A história negra de Ponta Grossa

Por Arieta Valherri de Almeida

No quilômetro 360 da rodovia PR-151, que liga Ponta Grossa a Palmeira, também conhecida como Deputado João Chede, um pouco depois do Golf Club da cidade, encontra-se a Colônia Sutil. Colônia essa que faz parte da história negra dos Campos Gerais, sendo uma das três comunidades quilombolas de Ponta Grossa. A viagem de carro leva por volta de 40 minutos. O primeiro ponto de referência dentro da comunidade é a igreja católica que a maioria dos moradores frequenta nos finais de semanas.

A semana havia sido chuvosa, e a estrada que corta o vilarejo é de terra, o que dificultou um pouco o acesso até o nosso destino. E parece que o destino de alguns moradores também, tendo em vista que no caminho nos deparamos com um carro atolado no barro, enquanto moradores prestaram ajuda ao motorista. Esses mesmos habitantes que mesmo saudando aos novos visitantes se mostram desconfiados.

O destino dessa estrada de terra é a casa da família Gonçalves. A família Gonçalves é uma das famílias que moram na Colônia Sutil desde muito tempo, descendentes de escravos e dos poucos “herdeiros” daquelas terras. Eles não se sentem pressionados ao abrirem suas portas para que sejam feitas entrevistas ou até mesmo visitas. A jovem Ana Letícia Gonçalves, de 20 anos, recebe a todos com um sorriso no rosto e faz com que se sintam em casa. Para explicar melhor a história da vila,ela nos leva até sua tia, Neivair de Jesus Gonçalves.

Para chegarmos até a casa da dona Neivair, mulher com 54 anos de muita sabedoria e experiência, percorremos cerca de dois quilômetros e meio de carro. A sétima filha do senhor Deodato Gonçalves recebe a cada um que visita sua casa de maneira sorridente e muito gentil., dando a impressão de que aquela não era a sua primeira entrevista. E não era mesmo, já tinha conversado com historiadores, repórteres e professores que visitam a colônia. Fez questão que nós sentássemos em um lugar confortável da casa e, antes de começar a entrevista, fez algumas brincadeiras de como estávamos sérias, “vocês já estão sentadinhas e comportadinhas como repórteres”. Com todo seu entusiasmo, ela começa falando da história da colônia.

Um pouco antes da oficialização da abolição da escravidão em 1888, a história já vinha sendo escrita no distrito da Freguesia de Palmeira, no Paraná, em 1854, na Fazenda Santa Cruz. Quando a rica fazendeira Maria Clara do Nascimento, em dezembro de 1854 faleceu, deixou as terras da fazenda que a pertenciam para duas de suas escravas, relembra Neivair. A Colônia Santa Cruz também faz parte dessa história, tendo em vista que ela e a Sutil antes eram uma só, como acrescenta Neivair. As terras somavam 6.530 hectares de extensão, segundo o site afrodescendentes da Lapa.

Quando questionada sobre sua própria história de vida, Neivair conta que sua família, descendente de escravos, sempre morou naquelas terras. Ela pede para que Ana Letícia, sua sobrinha, a ajude a encontrar algumas fotos para nos mostrar. A mulher nos traz uma diversidade de álbuns fotográficos de família e folheia um a um, apontando cada parente e falando um pouco sobre eles e também mostrando a evolução da própria vila que estava registrada nos álbuns amarelados, que carregavam um enorme significado para ela.

Neivair conta que foi morar na colônia com 15 anos, seu pai mudou-se para a cidade por um período em busca de novas oportunidades e de sustento para seus seis filhos. “Mas ele não sabia que viriam mais seis”. Já com doze filhos, ele voltou para Sutil, terras onde a família mora até hoje. E acrescenta que ele acabou não sofrendo tanto quanto os seus irmãos mais velhos que nasceram na colônia.

Ela conta com muita animação que sempre se viu ativa dentro da comunidade “eu sempre fui muito intrometida”. Uma mulher que sempre lutou por seus direitos, e desde muito nova conta que participava de reuniões que aconteciam, sempre questionando tudo que lhe era oferecido. Atualmente ela é a presidente da associação quilombola da Colônia Sutil. E em meio às suas anedotas e desabafos, mostrava sua consciência política e crítica com relação aos ataques que a comunidade quilombola vem sendo alvo.

A dona Neivair nos entreteve com as sua histórias e bom humor por mais ou menos uma hora, tempo esse que passou de maneira tão rápida e inesperada que ficamos chocadas, afinal ainda queríamos caminhar pela comunidade e fotografar o local. Na saída ela ainda nos convidou a voltarmos em outros momentos, com menos pressa.

Decidimos que caminhar pelo vilarejo era uma boa ideia e fazer o trajeto a pé seria uma experiência totalmente diferente da de carro, que fizemos quando chegamos. A primeira parada foi o cemitério local, Ana Letícia nos conta que o cemitério até alguns anos atrás era usado apenas pelos moradores dali, mas algumas pessoas de fora estavam vindo enterrar seus parentes no local também. Descendo a estrada novamente acabamos voltando para a igreja católica, local onde acontece a maioria das festas religiosas da colônia, reunindo diversos devotos e moradores.

Resolvemos fazer a volta e subimos pela estrada que havíamos chegado de carro. Na volta, passamos pelo campo de futebol da vila. Como era sábado à tarde, cerca de dez meninos travavam uma partida de futebol amistosa entre eles. Ao final da caminhada, havíamos percorrido cinco quilômetros sentindo a natureza local. E mesmo depois de ter percorrido essa distância, a frase da dona Neivair em tom de desabafo: “dizem que é a época que todos somos iguais… é pura bobagem”, depois do silêncio e um suspiro, ainda martelava em nossa mente.

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