Além do apoio e torcida pela seleção brasileira de futebol, os brasileiros e brasileiras são, em geral, pouco patriotas. Embora sejamos filhos e filhas deste solo tão gentil que sustenta uma das maiores biodiversidades do planeta e uma riqueza cultural sem igual, em muitos momentos históricos permanecemos deitados nos berços esplêndidos da passividade. Se continuarmos assim, o Brasil não será nunca o fulguroso florão na América do Sul iluminado ao sol de um admirável mundo novo. Ao invés disso, será uma tocha apagada pela atmosfera poluída, carregada de cinzas provindas das queimadas de matas e florestas que ofuscam toda e qualquer possibilidade de contemplar a beleza que uma vez foi a nossa flora e a nossa fauna.
A nossa terra garrida com uma frequência cada vez maior testemunha angustiada o aniquilamento de seus campos, flores e bosques, que a cada dia são extirpados de seus solos, massacrados e afogados em agrotóxicos e metais pesados; ou ainda desarraigados de margens e fundos de águas plácidas que se transmutam em barragens e rios cada vez mais poluídos sob um ar cada vez mais quente e seco. Tudo isso em detrimento da cobiça, da ganância, da ignorância e de embates políticos de uma velha política, há muito caquética e esclerosada, atrasada e falida. A flâmula que deveria iluminar e sustentar os verdes-louros das paisagens, parece, por um lado, que se transformou em titânicas labaredas que fulminam florestas e animais via incêndios criminosos; e por outro, a vencida flâmula se apaga paulatinamente frente aos movimentos da clava forte da justiça brasileira – que age para favorecer grileiros e mineradores, mantendo assim a ordem para o povo e o progresso para a burguesia.
Esta senhora justiça, aliás, se tem venda nos olhos, no contexto socioambiental brasileiro parece ser somente para fazer vista grossa para que o futuro não espelhe qualquer paz ou grandeza, e que o passado não nos inspire qualquer orgulho ou glória. Nesse instante histórico, assim como em muitos do passado brasileiro, os raios fúlgidos do sol parecem eclipsados pelo penhor da desigualdade social e de energúmenas gestões ministeriais. O nosso braço forte já está raquítico de tanto nos defendermos de governantes inescrupulosos e boçais que transformam um intenso sonho coletivo em um pesadelo. Aqui no país, as declarações de amor e de esperança nunca descem realmente à terra, à realidade, mas estende-se em promessas não cumpridas sob um céu cada vez mais poluído e menos formoso e límpido.
Somos uma nação populosa e de extensões geográficas colossais, de fato gigantes pela própria natureza. E por isso devemos, como cidadãos e cidadãs, sermos mais fortes para que o nosso futuro ainda espelhe a grandiosa biodiversidade de nosso país. Mais impávidos e menos indiferentes à diversidade de vida em nossos domínios territoriais para que elas não sejam nunca sacrificadas por absurdos políticos e por decisões mal tomadas. O nosso grito por justiça e ética deve ecoar pelo Brasil para darmos voz à sua majestosa biodiversidade. A sociedade pós-covid19 deve aprender de uma vez por todas que a nossa maior riqueza, a biológica, deve ser a principal moeda para os modelos de progresso sustentáveis que surgem no novo milênio. Ações lúcidas e científicas para evitar novas pandemias, por exemplo, só se concretizam com a manutenção e conservação dos serviços e funções ecossistêmicas dos ambientes naturais. E para despertar novos vislumbres de conhecimento sobre nossa biodiversidade, devemos transcender a densa dimensão de decepção, da degradação e da corrupção, para que possamos conservá-la sob a luz da ética e da razão, mas também com o coração. Somente assim podemos fazer com que sejam belos, preservados e luminosos os nossos sonhos de nação.
Rodrigo de Mello – Biólogo licenciado e mestre em Ciências Ambientais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), doutor em Ecologia e Evolução pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Além da profissão, se interessa por literatura, música e artes visuais – e a fotografia tem sido um hobby prazeroso cultivado nos últimos anos. Atualmente é professor colaborador no Departamento de Biologia Geral da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), onde ministra disciplinas de Ecologia e Educação Ambiental.
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