“A literatura nos ajuda a sermos melhores e nos prepara para um país melhor”

São 40 anos de carreira, mais de 100 livros publicados e muitos prêmios. Ana Maria Machado, escritora de clássicos da literatura infantil e juvenil esteve em Ponta Grossa para participar da II Flicampos e reuniu cerca de 150 pessoas numa conversa sobre leitura, inspirações e obras. Em entrevista ao Cultura Plural, após longa sessão de fotos e dedicatórias, a atual presidente da Academia Brasileira de Letras falou sobre rotina, os ônus do cargo que ocupa, dos desafios e avanços na literatura brasileira e mais. Confira a seguir.

 

Cultura Plural: Qual a rotina de uma escritora renomada e como se organizar entre os compromissos para ter tempo de escrever?

Ana Maria Machado: Eu gosto de escrever de manhã, então eu acordo muito cedo, vou escrever um pouco, depois tomo café da manhã, depois dou uma caminhada no calçadão na beira da praia, aí volto e escrevo mais e de tarde faço as outras coisas que tenho que fazer. Isso até quatro anos atrás quando eu passei para a diretoria da Academia Brasileira de Letras, porque eu tenho que ir todos os dias para a Academia e aí sobrecarregou muito, então nem sempre estou conseguindo escrever. Mas isso vai acabar, em dezembro vou retomar a minha vida pessoal e voltar a minha rotina.

CP: Que tanto incomoda escrever menos? Faz muita falta?

Ana Maria: Está me incomodando. Não sei se é escrever menos, acho que é ter menos tempo para estar comigo mesma. É como se eu tivesse necessidade de um recolhimento, e isso está me faltando, um silêncio.

CP: Considerando a ideia de que jovens e crianças já não são como antes, como produzir conteúdo literário para as novas gerações?

Ana Maria: Com toda certeza os novos escritores vão escrever diferente, mas não acredito que temos que nos adaptar ao público, temos que escrever o que é verdade para a gente. Então, eu vou mudar ou estou mudando a escrita na medida em que eu pessoa estou mudando, não acho que é uma decisão prévia.

CP: Se existe de fato uma competição pela atenção das crianças e jovens, como lidar com a tecnologia (internet, redes sociais, videogames)?

Ana Maria: Não vejo como uma situação de competição não. Acredito que essas atividades se complementam. Acho que nunca se leu tanto ou se escreveu tanto como depois da chegada da internet no Brasil. Pelo menos nós éramos muito mais analfabetos antes. Acredito que são circunstâncias que se complementam, se completam.

CP: A senhora vê como um problema a disponibilidade de livros na internet para download?

Ana Maria: Depende. Acho que a princípio é muito bom ter livros para download, desde que seja pago. A questão é que as editoras e o escritor precisam viver, vivem disso. Leva-se leva quatro anos para escrever um romance para depois distribuir de graça, ainda não dá.

CP: Que grandes mudanças a senhora pode apontar no campo literário do Brasil?

Ana Maria: Eu estou muito envolvida dentro desse campo, não tenho como ter distância para analisar sob uma perspectiva assim tão ampla. Acho que hoje tem uma coisa muito boa, muito positiva, é que tem muito mais gente escrevendo, uma quantidade de autores enorme, se tem muito mais tendências, muito mais diversidade, há vozes diferentes falando. É um reflexo de uma sociedade mais alfabetizada e isso é ótimo.

CP: Como a senhora vê o crescente consumo de best-sellers no Brasil? Até que ponto isso interfere na literatura brasileira?

Ana Maria: Sempre, sempre teve livros que fizeram muito sucesso e outros que não fizeram. E esses que fazem muito sucesso vendem extraordinariamente; depois saem de moda e aí você não ouve mais falar. Quem ouve falar hoje em dia em Vicki Baum, quem ouve falar em Cronin, que eram os escritores mais vendidos quando eu era adolescente, quem hoje se lembra de Meu pé de laranja lima? São livros que venderam enormemente e que chegam depois a um equilíbrio, encontram o nicho deles e podem em algum momento voltar. A gente presenciou agora um evento maravilhoso. Paulo Leminski que quase não vendeu quando estava vivo, de repente vira um best-seller agora. As coisas são assim, sobem, descem, não vejo problema nenhum.

CP: Depois de sete anos do início do Plano Nacional do Livro e Literatura, quais os principais avanços a senhora vê a partir do programa?

Ana Maria: Eu acho que a gente vem firmemente tendo incentivo maior na literatura a cada ano, há muito tempo. Existem esses programas de distribuição de livros, de bibliotecas nas escolas, enfim, isso existe há muito tempo. Antes desses de iniciativa governamental, houve os de iniciativa privada, que distribuíram acervos de literatura infantil em escolas de todo o país. Tudo isso vem estimulando, é um processo de continuação. É muito bonito a gente ver isso no Brasil, e dá resultado, já que temos tanta gente lendo e tanta gente escrevendo. Vemos resultados de várias políticas desse tipo, bem ou mal se entendeu que isso é preciso. Eu viajo muito pelo interior do Brasil, e não vejo mais escolas que não tenham livros. Hoje em dia no Brasil o problema não é mais o acesso ao livro nas escolas, o problema é o professor que não sabe o que fazer com esses livros que chegaram, porque em sua formação não teve contato com literatura. Mas estamos melhorando, estamos evoluindo.

CP: Um conselho para novos escritores.

Ana Maria: Leia, leia, leia, leia, leia e adie a publicação enquanto puder para não sentir que pagou mico depois (risos).

Reportagem de Hellen Bizerra

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