A era do Bond de Daniel Craig: o matador que aprendeu a amar – Parte II

Quantum of Solace (2008), uma trégua com a ferida (e com a qualidade)

Seguindo os moldes de “A Supremacia Bourne” (2004), “Quantum of Solace” tenta oferecer a Bond um consolo para os efeitos dos eventos que provocaram a morte de Jesper. O filme foi prejudicado pela greve generalizada dos roteiristas de Hollywood da época, o que forçou a produção a se escorar demais em cenas de ação para disfarçar o roteiro raso. Isso não seria um problema já que elas são mais do que esperadas nesse tipo de filme, mas a direção inexperiente de Marc Foster no gênero faz elas parecerem um caos ininteligível na maioria das vezes.

Contudo, da metade para o final o longa cresce ao focar, ainda que superficialmente, nos ecos da tragédia que encerrou o filme anterior. Ao deter os planos imperialistas da organização Quantum, 007 descobre como se perdoar e perdoar Vesper pelo que ocorreu anteriormente. Liberto do peso e raiva do luto, Bond abandona seu lado rebelde e compulsivo para focar em suas responsabilidades sob o comando de M.

Mesmo sendo decepcionante quando comparado ao filme anterior, Quantum of Solace ainda vale a investida por prosseguir, ainda que a passos de formiga, com o arco de Bond e por ser ocasionalmente divertido. E como bônus, o longa ainda usa como pano de fundo para a estória as práticas nocivas do imperialismo estadunidense na América Latina, herança direta da mentalidade da guerra fria.

Skyfall (2012), o ápice de Craig

Um dos grandes charmes da era Craig é a relação de amor e ódio entre 007 e M. Sendo a superiora de Bond e sua defensora perante as pressões externas no MI6 quando este se excede ou falha, M frequentemente assume o papel de mãe adotiva para James. Em Skyfall tal relação é testada quando M toma uma decisão arriscada, que acaba sacrificando Bond, para impedir que informações de agentes infiltrados sejam divulgadas.

Bond, oficialmente morto, se sente perdido frente a suposta traição de M em uma aposentadoria que, há alguns anos, teria sido o seu grande sonho após se afastar da espionagem. Porém, sem Jesper, tal realização do sonho não faz mais sentido. Vendo que o MI6 está sob ataques sistemáticos de um cyber terrorista, e que o alvo principal é M, Bond retorna à ação para tentar entender e salvar uma das únicas conexões genuínas que fez em toda a sua vida.

Dirigido pelo ganhador do Óscar Sam Mendes, Skyfall é a mais completa e instigante entrada de Craig na franquia. O filme explora toda a natureza e história de Bond para humanizá-lo sem sacrificar o ritmo ágil ou cenas de ação elaboradas e originais.

Descobrindo a origem de órfão do agente, entendemos seu apego de filho com M. Todo o esforço dentro das missões – ainda que camuflado como patriotismo ou como jornadas de autoflagelação como em Quantum of Solace – sempre foi direcionado a relutantemente conseguir a aprovação e estima de M.

A própria diretora do MI6 sempre tratou James como sua prole. Seja sendo compreensiva passando a mão em sua cabeça quando ele cometia excessos producentes ou sendo enérgica e punitiva quando ele apenas passava dos limites. Em Skyfall tal consideração atinge o ápice quando ela usa de toda a sua posição para fazê-lo passar nos testes – e assim ser readmitido no MI6 – e quando faz questão de dizer, em seus últimos momentos e à sua maneira, que Bond é o expoente de seu legado que mais lhe orgulha.

Vendo as consequências do passado de sua matriarca voltarem para assombrá-la na forma do vilão Silva (Javier Barden), Bond entende melhor os sacrifícios e frieza necessários para a boa prática do cargo de responsabilidade que ela, e a agencia como um todo, tem perante a segurança mundial. Algo que apenas faz crescer sua admiração por M.

Por um breve momento, Bond atinge seus objetivos conscientes e inconscientes na franquia: O de exercer em plenitude sua tarefa de espião e o de fazer parte de uma família adotiva dentro do MI6. Contudo, o vilão Silva, que também possuía uma relação de mãe e filho mal resolvida com M, lhe rouba esse senso de realização ao final do filme ao matá-la. Mas diferente do abatimento visto em Cassino Royale, Bond mergulha fundo em sua dedicação ao que faz para honrar o legado de M.

Fechando o filme com um 007 mais maduro, o longa traz a versão mais completa do Bond de Craig. Todos os maneirismos, aliados e particularidades clássicas da franquia ganham sua vindoura maturação, de forma orgânica, dentro do universo estabelecido em Cassino Royale.

Mendes e os roteiristas conseguiram criar a tão esperada ponte entre a origem do personagem e a versão que todos conhecemos com elegância – méritos também do design de produção de Dennis Gassner e do cinematografo Roger Deakins -, agilidade e um final comovente.

Confira a primeira parte e a continuação no Cultura Plural.

Nenhum comentário

Adicione seu comentário

Skip to content