A participação de Juca Francisquini na construção da história do rádio em Ponta Grossa

Entrevista: Nadine Sansana 
Edição: Jessica Grossi e Matheus Gaston

A entrevista com Júlio César Moreira Francisquini foi realizada em junho de 2019, na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), pela estudante de graduação em Jornalismo da UEPG, Nadine Bianca Sansana, como parte da sua pesquisa de iniciação científica.

Francisquini nasceu em fevereiro de 1956 e iniciou seus trabalhos no rádio por volta de 1984. Transitou por diversas rádios de Ponta Grossa, atuando como locutor e comentarista esportivo. Atualmente, Juca Francisquini, como é conhecido, tem um programa de esportes na Rádio MZ. 

Poderia falar rapidamente da sua trajetória profissional, onde e quando começou a trabalhar?

Eu comecei um pouco tarde no rádio, comecei com quase 28 anos. Comecei por hobby, pra fazer aquilo que gostava. Eu tinha morado em Curitiba e voltei com uma bagagem cultural boa. Vivi intensamente a vida cultural de Curitiba e vim para Ponta Grossa. A minha entrada no rádio foi meio concomitante com a minha entrada na política estudantil. Aliás, eu só cheguei à política estudantil e obtive êxito eleitoral na política estudantil por causa do rádio. Se não fosse o rádio, não teria obtido êxito. Isso foi em 1984. Na antiga Rádio Vila Velha eu fazia um programa das dez à meia-noite que chamava Os mais doces bárbaros. A década de 1980 é uma década que foi invadida pela música americana. Não tocava música nacional; sertaneja então nem se ouvia falar. O que existia de sertanejo era mais aquele de raiz Tonico e Tinoco, mas em rádio AM. Em FM era vergonhoso tocar sertanejo, ninguém tocava. E era impressionante a quantidade de grandes ídolos internacionais como Madonna e Cyndi Lauper. As rádios FMs tocavam produtos importados, basicamente música americana. Era um domínio total das gravadoras sobre as rádios. Esse meu programa quebrou esse estigma, era um horário nobre das dez horas à meia-noite. Um horário que o pessoal chegava em casa e se tivesse uma boa opção no rádio, sintonizava e muita gente escutava. Foi um programa que eu foquei em música de qualidade mesmo. Foi uma época de ouro da MPB. Então, nessa minha programação musical, até por influência dos quatro anos que eu passei em Curitiba e acompanhei todas essas pessoas, eu voltei com uma energia danada de lá da capital. Fui para o rádio fazer o programa Os mais doces bárbaros e até o nome era bem diferente de qualquer outro programa. Procurei fazer um programa bem cultural e com músicas de muita qualidade: o que não era MPB, era jazz, era blues. Cheguei até mesmo a tocar música clássica. Toquei uma vez um bolero de Ravel, o que era uma ousadia porque era impossível, ninguém fazia isso. E nessa época a universidade era toda concentrada aqui, na Santos Andrade [Campus Central da Universidade Estadual de Ponta Grossa]. Não tinha o campus [de Uvaranas]. Então, você imagine o formigueiro que era isso: cinco mil alunos aqui. Por exemplo, o intervalo das dez horas você não via o chão de tanta gente que tinha, só via aquele aglomerado de pessoas. Eu vinha de manhã e conversava com os alunos e fui fazendo amizade e as pessoas me faziam pedidos de músicas, me mandavam bilhetinhos e toda sexta-feira eu fazia um especial do Caetano, do Gil, do Raul Seixas que foi o que deu maior repercussão. O pessoal se reunia para escutar esses especiais. Eles se reuniam, de repente tinha dez, 20 pessoas, compravam cerveja e ligavam o rádio. Não tinha tanta opção, era a época da fita cassete. Aliás, hoje, na cidade, se criasse um grupo pra resgatar, muita gente tem fita cassete gravada com o programa daquela época, porque o pessoal gravava e guardava. E graças a esse programa eu me tornei muito popular aqui dentro da universidade e acabei virando presidente do DCE [Diretório Central dos Estudantes] no ano seguinte. Ganhei a eleição com grupo independente. 

Depois eu dei uma parada, até porque me envolvi na política estudantil. Eu era professor, parei de dar aula, parei com o rádio, só para focar na política estudantil. Eu era professor de primeiro e segundo grau de Química, Física e Matemática. Dei aula no Positivo, no Sepam, no São Luiz, no Sant’Ana e parei. Retomei no rádio em 1989, mas daí já era uma coisa diferente. Aí eu fiz um programa chamado Brilho da noite, que também foi uma experiência legal. 

