A cultura em Ponta Grossa não é mais a mesma: retrospectiva 2012

O ano de 2012 encerra um estágio de desenvolvimento das políticas culturais em Ponta Grossa.  Agentes interessados no campo cultural trabalharam nos últimos quatro anos na construção de um conjunto de estruturas mínimas indispensáveis à gestão do setor mediante atualização das diretrizes nacionais da área.

Os principais acontecimentos do ano refletem, de algum modo, essa preocupação que pautou a relação dialogada entre Conselho Municipal de Política Cultural e Secretaria Municipal de Cultura e Turismo. Prova disso é a criação do Sistema Municipal de Cultura (SMC) e do Programa Municipal de Financiamento e Incentivo à Cultura (Promific). Caminha-se agora para a construção de um Plano Municipal de Cultura (PMC) – outra exigência pertinente do Ministério da Cultura.

Para além disso, 2012 marcou a reconquista de espaços imprescindíveis, como a feira do livro e a recente inauguração, após 72 anos de história, da sede definitiva da biblioteca pública, que em 2011 passou a ser responsabilidade da pasta de cultura e não mais de educação.

Mas o ano que encerra também foi de perdas. Batalhadores da causa cultural passam a fazer parte da memória de um setor que busca, enfim, se organizar, em muito inspirado por trajetórias ímpares brutalmente interrompidas.

Começa a se perceber, a muito custo, que cultura não se resume a eventos, tampouco deve ficar de fora da agenda política (e dos orçamentos). Ao longo do ano, alguns acontecimentos sinalizaram para ocasiões em que política públicas podem tornar o setor cultural mais organizado, participativo e dinâmico. Com todos os desafios, as tensões, expectativas e repletas contradições que o processo e a cidade comportam.

As estruturas mínimas estão melhor dispostas ao fim de 2012, restaria agora ocupar publicamente a cultura – seja nos espaços, em eventos, projetos ou iniciativas. Mas aí começa um novo estágio, de enfrentamento direto e urgente do problema da centralização das atividades (que não é nem de longe exclusividade do setor cultural).

Confira na retrospectiva a seguir uma seleção de acontecimentos que envolveram o debate e o encaminhamento de políticas culturais no município no ano que passou. Verifique também os registros fotográficos feitos pela equipe do Lente Quente no Flickr.

Janeiro

Andarilhos de um Calçadão mais vazio: O ano iniciou com uma baixa para a área da cultura em Ponta Grossa, com a morte do jornalista e professor Victor E. Folquening, aoS 38 anos, vítima de atropelamento em Curitiba, onde residia. Figura de atuação múltipla e irreverente, Victor conquistou reconhecimento nos meios jornalístico, acadêmico e cultural. Uma de suas últimas palestras ocorreu na Semana Literária do Sesc PG, no ano passado. O autor de ‘O jornalismo é um humanismo’ falou sobre ‘Literatura e Sedução’, com um belo passeio pela história da arte. Como de costume, arrancou risos e questionamentos da plateia. No mesmo ano, participou da comissão julgadora de concursos literários do município. Em 2010, dadas suas incursões pelo blues e pelo jazz, de que tanto gostava, contribuiu na seleção de bandas do 1º Festival Easy Rock de bandas da cidade.

Fevereiro

Falando com as paredes: A principal polêmica do setor cultural no início do ano focou o destino do antigo Clube Polonesa Renascença, após alegações de que o proprietário não pretendia preservar o edifício. Após discussões e manifestações diversas, o Conselho Municipal de Patrimônio Cultural (Compac) aprovou tombamento preliminar do clube, além dos prédios do Clube Dante Alighieri, Hospital Getúlio Vargas e da Padaria BiriBiri. O tom de indignação com a situação de algumas edificações históricas permaneceu até o fim do ano, em função do descaso com a preservação do Cine Império. Um webdocumentário finalizado em dezembro capta um pouco desse clima: www.crisedeidentidade.com.br

Março

Sexta às Seis: Retomada do projeto, que em 12 edições semanais levou bandas e público à concha acústica do Parque Ambiental, local que dividiu opiniões. O evento suspendeu atividades em setembro após apontamento do Observatório Social sobre necessidade de licitação para o serviço de sonorização – uma vez que a Prefeitura não dispõe de aparelhagem suficiente. O projeto aguarda avaliação da nova administração e do Conselho Municipal de Política Cultural para voltar à ativa.

