As entrelinhas de um músico LGBT em Ponta Grossa

As letras de ROMAN0V, cheias de significado, vêm muito mais para desmistificar o místico do que explicar. O músico, escorpiano expressivo, poeta e escritor, diz que “nos clipes, são coisas sutis, só que são essas entrelinhas que eu preciso passar”. Lançando seu début em 2020, ROMAN0V passa uma mensagem de empoderamento LGBT ao mesmo tempo em que explicita a realidade de preconceito no mundo.

O clipe oficial de Demo, sua primeira faixa, levou entre três a quatro meses para ser produzido. A preocupação se inicia na produção do roteiro, escrito pelo próprio ROMAN0V. “Sempre tive muita facilidade pra criar histórias e eu trouxe essa referência dos livros”, comenta. Assim que foi lançado o clipe, em dezembro de 2020, o artista recebeu comentários homofóbicos nas redes sociais. “Como era o meu début, fiquei uma semana numa bad.” Mas eleo ficou se sentindo mal por muito tempo. Uma semana depois, já estava escrevendo seu segundo lançamento, chamado de CEO.

“Pra começar a mostrar que essas pessoas vão ter que me engolir. Que eu sou CEO, o chefe. Comecei a trabalhar dessa forma. Tirar essa visão de auto piedade do LGBT. De que ele precisa saber levar a dor”. Desde 2017, o músico tem como pauta principal a comunidade LGBT. ROMAN0V já vem de uma carreira como DJ e produtor na Gataria, mas, com a pandemia, resolveu focar a sua vida nas letras e nos clipes. Em 2019, como DJ, realizou por volta de 120 festas e se apresentou também na parada LGBT. Quando o mundo parou por conta da pandemia, ROMAN0V parou também. “2020 foi um ano de bastante aprendizado, diminuiu aquele ritmo acelerado que foi 2019. Aí voltei a cantar e a compor”, conta.

Cena do clipe de ROMAN0V, intitulado “CEO”. Foto: Divulgação.

Suas composições poéticas têm como fundo trap, rap e o funk, com uma identidade mais pop. CEO apresenta uma letra enquanto o visual do clipe segue outra linha. “Não tô fazendo uma apologia ao crime, tô fazendo justamente o contrário. Mostrar um cartel LGBT. E se a gente tivesse matando quem nos persegue?”. Esse conceito pode chocar aqueles que não estão acostumados com o estilo do trap, mas ROMAN0V, utilizando expressões fortes, explica o visual do vídeo “Outra coisa presente no clipe é o embasamento da igreja evangélica, os elementos como a cruz”. O músico diz que algumas pessoas se utilizam do nome de Deus para praticarem homofobia. “Eles comem a nossa carne toda semana e no final de semana vão na igreja”.

O artista reitera que o clipe de CEO não é apologia ao ódio. No final, é uma espécie de frustação extravasada. “Três ou quatro foram mortos pelo serial killer de Curitiba, essas pessoas precisam ser lembradas”. ROMAN0V quer fazer a diferença em Ponta Grossa, mas confessa que é difícil. “Essa cidade é elitista demais, cheia de gente retrógrada. Se eu não fizer a diferença na minha cidade como vou passar a mensagem pro Brasil, sabe?”, pergunta, indignado.

Cena do clipe de ROMAN0V, intitulado “CEO”. Foto: Divulgação.

Para o roteiro de CEO, ROMAN0V escreveu um mini conto. Demorou um mês no processo. “Sempre quando você adapta algo não fica 100% né, mas 80% do que eu quis estava lá”. Foram 15 pessoas envolvidas na produção, fora a figuração presente no clipe.

Sobre sua produção, o músico diz que é difícil, já que LGBTs encontram repressões de forma ampla no país. ROMAN0V deseja fazer algo pela sua cidade, mas encontra pouco incentivo. “Cidade antiga. Essa cidade só respira quando vem uma galera nova que traz coisas novas. Tem essa guerra entre novo e velho”, analisa. Em menos de um ano de début, o artista já conseguiu levantar um debate em Ponta Grossa. “Eu vou fazer, sim, pela minha cidade. Mas se eu depender de PG pra viver da minha arte, nunca vou conseguir, numa cidade que não te incentiva”. Uma de suas missões é ajudar os artistas da cidade a criarem essa unidade de grupo. “Se eu fosse fazer algo sozinho hoje, eu não conseguiria”.

ROMAN0V conta que já está elaborando um trabalho ainda mais politizado. “Vou começar a produção, já tenho o roteiro. Vai ter tiro, porrada e bomba e algumas críticas pesadas porque envolve política”, avisa.

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