um verdadeiro manto que carregava todo o peso de uma história. A partir daquele momento, o menino tinha uma missão a honrar. “A partir daquele dia, eu soube que queria ser goleiro”.
A primeira chance
A mesma criança que mantinha os olhos fixos em toda e qualquer partida de futebol, cresceu. Conforme os anos avançavam, aumentava a habilidade debaixo das traves e também as responsabilidades. O tempo passou. Carlos começou a trabalhar como metalúrgico aos 19 anos, profissão que o acompanha até hoje. Casou-se aos 24 e hoje é pai de duas filhas. Os amigos que antes desbravavam os campinhos da cidade ao seu lado, aos poucos se distanciaram daquilo que amavam e, consequentemente, de sua essência. A família, o trabalho e as obrigações. Pepe seguia o caminho contrário.
Por amor ou por loucura, o jovem nunca abandonou seu ideal. Proteger a baliza se tornara um vício. Continuava treinando os reflexos em arenas de várzea da região. Era como se esperasse um momento, um único momento que talvez nunca chegasse. O sonho de Pepe ia além da glória. Configurava-se paixão, que aumentava cada vez que a bola tocava suas antigas luvas suadas. “Foi em um desses bate-bolas que o Vila Velha me recrutou”.
Rumo ao início de mais uma temporada da Liga de Futebol Amador de Ponta Grossa, a modesta equipe do Vila Velha buscava reforços para a competição. Com desfalques importantes no setor defensivo, o time comandado pelo técnico Acir Portela viu no arqueiro de 37 anos, uma esperança. A experiência de Pepe seria importante em um elenco recheado de jovens atletas. Com um reflexo absurdo e soberania na saída do gol, não demorou muito para que Carlos ganhasse espaço na equipe. “Era meu primeiro ano disputando o campeonato amador. Por conta do trabalho na metalúrgica, nunca havia tido oportunidade”.
Os alviverdes haviam caído no grupo mais difícil da competição. Ypiranga, América e União Campo Alegre possuíam maior investimento e se classificaram de maneira tranquila. O sistema defensivo do Vila Velha custava a se ajustar. O time perdeu pontos importantes contra o Palmeiras, adversário direto na briga pelo 4º lugar do grupo. No entanto, o time de Pepe avançou às quartas de final com nove pontos somados após vencer o Galdinos por 3 a 1. A equipe possuía a pior campanha dentre os oito classificados.
Os primeiros milagres de Carlos já haviam aparecido em alguns momentos chave da primeira fase do certame. O arqueiro demonstrava segurança e frieza, que aos poucos parece ter sido transmitida para o restante dos jogadores. Parte da missão estava cumprida. O Vila Velha tinha nos pés a chance de fazer história, mas para isso teria de eliminar o líder do grupo A. “A partida de volta contra o Unibox, quando seguramos o resultado debaixo de muita chuva, foi o jogo mais marcante da temporada para mim. Eles eram amplamente favoritos”.
O primeiro duelo entre as duas equipes foi, talvez, a melhor partida alviverde em todo o campeonato. A vitória por 3 a 1 no Estádio do Bambu, casa do Vila, foi convincente e jogou toda a responsabilidade para o Unibox, que teria de vencer por três gols de diferença para garantir a classificação. Era possível sonhar de novo. Parte desse sonho passaria pelos punhos cerrados de Pepe.
Com o elenco reforçado, os mandantes pressionaram o Vila Velha desde os primeiros minutos. Em um gramado escorregadio por conta da forte chuva, o goleiro deveria estar atento a toda e qualquer mudança de direção da bola. Não parecia problema para Pepe. O defensor fez pelo menos nove defesas difíceis naquela manhã de domingo, incluindo finalizações a queima-roupa e de longa distância. Carlos freou um dos melhores ataques do campeonato. Auxiliado pelo consolidado sistema defensivo montado por Acir Portela e impulsionado por contra-ataques em velocidade, o Vila arrancou o empate em 1 a 1 naquela partida e avançou às semifinais pela primeira vez na história.
Ao fim do jogo, os companheiros de equipe enalteceram Pepe em uma comemoração digna de título. Aquele jovem arqueiro que um dia recebeu a missão de proteger a baliza a todo o custo, agora potencializava o sonho da glória máxima do futebol amador local. O desafio nas semifinais era diante do Ypiranga, equipe tradicional da cidade de Palmeira. Derrubar mais um gigante seria necessário.
Os alvirrubros tinha uma campanha quase impecável na competição, fruto de um excelente trabalho da comissão técnica. No entanto, era necessário mais do que treinos incessantes para vencer a barreira intransponível que havia se erguido em frente ao gol do Vila Velha. O empate em 0 a 0 no estádio do Bambu levou a decisão para a casa do Ypiranga. O segundo jogo era imprevisível. Atletas do Vila alugaram um micro-ônibus para a viagem até Palmeira. Era um feito inédito na história do clube.
O fim do conto de fadas e o recomeço
Logo nos primeiros minutos de jogo, os alviverdes abriram o placar em falha defensiva adversária. O grito de gol dos torcedores da casa ficava entalado a cada milagre de Carlos Pepe. Foram necessárias três defesas de puro reflexo para que todo o estádio permanecesse em silêncio por alguns segundos. As estatísticas e os números, por muito tempo, não expressavam o que se via em campo. O Vila Velha lutava para se manter vivo diante da forte pressão do Ypiranga. Nem tudo são flores, o empate veio ainda no fim do primeiro tempo. Foi necessário um gol contra do zagueiro para que o sonho alviverde começasse a cair por terra.
Precisando marcar, a equipe de Carlos Pepe deixava espaços na defesa conforme avançava para o campo de ataque. O terceiro gol foi questão de tempo. Sob o comando do experiente goleiro, os visitantes diminuíram a vantagem. Era tarde demais. A equipe do Vila Velha não conseguiu dar sequência ao conto de fadas, que chegara ao fim de maneira melancólica. Pepe, que tanto sonhava em desbravar os campos de várzea, foi peça chave da construção de um sonho. “O futuro está em aberto. Adoraria ficar no Vila Velha, foi o clube que acreditou em mim desde o início. Recebi várias propostas ao fim do campeonato”. Atualmente, Pepe está emprestado para a equipe do Ypiranga, onde se prepara para a disputa da Liga Campolarguense de Futebol Amador. “Acredito que essa experiência em outro clube pode me fazer evoluir. Sei que posso e preciso evoluir muito”. Se o futebol amador produz heróis, sem dúvida Carlos Pepe foi um deles nesta temporada.
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