Por Hellen Caroline Scheidt
Imbituva já foi subordinada à cidade de Ponta Grossa no século XVIII, na época, era denominada de Santo Antônio de Imbituva. Em 1881, os dois municípios foram desmembrados e a região mudou sua categoria para vila. O status de cidade veio apenas em 1910 e, dezenove anos depois, perdeu a denominação religiosa e passou a se chamar apenas Imbituva.
Ponta Grossa e Imbituva são cidades com poucas características socioeconômicas em comum. A diferença mais fácil de se observar é o tamanho e, consequentemente, o número de habitantes. A primeira possui 348 mil pessoas morando na cidade, segundo estimativas do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano de 2018. Imbituva tem dez vezes menos, 30 mil habitantes segundo censo do IBGE de 2013. Mas por acaso, duas ruas são paralelamente semelhantes nas duas cidades. Em ambas, a Rua Sete de Setembro é paralela à Rua Santos Dumont, e a coincidência ocorre a 62 km de distância. Em Imbituva, entre essas duas ruas, fica o Colégio Estadual Santo Antônio onde Mariza Bittencourt Gomes trabalha desde 1981.
Nos 38 anos que atua no Colégio, foi professora, diretora e, atualmente, é pedagoga na instituição. Natural do município de Rebouças, que fica a 50 km de distância de Imbituva, Mariza nasceu no mesmo ano que o Colégio foi construído. Em 1912, um edifício foi construído na mesma avenida, mas em outro terreno, para abrigar a escola na época chamada de Escola Dr. Franco Vale, que ofertava apenas ensino primário. Em 1951, o prédio foi construído no local onde a instituição funciona desde então, foi necessária a ampliação para um edifício maior porque a escola passou a ofertar ensino primário e secundário. Em 1980, por meio de um decreto estadual, a instituição passou a ser denominada Colégio Estadual Santo Antônio, oferecendo de 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental e o Ensino Médio.
Mariza nasceu em 22 de novembro de 1951, mas só se mudou para Imbituva 24 anos depois, quando se casou em 1975. Quando estava terminando seus estudos, em 1969, fez os dois cursos profissionalizantes ofertados na época, Contabilidade e Magistério. Por também ter realizado o curso de Contabilidade, trabalhou por um curto período de tempo em um banco, mas ciente de que se identificava mais com o trabalho de professora, fez concurso público para trabalhar na área.
Mariza Bittencourt Gomes em frente ao Colégio Estadual Santo Antônio, em Imbituva. | Foto: Hellen Scheidt
“Ser alfabetizadora marca e fica na vida das pessoas”. Em 1979, passou em um concurso para trabalhar em Guamiranga, quando o município ainda era um distrito de Imbituva (apenas em 1995 Guamiranga foi desmembrado de Imbituva e elevado à categoria de município). Foi seu primeiro emprego como professora de 1ª a 4ª séries, trabalhou por alguns meses lá e, em 1881, foi aprovada em um concurso para trabalhar no Colégio Estadual Santo Antônio. “Achava bem estressante a dificuldade de aprendizado, mas muito gratificante ver a transformação da criança. A alfabetização demora, o primeiro semestre parece que ninguém está aprendendo nada, mas quando ‘despertam’ é muito bonito de ver”.
Ela lembra que deu aula para a mesma turma que tinha alfabetizado alguns anos mais tarde e notou a mudança que causou na vida dos alunos. “Esses dias encontrei uma foto, eu de guarda pó ali na área com uma turminha de alunos. Era a turma de uma moça que trabalha na farmácia. E levei a foto para ela ver. Ela estava tentando lembrar o nome dos colegas, porque marca um ano inteiro juntos”, recorda com carinho.
Após trabalhar como professora por sete anos no Colégio, se tornou diretora. Atuou entre os anos de 1988 a 1993 e de 1995 a 2002 (e mais alguns anos como diretora suplente). Recorda que o trabalho na direção do Colégio não terminava ao fim do expediente e que sempre possuía algo para resolver fora do horário de serviço. Em 1995, se formou em Pedagogia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa e passou a atuar na área quando seu mandato terminou.
Seus três filhos estudaram no Colégio enquanto era diretora. Nenhum deles quis fazer Magistério na época que estavam no Ensino Médio. Mas seu filho mais novo, Carlos Eduardo Bittencourt, alguns anos depois se formou professor de Artes e voltou para a instituição como docente, desde 2016 é diretor do Colégio. Como mãe, ela acha gratificante ver o filho exercendo o mesmo cargo que ela já ocupou anos atrás. “Ele gostava de me ver como diretora. Geralmente os filhos não querem ter a profissão dos pais”. Mariza lembra com orgulho que, quando o filho ainda era estudante no Colégio, dava ideias de coisas que queria ver diferente no lugar.
