Lima Barreto, por quê me encara?

Do lado direito da mesa um livro sobre o escritor Lima Barreto descansa de forma horizontal. Na capa, sua face ilustrada com tons terrosos, com tons de canela, com tons de azeitona. Possui cabelos labirínticos, olhos borocoxôs e pálpebras vexadas. Esse rosto tristonho, mas, amotinado: interroga-me. Como se tivesse um ralador engasgado na garganta e suas palavras não passassem do mais puro sangue misturado com parati. A pintura empalhada em uma capa, em um livro pousado na mesa de um casebre, em um bairro pobre no interior do Paraná, enquanto toca rap no celular, em pleno período pandêmico, convida-me a descamar-me, migrar-me, exilar-me, despossuir-me. É a leitura e literatura como alteridade radical, paradoxalmente, produzindo um reconhecimento comum. 

Para esse Ogum encarnado que alçava voos nos escombros da modernidade republicana; conjurando corpos febris, corpos dilatados por cassetetes policiais, corpos espremidos na ponta dos coturnos, corpos marcados pelo olhar colonizador, corpos vitimados pelas pandemias da época e obrigados violentamente a serem vacinados para protegerem a saúde dos ricos, corpos que constituem a Bruzundanga e constantemente são despejados. Mas, o nosso representante das quebradas da primeira República, possuía um meio para trabalhar a tristeza e, a partir dela, a feitura da sua resistência, ou seja: o meio literário. Mais especificamente, a literatura militante, como batizara com a tinta da caneta enquanto exercia sua função de amanuense. Para quem odiava o futebol, a literatura era o seu esporte de combate.

Enquanto ouço rap e leio as linhas do Lima, muitas frases se completam e expressam sentido. Em meio as suas linhas que pareceram forjadas por giletes e em meio às músicas do Criolo, Racionais Mc’s, Emicida e Eduardo Taddeo. Os corpos cantados são semelhantes. Os corpos que sofrem violência policial, que são marcados, que não tem acesso digno à saúde, são descritos de forma comum.

Trago a leitura, como o Lima tragara sua aguardente nalgum bar suburbano do Rio de Janeiro com seus companheiros de boêmia até esquecerem quem são. As mortes, as calamidades, os assassinatos, os desempregados, entristece-me e não posso fazer nada. Mas, de qualquer modo, parafraseando o escritor Marcelino Freire; “escrevo para me vingar”.

Juliano Lima Schualtz, 21 anos, acadêmico do curso licenciatura em História da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).


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