A cura está na terra

Por Desirée Pechefist

Sigo na Rua José Denezuk, no bairro Ronda, e chego até o Instituto Mantra-Sabedoria Universalista. O chefe do grupo, Rodrigo Caetano, me guiou até a entrada. O ambiente é simples, mas bastante aconchegante. Logo de cara, vejo uma lâmpada azul, que reflete sob um quadro de uma deusa hindu. Ao lado, um quadro inca. Essa mistura se dá porque o instituto usa a prática do Sistema Universalista (Universalismo Prático), que é o estudo da filosofia Cristã, Hindu, Xamânica e do Budismo para o despertar da consciência.

Sento em um sofá xadrez e, em minha frente, observo a esposa de Rodrigo em uma posição de meditação. Espalhados pela sala, alguns instrumentos cheios de simbologias utilizados pelo xamanismo, como filtro dos sonhos, o bastão da chuva e o chocalho sagrado.

Ao ser questionado sobre as atividades realizadas no Instituto, Rodrigo explica: “temos palestras, meditações, orações e mantras, pois o som é científico, ele influencia na parte sentimental do ser humano. Nós estudamos budismo, hinduísmo, depende o que a época do ano comemora. Mas a busca é por um grupo humanista, onde relacionamos a natureza, mecânica celeste, com o pensamento. Uma junção da ciência e da filosofia”.

O instituto, que não tem fins lucrativos, é aberto a simpatizantes da vida espiritual e esotérica.  Bastante recente, foi fundando em abril de 2014 e é aberto a todos os interessados.

Em novembro, o instituto estava em reformas por conta da segunda “sala-luz” do espaço. O projeto é de uma sala dedicada ao diálogo inter-religioso e intercultural com base na preservação das tradições antigas e na comprovação prática através do uso da Ayahuasca.

Rodrigo conta que, motivado pela vontade de ajudar as pessoas e de compartilhar conhecimentos espirituais, o Instituto nasce de uma reunião entre ele e amigos, que decidiram as religiões, ensinamentos e doutrinas que seriam estudadas.

Dedicado ao xamanismo, cultura indígena, esoterismo, gnosticismo, ufologia, plantas e animais de poder, o grupo utiliza técnicas orientais de meditação, concentração, oração e mantras com a finalidade do desenvolvimento interior e a comprovação da espiritualidade humana através da Ayahuasca.

Ali, o contato com a natureza é muito forte. A proposta é realizar o xamanismo, adaptando o ambiente das tribos aos centros urbanos. “Não existe coisa mais linda do que fazer uma reunião sob o céu estrelado, em uma chácara afastada, na luz de uma fogueira, sentindo os espíritos da natureza e o vento bater em você. Mas o objetivo é ajudar as pessoas, e um local afastado não seria de fácil acesso, muito menos o grupo chegaria a essa pessoa. Então fazemos um ‘xamanismo de salão’, com tambores, chocalhos, defumações, mas tudo na cidade”, explica Rodrigo.

O vinho das almas

Cipó dos mortos, liana dos espíritos, Daime, Yagé. Vários outros nomes caracterizam a bebida utilizada por tribos indígenas sul-americanas para rituais espirituais e de cura, conhecida como ayahuasca. No Instituto ela é uma ferramenta complementar, um instrumento utilizado como um meio e não um fim, como relata um participante que não quis se identificar.

Para ele, a bebida é um intercâmbio pessoal, mas o fundamental não é ela, e sim a espiritualidade.

“A ayahuasca compreende coisas que no raciocínio normal não se vê lógica. É um processo físico mais rápido de compreensão, e também uma condição de se ter acesso a uma conexão com o universo. Mas essa experiência varia de pessoa para pessoa”, conta.

Rodrigo complementa falando que o objetivo do Instituto é ajudar os membros a buscarem a auto realização, e a ayahuasca serve de apoio. Para ele, a bebida deve ser usada como meio de ajudar as pessoas a encontrar o próprio caminho, por isso não deve ser algo para se obter lucro, pois a venda indiscriminada faria com que a usassem como droga.