Abril

13ª Conferência Municipal de Cultura: as reuniões setoriais revisaram e atualizaram as diretrizes culturais do município. Um apontamento recorrente nas discussões com a comunidade foi a necessidade de ampliar a comunicação da agenda cultural do município e dos editais de concursos. Sugeriu-se a criação de um mural no Terminal Central com essa finalidade. O desafio de descentralização das atividades e ações culturais também ganhou destaque entre as demandas expressas. A Conferência elegeu, ainda, os representantes do setor cultural no conselho curador da Funepo, responsável pela TV Educativa, que aguardam convocação. Em 2013, a Conferência Municipal de Cultura elege os novos representantes no Conselho Municipal de Política Cultural e indica delegados que participam das instâncias regional, estadual e nacional.

Outros acontecimentos:

Plateia atenta no Cine Ópera testemunhou a escolha do hino do Operário, agora centenário.

Maio

Feira do Livro: O Festival Literário dos Campos Gerais (Flicampos) representou a principal novidade do ano em termos de ousadia e recriação de iniciativa cultural então adormecida. Entre os principais palestrantes, o evento trouxe o sociólogo italiano Domenico de Masi, o fotógrafo Oliviero Toscani e o escritor Affonso Romano de Sant’anna. As tendas do Parque Ambiental abrigaram apresentações musicais, atividades literárias e estandes de livreiros e editoras. Um grupo se reuniu em novembro para iniciar a organização da feira de 2013. O objetivo é ampliar e qualificar o espaço. Além desse caráter de organização coletiva a partir de um grupo gestor, outro destaque foi a prestação de contas após o evento, coisa rara, ainda, na cidade – inclusive em projetos com orçamentos menos modestos. A acrescentar em termos de produção editorial como destaque de 2012 a regular publicação de livros resultantes de concursos municipais de literatura, que é o caso das biografias.

Outros acontecimentos:

A Conferência Macroregional de Cultura dos Campos Gerais elegeu o jornalista e músico Victor Miranda como representante no Conselho Estadual da Cultura do Paraná.

– A banda Cadillac Dinossauros prestou homenagem às mães em show no Ópera só com músicas de Roberto Carlos, com direito a naipe orquestral. O grupo teve outro bom momento durante o ano em apresentação no Festival Universitário da Canção, em junho.

– A banda Mandau faz show de lançamento de videoclipe de ‘Suave na Nave’, primeira música de trabalho do segundo CD.

Junho

2º Easy Rock: A segunda edição do evento realizou eliminatória de bandas no Parque Ambiental e deslocou a etapa final de apresentações para o Centro de Eventos. Os shows ganharam em qualidade de palco, mas a medida dificultou presença de público no último dia. O Easy Road trouxe shows de Blindagem, Beatles Cover e Lobão, que fechou em grande estilo. O número de bandas inscritas superou a edição anterior do projeto, também viabilizado por edital público. A dificuldade se deu no processo posterior ao festival, com atraso no agendamento de estúdio para gravação e realização da mini-turnê pelo estado, como prevê o regulamento. Os CDs de coletânea encontram-se em finalização, com lançamento previsto para o início de 2013. Em função desse atraso, o edital do próximo concurso deve passar por modificações.

Outros acontecimentos:

– O show de Luiz Salgado no 25º Festival Universitário da Canção (FUC) fez um belo passeio pelo cancioneiro popular brasileiro, seus ritmos, suas lendas e crenças.

