“Esquadrão Suicida” (2021), abrangência dilatada transforma o filme em uma catarse sem bases, ou mesmo graça

Em 2016 “Esquadrão Suicida” de David Ayer entregou um filme que desde então se tornou uma das melhores ilustrações do que está errado com o modus operandi da Hollywood contemporânea. A divulgação investiu maciçamente nos trailers para criar expectativa no público alvo, o estúdio cerceou a edição tirando o controle da mão do diretor e o resultado foi uma obra remendada, apressada e caótica que era risível em sua ingenuidade e irritante na estética vazia.

Cinco anos depois, o diretor e roteirista James Gunn, da franquia da concorrência Guardiões da Galáxia, toma para si a tarefa de redimir o grupo de mercenários da DC comics. E mesmo sendo nitidamente distinta, a versão de Gunn soa irônica por cometer os mesmos erros da de Ayer, ainda que em escala menos embaraçosa, e por ser vítima de suas boas intenções de teto de vidro.

A trama acompanha o grupo de super-vilões trabalhando a contragosto para a radical e irredutível Amanda Waller (Vilola Davis) em uma missão de destruir uma base nazista sob o comando de um governo ditatorial latino de Colto-Maltese. Qualquer semelhança com “Predador” (1987) e “Os Mercenários” (2010), estrelado por Sylvester Stallone que dubla o tubarão Nanaue, é proposital.

Parte do que torna o novo filme da franquia tão decepcionante é o fato de que ao querer abraçar tantos tipos de narrativas, ele acaba sabotando seu tom e tornando tudo que tenta em um exercício bipolar de deboche e sentimentalismo barato. A raiz disso reside em digladio conceitual que já nasce na ideia governante, como definiria Robert Mackee. Ao se definir como uma sátira/homenagem ao cinema brucutu estadunidense e zombar da própria galhofa, o longa transforma em chacota toda a iconografia inerente ao gênero de super-heróis.

O que não seria um problema se essa fosse a única proposta do filme. Mas ela é traída quando, no terceiro ato, o filme pede para que reconsideremos o que ele mesmo construiu para que abracemos o sentimentalismo e assim legitimar a redenção de personagens que pouco se importam com isso ou demonstram carisma para tanto.

O resultado é um tom cacofônico que só torna tudo mais maçante conforme o roteiro progride com sua construção fraca, tanto de cenas, estrutura e ritmo mal alinhados. Gunn, outrora criativo na elaboração de dinâmicas que construíam cativantes personalidades de nas interações de seus supergrupos, agora se vê refém de interrupções no fluxo narrativo para dar momentos de pura exposição verbal preguiçosa. Algo que podia passar batido se não fosse tão recorrente.

Tal pobreza da construção narrativa também se entende para o humor do filme e para a própria direção. Poucas piadas são trabalhadas para surtir efeito e se limitam a comentários desbocados que soam embaraçosos pela verbalização sem sagacidade ou oportunismo. Já a direção acentua as falhas do script ao misturar ambição temática e violência desmedida, que aborrece pela falta de critério e com isso nos presenteia com cenas confusas e desconexas como a de Nananue vislumbrando um etéreo aquário, apenas para ser atacado posteriormente pelos coloridos peixes de lá.

Tal banalização da violência soa como uma marra narrativa que apenas deixa tudo mais antipático nos momentos de catarse e cínico nos que supostamente ela deveria ter algum impacto. Quando comparamos esse uso ao de uma das referências de Gunn, Quentin Tarantino, vemos na hora o que não funciona. O segundo nunca nos choca com explosões de selvageria sem tensionar o máximo que pode cada situação e assim dar estofo à catarse da violência.

A estética brucutu faz o discurso caótico do filme soar hipócrita e inválido. Expor o passado abjeto dos EUA na guerra fria e seu histórico de boicote às democracias latino-americanas é algo nobre e mereceria reconhecimento pelo fator mea culpa. Mas se isso não ocorre é porque o filme posiciona os estadunidenses como causa da ruína de povos terráqueos e alienígenas e simultaneamente como os salvadores dos mesmos. E pior, agindo como sempre: à base de agressão estúpida, autoindulgente e romantizada.

Ainda que esparsos, o filme tem momentos isolados que se destacam por mérito próprio. A rivalidade entre Pacificador (John Cena) e Sanguinário (Idris Elba) rende a melhor piada do filme. A doçura e amabilidade, ainda que hiperbólicas, da Caça Ratos II consegue vez ou outra contrapor toda a carnificina desmiolada. E o passado do Homem Bolinhas (David Dastmalkian) com a mãe o torna o integrante mais complexo do grupo.

A cena onde ele consegue se soltar em uma pista de dança mesmo rodeado por seus traumas é a única onde o sentimentalismo do filme soa honesto. Algo que só faz o seu descarte abrupto na trama soar cretino. Ainda mais quando o personagem é caracterizado como o único homossexual do grupo.

Ao contrário de Ayer, Gunn teve um controle criativo assegurado pela Warner Bros. Mas isso joga contra o filme por, primeiro: denotar o quão indiferente a autoralidade do cineasta é perante a qualidade da obra e, segundo: por expor o quanto esse universo de vilões marginalizados soa incongruente com a estética pós-moderna de blockbusters  com que ele construiu seu nome na indústria.

Querer ridicularizá-los ao mesmo tempo que se tenta cavar fundo em suas personalidades resulta em sabotagem mútua. A única franquia atual que sabe como fazer isso é do mercenário desbocado Deadpool (Ryan Reynolds). A eficiência de lá reside na separação do que é valoroso e verdadeiro do que é ridículo e destinado ao escárnio. Distinção que o novo Esquadrão Suicida nunca consegue definir ou construir de forma satisfatória.


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