A era do Bond de Daniel Craig: o matador que aprendeu a amar – Parte III

Spectre (2015), uma grande derrapada

Depois do sucesso e do efeito renovador de Skyfall para o personagem, a franquia tinha uma tarefa difícil: Como melhorar a partir do que foi estabelecido? Com o retorno garantido de Mendes e dos roteiristas de Skyfall a expectativa para Spectre era gigantesca.

Após o término da sequência de abertura no dia dos mortos na Cidade do México filmada com todo o zelo possível, a promessa era a de que o filme honraria o legado de Skyfall. Porém, essa promessa gradualmente é estirpada do público conforme o filme progride.

Spectre soa como uma terapia para Bond. Pela primeira vez ele é forçado a confrontar verbal, psicológica e fisicamente sua condição de assassino institucional. Com a ajuda de Madeleine (Lea Seydux) e a interferência do vilão Blofeld (Christoph Waltz) James Bond é obrigado a perceber os padrões de violência, vícios, dor e fuga que delimitaram sua vida até então. Ao final, 007 opta por deixar o serviço secreto, o qual ainda participava movido pelo luto por M e a Vesper, e perseguir novamente o seu sonho de viver em um lugar paradisíaco junto a alguém que pode amar incondicionalmente e sem remorsos.

E assim como uma terapia, esse processo é saudável e libertador para a psique de quem a faz. Infelizmente, para aquém assiste, tal processo é um grande engodo quando manejado de forma pedestre. Ao que tudo indica, tal sentimento era reciproco nos bastidores do filme. Chega a transbordar de ironia que a mesma equipe que fez a melhor parcela de Craig na franquia seja responsável por fazer também a mais fraca.

A fotografia lavada de Hoyte Van Hoytema junto com a condução morosa e protocolar de Mendes faz com que qualquer senso de risco, emoção ou adrenalina seja drenado do filme.  A obra se torna um exercício de humanização contra produtivo pelo fato do roteiro, escrito por quatro pessoas diferentes, ser pobre na construção e resolução das cenas e relaxado no uso de seu vilão, outrora icônico na franquia. O que resulta em toda a ameaça da, supostamente implacável organização secreta S.P.E.C.T.R.E., parecer um mero country club de poderosos mesquinhos.

O filme concede a James Bond o que ele sempre almejou, mas faz pouco esforço para nos fazer entender e sentir o quão incrível isso é para o personagem. Isso não só cria uma experiência maçante para o espectador como ainda minimiza os desdobramentos do desfecho de Skyfall.

Sem tempo para morrer (2021), o encontro do amor, a redenção, o fim e o futuro de Bond

Após quase dois anos de adiamento devido a pandemia, chegou aos cinemas no último dia 30, o novo e último embarque de Daniel Craig como 007 nos cinemas. Com a saída de Sam Mendes da direção, a responsabilidade de encerrar a saga de Craig recaiu sobre os ombros do prolifico Cary Jodi-Fukunaga.

O tom do filme, primeiro a ter produção do próprio Craig, desde o início denota que os cineastas optaram por, felizmente, se distanciar o máximo possível da abordagem anterior. A monotonia de Spectre dá lugar a cores vivas e o tom oscilante entre tensão, humor e drama fazem essa sequência ser uma das mais divertidas da era Craig.

Talvez divertida até demais. Tal explosão de ânimo e positividade por vezes soa pouco característico para o personagem. Acostumamos a ver por tanto tempo um Bond marrento e sisudo – aspectos clássicos dos heróis complexos do cinema ocidental pós-11 de setembro – que soa curioso vê-lo demonstrando, e expressando, facetas mais suaves como gratidão, amizade e arrependimento.

Talvez por isso Sem Tempo para Morrer soa como uma leitura de testamento. Aqui Bond tem a chance der ser alguém que nunca foi, mas que Craig gostaria que ele fosse após tanto tempo recluso na concha emocional que moldou para si mesmo.

Com a vinda da paternidade, Bond é motivado pelo amor e não pela fuga, a construir um legado do qual, como Madeleine faz ao final do filme, mereça ser contado e passado para as próximas gerações. Abdicando da exposição do hedonismo machista que tanto marcou a franquia, Fukunaga opta por fazer com que a última investida de Craig seja marcada pela superação de tudo isso em prol de uma herança genuinamente construtiva: o personagem se despe de sua arrogância, necessidade de autopreservação e se motiva a salvar o mundo para que sua filha possa viver em um lugar melhor e em um ambiente familiar funcional.

Bond enfim encontra um meio termo que concilia o que sua vida foi e o que ele almejava que ela pudesse ser. Infelizmente não sobrevive para ver seus sonhos se realizarem.

O filme pode não alcançar os feitos espetaculares de Cassino Royale e Skyfall, visto que o terceiro ato é enfraquecido pela falta de tensão e pelo vilão ser mais uma caricatura dentro da série. Mas nem por isso deixa de ser especial ao seu próprio modo por arriscar ser diferente e único dentro de toda a franquia.

O longa também não deixa de ser melancólico ao delimitar que esta foi a última aparição de 007 como o conhecemos. Encerrando a saga de forma eficiente, ainda que um pouco pálida quando comparada às melhores entradas de Craig, o filme cumpre seu dever de fechar o arco do personagem ao deixa-lo de uma forma completamente diferente de quando o conhecemos em 2006.

Onde havia rebeldia, cresceu a serenidade. Onde havia frieza, ganhou-se calor humano e onde havia vazio e desmotivação, houve amor e a realização de fazer feitos tão grandiosos que nem a morte física poderá apagar.  Que o próximo escolhido(a) a carregar o manto de James Bond continue tendo o privilégio de mexer e renovar a franquia tão bem quanto Craig o fez.

Confira a segunda parte no Cultura Plural

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