Julho

SMC: promulgada a lei que institui o Sistema Municipal de Cultura (SMC) em Ponta Grossa. O sistema é um dos principais mecanismos de inclusão das cidades nas políticas federais da cultura. O texto passou por discussões no Fórum de Cultura e em conferência antes de ser enviado à Câmara de Vereadores. As políticas nacionais do setor estipulam ainda a criação de um Plano Municipal da Cultura (PMC), em fase de discussão e elaboração pelo Conselho Municipal de Política Cultural. Ponta Grossa já atende a outros requisitos de gestão, como o funcionamento do conselho e a realização periódica das conferências. A sintonia das atividades locais com as políticas nacionais da cultura também se fez sentir no aproveitamento dos editais da Funarte, como o painel de bandas musicais realizado no fim do ano.

Agosto

Compromisso: em fase de campanha eleitoral, os candidatos a prefeito de Ponta Grossa assinaram carta de compromisso com as políticas culturais do município, proposta pelo Conselho Municipal de Política Cultural, em sintonia com demandas da área expressas em conferências e fóruns. Um dos pontos destacados é a garantia de continuidade e ampliação de eventos de catálogo da cidade, como Flicampos e Sexta às Seis. Cobra-se também a digitalização de espaços culturais e o comprometimento com o uso cultural de prédios e aparelhos públicos do setor, como teatros e o novo complexo inaugurado em dezembro, no local das antigas indústrias Wagner.

Outros acontecimentos:

– A Marcha das Vadias ganhou as ruas de Ponta Grossa e conquistou adesão para a causa das mulheres.

– O mítico bar Pub Underground fecha as portas sob gestão do lendário ‘Craudião’. Ao mesmo tempo, começa a demolição do Cine Cittá – bar e restaurante no centro da cidade que abriu espaço para artistas locais.

– A comunidade russo alemã de Witmarsum comemora 60 anos.

– Ponta Grossa sedia a  3ª Conferência Regional Sul-Brasileira de Tubas e Eufônios 2012.

Setembro

Poesia neles: Em uma das noites de conversa sobre literatura, a tradicional Semana Literária do Sesc reuniu os poetas Fabrício Corsaletti e Alberto Martins, expoentes do que se considera como nova geração da poesia no país. Durante as intervenções da plateia, um rapaz pede licença e começa e ler um poema que escreveu. A produção poética local também mobilizou durante o ano o primeiro concurso municipal de poesia nos tótens. Os vencedores terão seus textos impressos em tótens nas praças da cidade. A publicação já começou. Outra lembrança indispensável é de que a poesia feita em Ponta Grossa ganhou em 2012 um nobre reforço. O poeta Adilson Rei dos Santos, o ‘poetinha da Ronda’, lançou o livro ‘Diário Pop’, desde já leitura indispensável pelo grau de refinamento e síntese das características traçadas em obras anteriores, sobretudo no modo de ver, sentir e imaginar a cidade.

Outros acontecimentos:

– O projeto Cultura Plural realiza, na Praça Barão do Rio Branco, a primeira feira de exposições, mostras e interação de grupos culturais.

– No mesmo dia, a Cavalete Parade tomou conta do Parque Ambiental. A proposta do evento era reciclar cavaletes de propaganda eleitoral de forma artística.

Outubro

Uma defensora incansável da cultura na memória da cidade: A cidade perde a produtora cultural e artista plástica Márcia Sielski, que integrou o Conselho Municipal de Cultura pela última vez em 2009 e 2010. Notória defensora de grupos, iniciativas e movimentos culturais, pode-se dizer que Márcia desbravou e deu forma ao campo de atuação da produção cultural em Ponta Grossa – figura profissional da qual o setor ainda carece. Por aproximadamente uma década em que dirigiu atividades culturais do Sesc PG, notabilizou-se pela abertura do espaço a artistas e interlocutores do campo cultural – o que destacou a unidade no cenário estadual. Márcia participou assiduamente de conferências da cultura. Em 2010, representou a cidade em Brasília. Ajudou a criar o Fórum Permanente de Cultura de Ponta Grossa, em 2009, além de participar da elaboração da atual lei municipal da cultura e do Sistema Municipal de Cultura (SMC). Em homenagem à sua memória, o edital na área de grupos étnicos e cultura popular (concurso que ela ajudou a construir neste ano), em 2013 leva o seu nome. Márcia tinha 50 anos e trabalhava na empresa Mosaico Ação Cultural.