Mariza é a funcionária efetiva que trabalha há mais tempo no Colégio. Após 40 anos dedicados à área da educação, ela consegue perceber como o Colégio faz parte da história da cidade e das famílias, com o passar dos anos muitas gerações estudaram na instituição. “Muitos pais vêm assinar o boletim dos filhos e dizem: quando eu estudei aqui, a senhora era diretora”. Em Imbituva, é o único colégio de ensino público que possui ensino médio. Por esse motivo, a maioria dos jovens da cidade passa por ele. “De manhã tem mais de 600 jovens estudando no Colégio, é a juventude de Imbituva inteira aqui”. Na parte da manhã, há duas turmas de Ensino Fundamental e 16 de Ensino Médio e à noite, 11 turmas de Ensino Médio. Como pedagoga, Mariza trabalha no turno matutino e noturno e atende cerca de 900 alunos todos os dias.
Ela observa que a principal diferença entre os turnos está na idade dos alunos. “À noite a maioria dos alunos são adultos e trabalham, chegam cansados no Colégio, mas têm muita vontade de terminar os estudos”. E percebe que, embora muitos busquem terminar o Ensino Médio, em Imbituva a maioria não pensa em fazer faculdade, devido às despesas de deslocamento, os jovens que possuem condições econômicas buscam realizar o Ensino Superior em Ponta Grossa ou Irati, que são as cidades mais próximas que possuem faculdade. Em Imbituva, a única oferta de curso superior existente são os cursos particulares à distância.
“Com o passar dos anos mudou bastante a quantidade de alunos”. Quando começou a trabalhar no Colégio, ele ofertava as séries iniciais (pré-escola), da 1ª a 4ª séries e cursos profissionalizantes, com cerca de 35 alunos por turma. Alguns anos depois, a instituição abriu três turmas de Ensino Médio, atendendo em período matutino e vespertino. Atualmente, o Colégio conta com cerca de 1.500 alunos, somando os três turnos. Ela observa que a demanda de alunos só aumenta. “Só não tem mais turmas porque não tem salas de aula”. Recorda que nas duas gestões como diretora, ainda antes dos anos 2000, foi necessária a construção de mais seis salas de aula, dois banheiros e um laboratório. Mariza percebeu o aumento da procura após a década de 80, quando o estudo passou a ser obrigatório no Brasil. “Mas muitos ainda não veem como necessário e fazem apenas até o ensino médio”.
Ela identifica que há uma contraposição, muitos pais estão valorizando o papel da educação e fazendo com que seus filhos vão para a escola. Mas, segundo ela, também existem responsáveis que não acompanham a vida escolar dos jovens e não reconhecem a importância da educação. “Os pais dos alunos estão vendo um caminho através do estudo. A escola contribui bastante para a melhoria dos jovens, para construir um futuro que tenham condições de exercer um trabalho com uma boa formação”. Para Mariza, além do aprendizado formal, o Colégio também é um espaço de compartilhar vivências. “O mundo hoje precisa que as pessoas saibam conviver. Não apenas se preocupar em aprender uma profissão, mas também que cidadão ele vai ser”.
Ela reconhece que com o passar dos anos a construção de muros também foi necessária. “A violência invadiu todos os espaços”. Até os anos 90 os muros do Colégio eram baixos, mas a partir desse momento foi preciso deixá-los mais altos para garantir a segurança dos alunos e dos servidores do local. “O trabalho pedagógico também ficou mais difícil”. Ela sente que os estudantes mais jovens têm mais dificuldade em aceitar suas instruções e aconselhamentos como pedagoga.
Ao ser questionada se depois de se aposentar pretende continuar trabalhando, a resposta é direta: “Não, só passear”, responde em tom humorado. “Como professora você tem contato com as turmas, tem bastante trabalho. Por isso tem que ter mais valorização do professor. É uma profissão desgastante”. Mariza finaliza ressaltando a necessidade da aposentadoria especial para os professores. Desde 1881, a atividade de professor deixou de ser considerada como especial e passou a ser um benefício por tempo de contribuição (25 anos para as mulheres e 30 para os homens), não mais classificada como uma aposentadoria especial.
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