A marcante carreira artística de Orli Santos, a primeira Rainha do Operário Ferroviário

Por Cícero Goytacaz

Vivemos tempos de ascensão da luta feminina por seu espaço na sociedade. No futebol, especificamente, acompanhamos neste ano a primeira transmissão da Copa do Mundo Feminina de Futebol na TV aberta, marcando o crescimento da categoria do esporte e conquistando a torcida. Em aspecto regional, o Operário Ferroviário Esporte Clube, de Ponta Grossa, organizou em 2019 um concurso para a escolha da musa do time, representando a figura feminina nas arquibancadas que cresce a cada ano. Para falar mais sobre isso, nada melhor que ouvir da primeira rainha do Operário Ferroviário, Orli Goitacaz Santos, para conhecer suas experiências e o espaço conquistado por ela.

Orli tem 74 anos, é professora aposentada e mora em Ponta Grossa. Antes da vida docente, construiu uma breve carreira artística no estado, participando de programas de rádio, de televisão, atuando como cantora e apresentadora. Ter sido a primeira musa do Operário foi um grande marco desse período de sua vida. 

Admiração de infância

Ainda pequena, Orli passou a gostar do esporte. Era uma admiração de torcedora, gostava do ambiente dos jogos e de estar na torcida. “Eu sempre gostei do Operário, inclusive meu pai jogou no Operário antigo, mas acho que nem era profissional, era amador só e eu sempre ia desde criança com ele nos jogos”, conta, relembrando de suas primeiras experiências em um estádio de futebol, no meio da torcida. Ela relata também a diferença no acesso ao estádio, principalmente no que diz respeito à presença feminina que, segundo ela, era bem restrita. 

“Não era toda moça que ia aos jogos. Não havia grupinhos de torcedoras, as mulheres sempre estavam acompanhadas de seus pais, ou seus maridos, e sempre com roupas mais sociais, vestidos mais longos, era assim”, relembra, fazendo relação com os dias atuais: “Hoje é bem diferente, a mulher conquistou uma liberdade maior, porque é aquela história né: lugar de mulher é onde ela quer”.

Escolha da Rainha

Recentemente, o Operário Ferroviário realizou um concurso para eleger a “Musa do Operário”, vencido por Ana Luíza Javorski, em uma forma de homenagear e representar a torcida feminina nos estádios, que vem crescendo muito nos últimos anos. No entanto, na época em que Orli representou o Operário como “Rainha” do clube, a escolha foi diferente. “Eu fui Rainha do Operário em 1969. Na época, até muita gente não sabia que eu era a rainha porque não houve concurso”, relata. 

“Enquanto eu aguardava a nomeação de professora, fui trabalhar na sede do Operário, no escritório social do clube. Naquela época, dois executivos do Rio Grande do Sul, Arnaldo Gauer e Wilson Moreira, cheios da grana, vieram para Ponta Grossa com o intuito de vender títulos patrimoniais do Operário, prometendo melhorias para o clube”, explica. Orli observa que, nesta época, não se ouvia falar sobre rainhas e musas do time. “Simplesmente, o Arnaldo chegou para mim e perguntou se eu queria ser a ‘Rainha do Operário’, e eu respondi que não, não tinha condição alguma para isso. Mas ele persistiu e convenceu. Disse: ‘de hoje em diante, você é a Rainha do Operário! Todas as solenidades que o time promover, você vai representar o Operário’, e foi assim que aconteceu”, conclui. Orli foi rainha do Operário durante quatro anos.

Experiências da época

Apesar de estar em um ambiente amplamente masculino, Orli comenta que não sofreu nenhum tipo de preconceito, desrespeito ou assédio no período em que foi rainha do Operário, mas ressalta as caraterísticas das restrições ao público feminino. “O traje de rainha era social, não apresentava, como diziam, ‘escândalo’ nenhum. Nas solenidades eu sempre comparecia e comigo não tinha aqueles problemas de piadinhas, ‘cantadinhas’ assim sabe, eu não recebia”. 

Para Orli, um dos principais momentos como Rainha do Operário foi no dia primeiro de maio de 1969, aniversário do clube, quando o Clube Atlético Paranaense realizou um amistoso com o “Fantasma” no Estádio Germano Krüger, em Vila Oficinas. “Naquele tempo, estava jogando no Atlético o jogador Bellini, que foi capitão da Seleção Brasileira campeã da Copa do Mundo de 1958, e eu participei da homenagem feita ao jogador, o presenteei com um ramalhete de flores e o fato repercutiu muito na ocasião, até estampou a capa do jornal Diário dos Campos”, conta emocionada.

