Maria Helena Gonçalves Pinheiro nasceu no dia 13 de outubro de 1957, em Lajeado Seco, zona rural que fica aproximadamente a 30 km da cidade de Ortigueira/PR, o município mais próximo da região. “Dona Lena”, como é conhecida, morou no sítio com seus pais até os 21 anos de idade, quando resolveu se mudar para Ponta Grossa/PR e tentar uma nova vida na cidade. Após um período de difícil adaptação no novo lugar, Dona Lena viu nos estudos e no trabalho uma forma de seguir em busca de seus sonhos. Sonhos esses realizados ao longo dos seus 61 anos e outros que ainda deseja alcançar. A rotina de trabalho de Dona Lena se mistura com a de diversos estudantes, professores e funcionários todas as quintas-feiras, quando ela e seu companheiro Joaquim participam da feira que acontece no Campus Central da UEPG.
VIDA NO CAMPO
Dona Lena viveu toda a infância com seus pais e a irmã mais nova no sítio onde nasceu. Era a segunda filha do casal, que perdeu dois filhos ainda bebês por conta de falta de vacinas e medicamentos para tratamento. Dona Lena conta que não era possível chegar medicamentos até o local e que não havia possibilidade na época de seus pais irem para a cidade em busca de tratamento médico, que só tinha em Ponta Grossa. Ela e a irmã frequentaram a escola até a quarta série pela falta de oportunidade. As professoras eram as próprias moradoras do bairro e a sala de aula era na casa de uma tia. Sem água tratada, a nascente do rio era o lugar onde as famílias da região pegavam água para o consumo e os afazeres domésticos. Dona Lena relata a coletividade entre todos os moradores, segundo ela, eles trocavam alimentos das plantações e a carne era sempre dividida entre todos.
Dona Lena casou com seu Joaquim aos 18 anos de idade e, aos 19, engravidou de seu primeiro filho, chamado Gerson. Quando ele completou um ano e oito meses, o casal resolveu se mudar, pois a falta de recursos no sítio podia comprometer a saúde do filho. Dona Lena alega que a vontade de ficar no sítio era maior, pois gostava da vida que levava.
DO CAMPO À “CIDADE GRANDE”
“Quando eu vim embora pra cá eu me assustei. Eu não sabia que tinha gente dormindo na rua. Eu não sabia que tudo era pago”, relata. Dona Lena não gostou do que viu na cidade quando chegou e a pobreza das pessoas era o que mais chamava a atenção. Menciona que no sítio havia pobreza, mas que ninguém passava fome, pois todos ajudavam. Dona Lena e seu Joaquim tiveram ainda mais um filho, desta vez, uma menina, chamada Márcia. A vida na cidade não era nada fácil para o casal e os dois filhos. A casa em que passaram a morar não tinha água encanada e isso prejudicava a saúde de todos. Ela tinha vontade de voltar para o sítio, mas o emprego do esposo e a oportunidade que poderia dar para os filhos na cidade a fizeram aceitar a nova vida.
Dona Lena procurou emprego em diversos lugares na cidade, mas disse que desistiu, pois não foi aceita em nenhum lugar. Ela conta que ia às empresas e preenchia as fichas quando tinha vagas disponíveis. “Nunca ninguém me chamou, porque eu não tinha experiência”. Dona Lena permaneceu dez anos cuidando da casa enquanto seu Joaquim trabalhava em uma indústria da cidade. Como sempre gostou de cozinhar, menciona que seu sonho era trabalhar de cozinheira ou ajudante de cozinha, mas que nunca foi chamada. Dona Lena relata que perdeu sonhos ao chegar à cidade, pois não podia trabalhar. A situação começou a melhorar quando o casal conseguiu comprar uma casa própria. A nova casa da família, onde moram até hoje, fica no bairro Santa Luzia, foi depois da mudança que conseguiram água encanada e melhores condições de vida.
Para não ficar o tempo todo em casa, Dona Lena prestava alguns serviços de graça para os vizinhos, lavava roupas, limpava casas e até fazia salgadinhos para festa de aniversário quando eles compravam os ingredientes e pediam o favor. Nesse período desempregada, ela contava com a ajuda do esposo seu Joaquim para os gastos da casa. Ele passou por dois empregos na cidade, mas acabou sendo demitido dos dois. Dona Lena reconhece o esforço do marido, mas fala que nunca quis que somente ele sustentasse a casa. Sua maior vontade mesmo era poder trabalhar fora de casa e de alguma forma contribuir financeiramente com a família. O amor aos filhos e ao marido foi a força que a fez querer continuar em busca dos sonhos.