Depois fui embora daqui de Ponta Grossa, fui para Camboriú. Morei oito anos lá e, quando voltei, o Péricles me procurou, eu era muito amigo dele, amigo de infância. Ele me procurou e disse que faria um projeto com um espaço na rádio. E então comecei a fazer o radiojornalismo, na Rádio Nacional, ligado ao Péricles, com objetivo político. E acabou dando certo. Isso foi na Rádio Nacional, que agora é a CBN e que antes era a Vila Velha. Toda a minha história é ligada à 1300 [frequência da rádio CBN]. Começou com a Vila Velha, depois foi Rádio Nacional e depois foi CBN. O Péricles foi eleito prefeito e eu continuei com esse trabalho, sempre em horário nobre. Fui para a CBN, fui âncora no jornalismo da rádio CBN por duas vezes, em dois períodos distintos e daí eu entrei no jornalismo esportivo. Fui coordenador de equipe. Trabalhei em várias rádios: na Central, na Difusora, na Mundi e na MZ como coordenador de equipe esportiva. Só não trabalhei na Rádio T e na Sant’Ana. Eu foquei mais no esporte e hoje só trabalho com o esporte, faço jornalismo esportivo e radiojornalismo, hoje, na MZ. 

Poderia comentar sobre o que viu da história do rádio aqui na cidade?

A rádio sempre foi muito forte na política aqui de Ponta Grossa, ela influenciou. Se quer ser político, tem que ir para a rádio. Hoje o que é a rede social, era a rádio na época. Eu acho que até hoje, nesta próxima eleição a rádio vai ter uma influência muito grande. Porque o ponta-grossense ele acorda e liga o rádio, ele está fazendo o café da manhã e o rádio está ligado. O rádio é um companheiro e, ele [o ponta-grossense], se informa através do rádio, principalmente as pessoas mais humildes que ainda não criaram muita intimidade com a rede social, celulares, computadores, então é uma maneira mais simples e mais direta. E, às vezes, nem é porque eles não têm condição de partir para outros tipos de acesso de informação, mas é porque gostam daquele jeito, gostam de ter essa interação com o comunicador. E eles fizeram muitos comunicadores, na década de 1980 foi o Nilson de Oliveira, daí o Wosgrau trouxe um comunicador de fora, chamado Elio, pra tentar contrapor o poder que o Nilson tinha de influenciar o povo. Depois veio a década de 1990 e veio o Jocelito Canto. A década de 1990 foi a época que eu voltei e eu entrei no radiojornalismo, então eu só tinha que confrontar com o Jocelito Canto. Já era uma luta perdida e mesmo assim a gente fez um bom trabalho, mas é que todo o pessoal que estava junto com o Péricles, inclusive os eleitores, começaram a migrar. Então a rádio era o ponto de encontro dessas pessoas onde se falava o que queria ouvir. Mas mesmo assim a década de 1990 foi dominada pelo Jocelito Canto e na época de 2000 daí os meninos também através do rádio, que é o Marcelo Rangel e o Sandro Alex, conseguiram projeção. Quem furou isso foi o Rogério Sermann, que no máximo chegou a vereador, agora todos os outros… O Nilson de Oliveira muita gente fala que não foi prefeito porque não quis, porque na época de ouro dele, na década de 1980, se ele lançasse uma candidatura para prefeito ela teria dado certo. O rádio, aqui na nossa cidade, sempre foi um elemento que impulsionou comunicadores para a política.

Nas questões técnicas, de equipamento, quais eram as dificuldades que tinham quando começou a trabalhar no rádio? 

Quando a gente começou era época de “bolachão”, na época dos LPs, tinha que mixar. Os comerciais eram cartucheiras, que você tinha que montar colando fita com fita durex, era uma coisa assim bem artesanal. O LP se você passa por muitas mãos, daqui a pouco é risco, é gordura. Aí tem histórias de estar no ar e o disco rodando e dali a pouco começa a pular no mesmo lugar e tudo isso ia para o ar. Eu até tenho uma história que é muito engraçada. Eu comecei a trabalhar e estava me sentindo seguro em comunicar e operar e daí tinha um prato [para colocar o disco] ao lado do outro. Estava terminando uma música e ia começar outra [no outro disco] e daí tinha que fazer a mixagem, diminuindo o volume de um e aumentando o do outro, era uma coisa básica, mas a gente achava um máximo e na hora que abaixei um e aumentei o outro, fui tirar e acabei tirando a que estava no ar e ficou aquele silêncio. Mas agora tudo evoluiu, hoje praticamente é o computador que toca a rádio. Hoje se você tiver um cara bom no estúdio e ter uma boa voz, uma pessoa só, faz a rádio hoje. Falo isso porque eu trabalhei numa rádio que hoje basicamente nem tem funcionários… Tem ali no comercial, na recepção. 

