Para quem ultrapassa os limites do Calçadão e avança para a Rua Fernandes Pinheiro, no sentido da Estação Saudade, é muito fácil se deparar com feirantes, cambistas e pessoas distribuindo panfletos publicitários. Esse fluxo de indivíduos trabalhando sob o sol já faz parte do cenário para muitos ponta-grossenses que passam diariamente por ali. Em frente à entrada lateral do Terminal Central de ônibus, a feira de artesanatos da Praça João Pessoa esconde entre seus quiosques de antiguidades, óculos de sol, carrinhos de espetinhos e produtos orgânicos, o número real de transações comerciais que acontecem de mão em mão.
Entre o vai e vem das pessoas segurando sacolas coloridas do Lojão do Keima e da 10 e 15, chama a atenção a figura estática das mulheres sentadas em caixotes de madeira – algumas sentadas nas suas próprias mochilas cheias de mercadoria – contando moedas ou equilibrando pares de caixas de cigarro entre os dedos. Em média, cinco a sete mulheres, que aparentam de 45 a 70 anos, rondam a área da Praça João Pessoa e demarcam seus próprios pontos de venda. Algumas buscam na sombra das árvores um local para se proteger do sol e da fiscalização. Outras já vêm preparadas com chapéus, óculos de sol e cadeiras de praia. Engana-se quem pensa que essas senhoras estão aproveitando o lazer da tarde para observar o movimento da rua. Creio que elas esperam sim ver o mar, mas um mar de gente, prováveis clientes, para que na primeira oportunidade possam oferecer: “Cigarro… Cigarro?”.
Tento puxar conversa com uma delas. Me aproximo de uma mulher que está de pé segurando um box de cigarro da marca Mill. Ela parece ser uma mulher jovem, aparenta ter entre 40 a 45 anos, sua pele é lisa e tem a cor quente como cacau, seu cabelo está preso por um rabo de cavalo e usa uma viseira rosa com desenhos em branco para proteger o rosto do sol. Aparenta ser vaidosa e enérgica, vestia roupas justas de academia e um tênis aparentemente confortável. “Boa tarde moça, você tem Pallermo aí?”, pergunto buscando a marca de cigarro de minha preferência. “Poxa fia”, responde a mulher com uma voz de lamento, “Pallermo eu não tenho mais”. Rapidamente ela abre uma das sacolas e remexe os box das mais variadas marcas de cigarros. “Tenho Mill, Classic e Eight. Esse último chegou de São Paulo”. Quando ela percebe meu descontentamento pela oferta das marcas, como uma ágil vendedora, ela pediu para que eu aguardasse um momento e gritou para a companheira que estava a aproximadamente 7 metros da nossa conversa. “Oh, Maria… Tem Pallermo aí?”. Maria, uma senhora não tão simpática quanto a moça que me atendeu, aparentava ter mais de 60 anos. Após olhar com estranheza para nós, respondeu com uma expressão fechada, como de quem é interrompida de um sono profundo. “Pallermo não tem já faz tempo…”
“Pode ser um Classic então”, retomo nossa conversa com uma nota de R$5 já em mãos. Eu aguardo o troco, mas logo ela explica que por conta das mudanças nas leis paraguaias, o cigarro estava mais caro. “Daqui a pouco vamos ter que vender cigarro brasileiro, quase não compensa mais porque o preço desses [paraguaios] subiu muito”, reclama a vendedora enquanto guarda o dinheiro na pochete presa à cintura.
Em 2018, o número de cigarros ilegais superou a quantidade de produtos vendidos legalmente no país. Esse dado foi constatado pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), e revela que no ano passado foram consumidos 106,2 bilhões de cigarros, dos quais 57,5 bilhões de unidades eram de cigarros contrabandeados, cerca de 54%. A maior parte dos cigarros contrabandeados que entra no Brasil é produzida no Paraguai. Lá, a tributação sobre os fabricantes é de 16%, muito menor do que os 80% cobrados no Brasil. A diferença na cobrança tributária garante aos produtos ilegais preços muito inferiores aos dos produtos legais, uma concorrência quase desleal que compete com a alta atratividade dos preços mais baixos, mas não pela qualidade.
Segundo pesquisa realizada em 2013 pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), foram encontrados insetos, areia, terra, pelos, coliformes fecais, plásticos e fungos em cinco marcas de cigarros frequentemente contrabandeadas para o Brasil. Além disso, em 65% das marcas pesquisadas, foram observadas elevadas concentrações de elementos químicos como níquel, cádmio, cromo e chumbo e o dobro da concentração média de arsênio encontrado em cigarros nacionais.
Eu pego o cigarro com uma das mãos e com a outra acendo o isqueiro. Fumo um Classic enquanto espero, do lado de fora do Terminal, meu ônibus chegar na plataforma Palmeirinha. Aproveito o tempo do cigarro para jogar conversa fora. A moça que havia me vendido o cigarro se chama Suzane, tem 43 anos, está desempregada há cinco e faz bicos para ajudar nas contas de casa. “Lá em casa, meu marido e meu filho mais velho ajudam nas contas. Eu sei que é errado o que eu estou fazendo, mas é ainda mais errado deixar as minhas duas [filhas] mais novas passar fome”.
Ela puxa o celular e mostra a foto das filhas Cristiane de 12, e Ágatha de 7. “São os meus tesouros, elas e o Érik [17 anos]”, mostrando o largo sorriso de mãe orgulhosa. “Eu quero que elas estudem, arrumem um emprego com carteira assinada, não quero que elas tenham que passar pelas dificuldades que eu e meu marido enfrentamos todo dia”.
Antes mesmo de eu pensar em alguma outra pergunta, vejo de longe meu ônibus entrar no Terminal. Eu apago o cigarro e agradeço a Suzane pela conversa. Ela agradece com um sorriso e volta a sentar na sua caixa de madeira.
Nenhum comentário