Por Carine Cruz
O Coro Cidade Ponta Grossa, em 2015, protestou contra a apropriação cultural. O termo, muito utilizado nas plataformas online, refere-se à imposição de uma cultura dominante, como esta apropria-se de certo código e o usa num contexto diferente do original. Em seu trabalho “Negritude, apropriação cultural e a ‘crise conceitual’ das identidades na modernidade”, Lizandra Pinheiro afirma que o termo é o “ato de se utilizar ou adotar hábitos, objetos ou comportamentos específicos de uma cultura, por pessoas e/ou grupos culturais diferentes”.
Com o desafio de entender o conceito de apropriação cultural o tema anual do Coro foi materializado com o “Abrace, Abra-se”, que partiu da maestrina do Coro, Carla Roggenkamp. Para ela, a sociedade “tem vivido, de forma assustadora, um retrocesso cultural sobre a aceitação que as pessoas têm do outro, de uma realidade que seja religiosa, ideológica, política, gênero e de etnia”.
Dessa forma, os espetáculos do Coro priorizam entender o contexto histórico, cultural e musical da obra escolhida. Do folclore brasileiro a canções do século XIX da Alemanha, o cuidado em respeitar a arte é vital para o espetáculo. “Quando a gente traz música de outras culturas, nossa intenção é mostrar para o público que o mundo é maior que isso, nossa escolha nunca é meramente porque é ‘bonitinha’. É sempre pensado a partir do histórico, conceito e contexto para que compreendam outras culturas”, afirma Carla.
Devido à complexidade do assunto, o Coro, às vezes, enfrenta resistência do público, seja por não conhecer a obra ou não entender seu propósito. Carla insiste: “na prática isso é muito difícil, porém, é um trabalho que tem que ser feito. Me chamam de idealista, mas se ninguém fizer, para que lado a gente vai?” E explica o propósito do ‘Abrace, Abra-se’ “o Abra-se é exatamente abrir-se para esta experiência, tentar ouvir e conhecer coisas diferentes. E o Abrace é permitir-se receber alguns dos códigos estéticos que as pessoas apreciam”.
A maestrina do Coro mostra seu conhecimento quanto ao debate. “A apropriação, a meu ver, parece um pouco negligente. Uma apropriação é escolher um símbolo que para o grupo tenha um caráter forte, seja religioso ou ideológico, e colocar numa parede só porque achei ‘bonitinho’, ou seja, descontextualizar e usar de outra forma. Corrompe-se aquele símbolo, seja música, objeto ou um rito”.
Carla ainda diferencia: “a apreciação, por outro lado, é exatamente o contrário, se permite gostar, compreender e respeitar a importância daquele símbolo. Então, quando nós trabalhamos músicas de outras culturas, a gente tenta falar um pouco do que foi a época, o acontecimento, sua representatividade, mas a nossa proposta ao trazer isso para o palco é extremamente estudada. É trabalhar a partir do simbólico, não foi uma simples imitação vulgar, a gente estuda contexto, roteiro, o que a gente faz é uma releitura, nossa intenção é homenagear e trazer ao público o conhecimento de uma outra época”.
O canto da cidade
O Coro Cidade de Ponta Grossa foi fundado em 2008 pela Secretaria de Cultura, que também apoia o projeto financeiramente. Sob a regência da maestrina Carla Roggenkamp, o grupo tem 24 bolsistas e um estagiário e seu objetivo é trazer música para o cenário cultural de Ponta Grossa.
Ao longo dos sete anos de existência, já apresentou desde espetáculos folclóricos a músicas sacras, mostrando sua diversidade. Além disso, também comandou gêneros como ópera, música latina, clássica, natalina, entre outros.
Segundo a assessoria do Coro, o objetivo do coral é “disponibilizar uma música de qualidade para a população da cidade nos mais variados gêneros”. Só em 2015, o Coro apresentou 28 espetáculos. Alguns concertos acontecem em igrejas, pois a acústica do local é melhor para um coral com 24 cantores diferente de um teatro que, em algumas situações, pode abafar o som.
Para o doutorando em Física e integrante do Coro Cidade Ponta Grossa, João Luiz Gomes, o Coro se difere de outros corais e grupos musicais pela diversidade cultural nas músicas. “Por exemplo, no começo do ano fizemos um repertório bem brasileiro, então passamos para um repertório espanhol e agora estamos em um alemão, mais europeu”, declara.