Eu fiz na Nacional o Cidade ao vivo. O Cidade ao vivo migrou junto [da Rádio Nacional] para a Vila Velha e depois se transformou em Rede Rock, e eu fiquei como âncora. Fui para a CBN, fui para a Difusora, sempre em horário nobre e agora eu estou na MZ, também em horário nobre, mas agora só faço o esporte, não me envolvo com o resto.

Quando você ia transmitir as notícias, como eram feitas as apurações? As notícias eram lidas do impresso?

Ler do impresso ainda é muito forte, até hoje. Hoje ganhou o reforço da internet, até porque entra na ótica de redução de custo de fazer reportagem, de apurar, de ir buscar a notícia lá na fonte, daí se fica lendo jornal ou retransmitindo a notícia da internet. E é claro que entra naquele perfil, que ele só vai ler aquilo que agrada ele, o que ele acha que é certo. Por exemplo, nos dias de hoje, polarizada como está a coisa [a política], o cara fala só de uma coisa ou fala só de outra, depende daquilo que ele acha que é certo e fica passando isso para o ouvinte. Não existe mais aquela coisa de escutar os dois lados da história. Um exemplo claro disso é o vazamento da Intercept que poderia ser uma coisa que por ter uma repercussão mundial, aqui no Brasil os veículos que estão de um lado usam um discurso para defender, como se não houvesse acontecido nada demais. E, do outro lado, principalmente da mídia alternativa, nos blogs que revolucionaram o jornalismo hoje, se você for ver, tem gente que nem se informa mais pelos grandes veículos, alguns já estão chamando da velha imprensa. Hoje as pessoas se informam pelos blogs, o que também é uma coisa terrível porque a maioria dos blogs ou é de direita ou de esquerda e isso também não é jornalismo. Uma forma de driblar essa falta de estrutura era você ter uma equipe boa, então se você tinha alguém, ele ficava por editoria, em esportes, por exemplo, e o cara que ficou responsável ia atrás, buscava, fazia reportagem. Era difícil repórter de matérias gerais.

Posse de Juca Francisquini (primeiro plano) na presidência do DCE – UEPG, em 1984 |
Foto: Acervo de Negativos do CRAV/Museu Campos Gerais

Normalmente, a história do rádio de Ponta Grossa nem em jornais está registrada. São os próprios jornalistas que se empenham de alguma forma que consegue resgatar a história. Mas teve um radialista, o Aldo Mikaelli, que foi o único que escreveu e é riquíssimo, claro que ele foi dentro das preferências dele, das relações dele. Porque a história que a gente conta, a minha que estou contando pra você, ela passou pela minha lente e ela é contaminada pelos meus gostos, por aquilo que aconteceu na minha vida. No caso do Aldo também, mas é o cara que conseguiu. Ele faleceu e eu não sei o que feito com o material, porque ele tinha muita coisa gravada. Na década de 1980 tivemos o Nilson de Oliveira e claro que teve outras pessoas ali, mas ninguém teve o sucesso do Nilson de Oliveira. Ele foi impressionante, tanto no jornalismo de manhã, quanto a tarde com programa popular, de música popular, ele era muito forte. Mas na década de 1970 nós tivemos o Grande Jornal Falado HM que a cidade parava para escutar, mas era aquela coisa embolada, bem antiga mesmo. Era um pessoal muito influenciado pela Rádio Nacional, pelo sucesso da Rádio Nacional, Repórter Esso. Pra trabalhar na rádio tinha que ter um vozeirão. De um tempo pra cá, você ouve gente trabalhando no rádio que nem tem voz. E a gente tinha o famoso jornal falado HM na hora do almoço. Eu sei disso porque eu era adolescente, estudava no ginásio e almoçava na casa da minha tia, e era quase que uma coisa sagrada, as pessoas se reuniam para escutar. Foi quando surgiu aquela crônica Perfis da cidade, uma coisa bem careta, mas era a cabeça das pessoas da época. Nessa época a gente teve um cara que foi meio deus na cidade, no rádio, o chamado Barros Júnior, que era comentarista esportivo e que lia essas crônicas, uma voz linda. O filho do Guaraci Paranaviera que escrevia, tentou reeditar e colocar no rádio, mas não deu certo. Inclusive a CBN colocou, outras rádios colocaram, mas as pessoas mudaram, as famílias mudaram e ninguém gostou. Mas o rádio hoje acabou por virar um instrumento político, todas as emissoras estão em mãos de políticos, apesar de que a constituição proíbe isso, mas você vai no Brasil inteiro e, pra fazer uma legislação, aquela chamada regulação dos meios de comunicação, não passa nunca, porque todos os deputados são donos de rádio.

Na sua opinião, qual é a função social do rádio?