NOVAS OPORTUNIDADES
A nova vida de Dona Lena começou quando ela conheceu a Economia Solidária. Ao ver passar na TV uma reportagem sobre a feira solidária na Paróquia Bom Jesus de Ponta Grossa, ela preparou alguns artesanatos e alimentos e foi em busca de uma chance novamente. Dona Lena foi convidada para participar da reunião com as feirantes e foi aceita. “Nunca esqueço. O primeiro dia que eu fui [à feira] eu vendi 40 reais. Foi a maior alegria do mundo”, conta. Isso aconteceu há 15 anos e a realização do primeiro dia de trabalho a emociona até hoje.
O grupo era composto por 12 feirantes até que o pároco decidiu que não poderia mais disponibilizar o espaço para a Feira. Foi nesse momento que entrou o trabalho da Incubadora de Empreendimentos Solidários (IESol), um projeto de extensão da UEPG. Após dois anos de formação com a IESol, nasceu a Associação de Feirantes da Economia Solidária (AFESOL), em 2011. Dona Lena e mais seis feirantes formam a Associação até hoje. Seu Joaquim a ajuda na feira. Depois que ele perdeu o segundo emprego, passou a trabalhar com ela e essa parceria permanece até hoje.
Os dois fazem a massa dos alimentos juntos e no dia da feira ele ajuda nas vendas. Apesar de ser mais tímido que Dona Lena, Seu Joaquim também é conhecido no ambiente universitário. Dona Lena fala sobre trabalho coletivo na Associação e relata que nem sempre é fácil realizar trabalhos em conjunto. Mesmo após alguns desentendimentos, ao final todo mundo almoça junto e é isso o que importa.
Dona Lena voltou a estudar com 40 anos e completou o ensino médio na cidade. “Eu amei voltar a estudar, pois era meu sonho”, relata. A primeira nora de Dona Lena também não tinha o ensino médio completo e para incentivá-la Dona Lena não desistiu dos estudos e ambas terminaram juntas. Também começou estudar inglês na UEPG, mas relata a dificuldade em aprender outra língua.
Após tantos anos trabalhando como feirante, ainda sente certa discriminação nos ambientes em que trabalha. “Até aquele tempo [quando chegou à cidade] eu não sentia tanto. Sinto mais agora”, afirma. Na Universidade ainda há preconceito com o trabalho das feirantes, mas o ambiente também proporcionou muitas amizades e aprendizado. “Se eu já era independente, eu fiquei ainda mais. Eu aprendi sobre política, aprendi sobre defender meus direitos. Eu conheci outra vida”, afirma. Realizar o trabalho na Universidade também possibilitou a quebra de preconceitos enraizados em Dona Lena. Conviver com pessoas de culturas distintas e com outras formas de vida proporcionou um crescimento humano para ela. “No sítio a gente não conhecia muita coisa então tinha muito preconceito. Aqui eu aprendi a aceitar as pessoas do jeito que elas são”, completa.
SONHOS
Quando frequentou a escola no sítio, tinha o sonho de ser professora, mas pela dificuldade de continuar os estudos deixou esse sonho de lado. O sonho de ser cozinheira se transformou e ao invés de trabalhar numa escola, ela hoje trabalha na feira e se sente realizada com o que faz. Sua maior felicidade é poder trabalhar e ter a oportunidade de ajudar seus filhos e netos. A filha Márcia estuda Administração à distância na UEPG e o neto Guilherme, de 19 anos, faz Engenharia de Computação também na Universidade. É o motivo de maior orgulho de Dona Lena, que tinha como sonho também o estudo dos familiares.
Depois da Economia Solidária, alguns sonhos já foram realizados, mas Dona Lena ainda tem outros. A vontade de se aposentar também está presente. Se conseguir, ela pretende vender o trailer e continuar só fazendo artesanato. Mas por enquanto, cultiva outros sonhos. O atual é reformar a casa. “Eu só vou parar de sonhar quando eu morrer”, diz entusiasmada. Dona Lena tem quatro netos e fala com carinho da relação entre eles e da forma como tentar ajudar nos seus sonhos. “Eu quero que eles estudem e que os sonhos deles sejam mais fáceis do que meus”.
Produção realizada em parceria com a disciplina de Estudos da Comunicação e Cultura da 3° série do curso de bacharelado em Jornalismo sob a supervisão da professora Karina Janz Woitowicz.
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