Luciana Souza, também integrante do Coro, afirma que o diferencial é profissionalismo. E completa: “os músicos que ela escolhe para a gente interpretar ajudam na qualidade do espetáculo, como agora, que vamos trabalhar músicas do romantismo. São canções excelentes que não tocam mais, mas ficaram aí e a Carla sabe selecioná-las”.
Para o teste seletivo do Coro é necessário dominar a partitura e ter vínculo com a UEPG ou com a Orquestra. Os bolsistas ganham R$800,00.
A bolsista Mariene Silva vê a apreciação cultural como tentativa de mostrar diversas culturas, trabalhar com o desconhecido num combate ao preconceito cultural. “Com a comercialização da música de massa, as pessoas se esquecem de voltar os olhos à música mais histórica e elaborada. A música que fazemos é para ser ouvida por todos. Não existe aquele que é ‘mais ou menos culto’”, afirma.
Os bolsistas do Coro, além de cantarem, fazem parte efetivamente da produção dos espetáculos. São eles também quem confeccionam o cenário, divulgam, fazem a montagem de palco e ensaiam. O Coro não usa instrumentos, são os cantores que produzem os sons através de suas vozes.
Com mãos de ferro, Carla rege o Coro Cidade Ponta Grossa
Carla Roggenkamp é natural de Ponta Grossa, tem 38 anos e canta em corais desde os seis. Aos 15 cantava em nove corais, como no Coro Juvenil e, também, em coros adultos como da Igreja e Universidade. Na mesma época, Carla assumiu o coro da Igreja Luterana, no qual todos os integrantes eram mais velhos que ela. O desafio, na época, era manejar a liderança num grupo de pessoas mais velhas sendo tão nova.
A relação com a música sempre foi incentivada na casa da maestrina. Carla tem mais duas irmãs, a mais velha, Maria, é professora de música e também canta. A mais nova, diferente das outras, não gosta de cantar. Nas palavras de Carla: “ela aplaude bem”.
Maria lembra que Carla antes de aprender a falar ou andar já balbuciava algumas melodias e quando criança já começou a cantar e tocar. Hoje, adultas, a relação não é só familiar como profissional. As irmãs trabalham no Coro, Carla como maestrina e Maria como cantora. Segundo a irmã mais velha, elas se veem mais no ambiente de trabalho do que em convívio familiar.
Aos 12 anos Carla conheceu Gunda Gutknecht na igreja e desde então são amigas. As duas, através da igreja, formaram o grupo de coral, Delfas, juntamente com mais quatro amigas. O grupo acabou, porém, a amizade continuou forte. Após Carla perder os pais, Gunda diz que se sentiu responsável pela amiga, como uma irmã.
Carla lembra que, quando terminou o ensino médio, as universidades não ofereciam curso de Música. Por isso, sem condições de pagar a formação fora da cidade, decidiu prestar vestibular para Pedagogia, curso que estudou durante um ano. Não sendo seu plano original, já que amava música, Carla trancou o curso e começou a trabalhar com coros de escolas particulares e com o coro infantil da UEPG. Em 1999 surgiu a oportunidade de trabalhar por um ano com o Grupo M, coral itinerante formado por 32 cantores do Brasil.
Em 2001, Carla foi para Curitiba estudar música. Como o curso era pago, a maestrina se bancou na capital dando aulas particulares de canto e em escolas particulares, também regendo no coral de Ponta Grossa e na Igreja Luterana de Curitiba, que conseguiu com a indicação da sede de Ponta Grossa. Depois de se formar, Carla continuou em Curitiba, porém, segundo ela a cidade “é complicada por ter muita gente e ser muito concorrido”.
Em 2008, a maestrina se apresentou com o Coro Campos Gerais e chamou a atenção da secretária de cultura da época, Elizabeth Schmidt, que se apaixonou pelo espetáculo. Elizabeth pediu à maestrina que apresentasse um projeto de coral e assim surgiu o Coro Cidade Ponta Grossa.
A integrante do Coro, Josiqueuli Borges Rocha, afirma que Carla é “uma pessoa espetacular, tanto profissional como pessoalmente”. Josiqueuli ainda completa que “ela tem tranquilidade e segurança na hora de transmitir o que a gente estuda, de estar no palco e mostrar o aprendizado do dia a dia”.
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