Eu acho que hoje o rádio não cumpre função social nenhuma. Ele cumpriria se informasse, se fizesse as coisas como tem que ser, se fizesse aquilo que vocês aprendem no curso de Jornalismo. Um exemplo de função social hoje do rádio seria estabelecer uma discussão ampla sobre a reforma da previdência e trazer todos os lados. Mas você não vê isso, o que se vê são campanhas a favor de uma proposta. E muitas confundem função social com fazer assistencialismo, que nada mais é do que exploração da população mais carente, das necessidades da população carente. Então eu acho que não cumpre função social nenhuma hoje.

Qual a diferença da participação do público de antes e de agora?

Antes, é claro, porque as pessoas não tinham acesso, as pessoas, às vezes, não tinham em casa nem um toca-disco, um toca-fita, não tinham nada. Então, as coisas, todas as informações, chegavam na casa delas pelo rádio, porque nem televisão tinham. Mas o envolvimento dos ouvintes era muito grande. Eu sei porque eu fazia programas, já mais dentro da área de assistencialismo, porque as pessoas começam a procurar e a pedir coisas e você se compadece. Não tinha nenhum interesse político, mas eu gostava de ajudar e tinha brindes. Conseguia os brindes no comércio e eu sorteava, e era só gente ligando. Se fosse WhatsApp seria uma loucura, mas na época era telefone, tinha quatro ramais. Eu saía lá do estúdio e ia para a recepção, tinha duas meninas trabalhando e você olhava as quatro linhas ocupadas. Era muita gente que deixava o nome só para concorrer a prêmios, pra você ver o nível de carência. Tinham prêmios melhores, mas eram prêmios simples. E a música sempre foi a paixão desse povo. Hoje eu vejo essas músicas sertanejas e me dá um desespero, mas isso já era visto que aconteceria. Eu só não imaginava que ia entrar na universidade com a força que entrou, porque na minha época de estudante, de líder estudantil, não entrava, só entrava MPB. Tanto é que o folk surgiu a partir disso, porque o universitário amava música popular brasileira. Era até fruto dos festivais da época e aqui dentro [da universidade] não tinha espaço para a música estrangeira, música sertaneja. Acho que a esquerda começou a perder a guerra, quando começou a perder a batalha cultural. 

Como que você percebeu a transição do AM para o FM? Como percebeu a aceitação dessa mudança tanto pelos profissionais do rádio como pelos ouvintes?

O AM estava sendo condenado, porque tinha rádio que não tinha mais AM, então era a questão da própria sobrevivência da rádio migrar para a frequência modulada. Se não fizesse, não iria mais ter quem escutasse. E o que a gente percebe é que muitas rádios entraram em um conflito porque migraram para a FM com cabeça de AM, daí não funcionou. Vejo aqueles que tentaram: a Difusora que saiu de uma programação bem popular, pra tentar ser uma programação de música classe A. Música boa, de qualidade. Mas a identificação da rádio era daquele tipo de música. E não funcionou. Poucas se adaptaram bem. Mas no meu entendimento, foi uma transição boa. Não adianta ter uma programação boa se o som estiver ruim. Rádio tem que ter som bom, limpo, de qualidade, senão não funciona e o tempo foi mostrando isso. Principalmente na narração esportiva, que você vai fazer uma transmissão fora, tanto é que antigamente se fazia por linha telefônica as transmissões esportivas, hoje já se criaram novas tecnologias, se faz pela internet, tem várias tecnologias que o cara está lá no Amazonas e o jogo está sendo transmitido aqui. Parece que o cara está no estúdio ali, por causa de tanta tecnologia que surgiu e a maioria via internet. A internet dá uma qualidade muito maior. 

A rádio continua sendo uma grande paixão. Conheci muita gente no rádio, as pessoas envelhecem fazendo rádio e estão com 70 anos com a mesma paixão, já não têm mais aquela energia física de quando tinha 30, mas é a mesma paixão. Muitos não conseguem acompanhar as mudanças e ficam com a mesma cabeça que tinham antes. Mas o rádio é uma coisa fantástica. É impressionante: você faz o programa e sai na rua ou está na fila do caixa do supermercado e recebe um feedback imediato dos ouvintes porque eles vêm falar com você. Você encontra quem escutou teu programa e ele já vem falar com você e, os ouvintes, de modo geral, são muitos carinhosos com os comunicadores. 


A série de entrevistas com profissionais que atuaram e atuam no rádio ponta-grossense é fruto do trabalho da estudante Nadine Sansana, orientada pelo professor Sérgio Gadini, pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Estadual de Ponta Grossa, vigente entre os anos de 2018 e 2019. Sob o título Memórias de vida e trabalho na mídia regional dos Campos Gerais do Paraná, o projeto contribui com o acervo memorialístico radiofônico da cidade, tendo em vista a ausência de arquivos, registros e documentos sobre a história do rádio em Ponta Grossa. 

 

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