Outros acontecimentos:

– A Semana de Comunicação, do curso de Jornalismo da UEPG, prestou justa homenagem aos 90 anos do rádio no país e 72 na região dos Campos Gerais.

Novembro

Fórum Regional de Cultura dos Campos Gerais: a primeira edição do evento tentou alinhar demandas em comum entre municípios do interior do estado, de modo a tensionar o funcionamento efetivo do recém-criado Conselho Estadual da Cultura (Consec). Registrou-se disparidade dos investimentos do Estado na cultura entre as cidades do interior e a capital, principalmente através de programas como o Conta Cultura. Também cobrou-se maior transparência nas informações e participação nas decisões. Dias depois, a agenda mobilizou a reunião do Consec, quando a Secretário do Estado da Cultura se comprometeu em prestar os devidos esclarecimentos solicitados. O fórum deve voltar a acontecer nos primeiros meses de 2013.

Outros acontecimentos:

O grupo Cabide de Molambo volta aos palcos para homenagear a obra de Sinhô, entre outros compositores do samba. O espetáculo lotou o Centro de Cultura, com muita gente em pé conferindo o show.

– O Fenata completa 40 anos de atividades ininterruptas e consagra-se como um dos festivais de teatro de maior longevidade no país.

– O projeto Cultura Plural e a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo organizaram a mostra de vídeo-documentários. Houve exibição de vídeos do curso de Jornalismo e também do último concurso municipal de documentários, seguida da escolha do preferido da plateia no voto popular. O segmento de audiovisual no Conselho Municipal de Política Cultural inovou neste ano com a realização de dois concursos de registro em vídeo das manifestações culturais e não de apenas um, como acontecia.

Dezembro

Nas olarias da cultura: Os principais acontecimentos diretamente relacionados às políticas culturais no fim de ano refletem dois movimentos que deram o tom dos debates e das ações de 2012, que lançam desafios para 2013. De um lado, consolidaram-se as estruturas legais formuladas nos últimos três anos que devem possibilitar de agora em diante maior dinamização e investimento no setor. A Câmara de Vereadores aprovou a lei 11.217, publicada no diário oficial do dia 18 de dezembro, que institui o Programa Municipal de Financiamento e Incentivo à Cultura (Promific). Por outro lado, os aparelhos culturais passam a demandar maior ocupação por parte do público (indivíduos, grupos e instituições) e responsabilidade gerencial (de investimentos, profissionais, atualização) por parte da Prefeitura. É o caso da nova biblioteca pública e do centro de música, em Olarias, no lugar das antigas indústrias Wagner, inaugurados em dezembro. Estimular o uso plural de tais espaços é uma forma não apenas de justificar o gasto público, o que também é pertinente, mas de criar uma espécie de frequentação produtiva ampla capaz de zelar pelo espaço, demandar novos serviços e, aos poucos, criar outras práticas culturais possíveis. Ainda que sejam vários os ajustes necessários em ambos os prédios, a nova situação e o cenário futuro contrastam largamente com os mais de 70 anos em que Ponta Grossa não teve uma biblioteca central com sede fixa. Ou então, basta comparar o crescimento das iniciativas do Conservatório, do Coro e da Orquestra nos últimos três anos com as limitações da atual sede, na Rua Teodoro Rosas. Vale lembrar que o projeto do complexo cultural inclui, ainda, a criação da pinacoteca no próximo ano.

Outros acontecimentos:

– O blog Crítica de Ponta, do curso de Jornalismo da UEPG, lançou coletânea de críticas da nova gastronomia de Ponta Grossa. Produção de consulta oportuna, dada a fase de revalorização de botequins, consumo de cerveja artesanal, petiscos e abertura de novos cafés na cidade durante o ano que passou.

Reportagem de Rafael Schoenherr (professor do curso de Jornalismo/UEPG e membro do Conselho Municipal de Política Cultural)

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