A Ayahuasca vista pela lei

A Ayahuasca desencadeou recentemente uma nova visão nacional acerca do seu uso. Em 2008, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, recebeu representantes dos centros que integram os três troncos fundadores das doutrinas ayahuasqueiras solicitando que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) instaurasse o processo de reconhecimento do uso da ayahuasca em rituais religiosos como patrimônio imaterial da cultura brasileira, como método de preservar formas de expressão ancestrais.

O objetivo de tornar ayahuasca como Patrimônio Imaterial da Cultura Brasileira é de lutar pelo pleno reconhecimento de seus direitos culturais e religiosos, contemplando a dimensão sociocultural do seu uso. Em maio de 2011, foram realizadas no Acre reuniões técnicas do Departamento de Patrimônio Imaterial do Iphan com representantes da Câmara Temática de Culturas Ayahuasqueiras e da Câmara Temática do Sistema Municipal de Cultura de Rio Branco.

Para a ayahuasqueira Ires Eloá, tornar a Ayahuasca como Patrimônio Imaterial e CuItural seria um respeito com a medicina e todos os seus benefícios e história, mas ela acredita que esse processo não traga necessariamente mais respeito por parte da população. 

“Eu achava que ia ser mais uma curtição”

Com uma música suave para elevar o estado de consciência, começa o ritual onde será servida a Ayahuasca. A orientação é de que os membros fiquem em silêncio, sem conversas para não atrapalhar o desenvolvimento interior individual. É feita uma oração de limpeza e defumação.

A primeira sessão de Ires Eloá estaria acontecendo em São Paulo, em 2013, após ser convidada durante treze meses seguidos pelo dono de um bar que ela costumava frequentar.

“Eu sempre fui uma garota esforçada, sempre trabalhei, estudei, corri atrás de meus sonhos. Mas desde meus quinze anos fui usuária de diversos tipos de entorpecentes. Até o ano de 2013, aos 23 anos, nunca tive problemas com isso, era um uso recreativo que não me deixava longe do que eu realmente fui, mas comecei a desenvolver traços de síndrome do pânico e depressão”, relata.

“Na primeira sessão eu tive uma experiência que tempos depois fiquei sabendo que se chama cirurgia espiritual. Senti um velho índio tocando em minhas pernas, águias douradas sobrevoando sob minha cabeça, e o mal saindo pela energia das mãos do velho índio. O toque era tão forte que fiquei em duvida se existia alguém me pressionando. Quando abri os olhos, os irmãos estavam sentados cada um em seu cantinho e não havia ninguém me tocando. Na hora senti uma alegria e chorei de emoção”, relembra Ires Eloá.

A participante conta que cada vez que ela toma o chá, as experiências são diferentes, e que com o tempo ela pôde obter outros ensinamentos, como por exemplo, como proceder de uma forma melhor com seus familiares, amar mais as pessoas, querer o melhor de todos, se livrar de apegos e viver em sintonia com a natureza.

“Você nunca mais verá as coisas como antes, o modo como você vai olhar para as coisas e pessoas é como energia e não matéria. Hoje estou grávida e, por recomendações médicas, não estou tomando o chá, mas em casa tenho o apoio de todos, pois minha mãe viu o bem que o chá me trouxe”.

Com alegria, Eloá conta que esses grupos são como uma família, onde todos são irmãos e querem o bem do próximo, mas se entristece em saber que ainda existe muito preconceito, pois as pessoas pensam que é um encontro para o uso de drogas. Hoje ela participa de grupos online no Facebook que os frequentadores do Instituto Mantra também integram.

“Para mim, é um prazer contar minha história e falar sobre esse assunto. Eu estava perdida na capital dos malucos (São Paulo), e a medicina da floresta, a Ayahuasca, mudou a minha vida. Os problemas psicológicos e físicos que eu tinha, hoje não existem mais”.

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