A “Rainha do Operário” acompanhava o time nos jogos pelo estado. Orli relembra com alegria dessas viagens, destacando o ambiente de festa da torcida, que sempre trilhava os caminhos ao lado do time do coração. “Eu me divertia muito. Às vezes meu pai não ia ao jogo, pois ele viajava muito, aí eu ia com minha irmã menor, pequena, que não gostava muito de ir, pois ela não via atrativo nenhum. Aí eu prometia que se ela fosse comigo, eu compraria muitos doces, refrigerantes, tudo isso para convencê-la, para despertar interesse nela”, recorda.

“Era divertido também porque a torcida do Operário era muito fanática, apaixonada de verdade. Inclusive quando ia jogar contra o Caramuru, em Castro, lotava vagões e vagões de torcedores”, relata Orli. Ela diz que a viagem de trem era bem cansativa, mas todos mantinham a animação durante o percurso. “A chegada à estação então era a maior festa, pois tinha aqueles que não podiam ir ao jogo e recepcionavam os que foram e também os jogadores do Operário, que voltavam juntos. Era muito legal”.

Carreira artística

A vivência artística de Orli Santos é muito grande. Quando jovem, participou de ações sociais, atrações artísticas, sempre presente em muitos eventos locais. “Tenho uma foto, com dois anos, cantando na concha acústica aqui da Praça Barão do Rio Branco”, conta. “Depois continuei em programas infantis, participei com o Luis Frederico Deitman, que era um grande incentivador naquela época de programas assim, posteriormente fui vocalista de uma banda aqui de Ponta Grossa”, completa. 

A atuação como cantora proporcionou a ela suas primeiras experiências como apresentadora, pelo canal 12 de Curitiba, que pertencia à Rede Globo. Integrou a primeira fanfarra feminina de Ponta Grossa, pelo Instituto de Educação: “Éramos convidadas em outras cidades, desfilávamos em Curitiba, participamos dos aniversários de Piraí do Sul, de Jaguariaíva. Infelizmente fiquei sabendo que fanfarra exclusivamente feminina acabou, era uma sensação na época”. 

Feliz, compartilha uma das melhores oportunidades que bateram à sua porta: ganhou um concurso na década de 60, em Curitiba, no Programa Mario Vendramel, pelo Canal 12. Era um show de calouros e ela cantou uma música da cantora Angela Maria, que estava presente e elogiou sua atuação, dizendo que a voz de Orli se parecia com a sua. “No dia, até veio um representante da gravadora Odeon, já com a letra de uma música para que eu gravasse. Então, a partir de caloura, passei a fazer parte do ‘cast’ artístico do Canal 12, e passei a fazer, junto com o Mario Vendramel, shows no literal e apresentações em cidades do interior. Infelizmente, apareceram motivos maiores que me afastaram da carreira artística”, relata.

A frustração

Em meio a tantas boas histórias, Orli conta que o meio artístico era muito mal visto naquela época: “Comigo teve um problema que, quando fui nomeada professora, no Colégio General Osório, a diretora me chamou em seu gabinete e disse assim: ‘Orli, de hoje em diante, você é professora! Esqueça que você é cantora, esqueça que você é artista, porque não fica bem um pai de aluno estar num restaurante, num teatro ou vendo televisão e ver a professora do filho dele estar se exibindo!’, então aí eu tive que encerrar a carreira”.

“Hoje eu poderia estar me aposentando como artista. Tenho orgulho de ter seguido carreira de professora, mas na época eu senti bastante, porque gostava muito de cantar”, desabafa. Ela acrescenta que também havia a reprovação de seu pai em relação à carreira artística: “O meu pai também não gostava, ele não queria que eu cantasse. Tanto é que uma vez ele me disse ‘se você tivesse sido artista, hoje você já estaria no quarto ou quinto casamento. Minha mãe incentivava muito, era o dia mais feliz para ela quando eu me apresentava, já meu pai não. Sabe como é, descendente de italiano, bem enérgico, rígido, ele não aprovava”.

Mensagem final

 Para encerrar, Orli deixa uma reflexão para as gerações mais novas: “É aquilo que as pessoas dizem: lutem pelos seus sonhos! Se você gosta de fazer algo, não dê ouvidos aos outros. Hoje a mulher está cada vez mais conquistando seu espaço, chegamos até a ter uma Presidente da República, então por aí a gente vê que mudou muito do que a mulher pode fazer e ela pode fazer de tudo”.

Ela encerra deixando uma mensagem de incentivo para as mulheres jovens, não apenas no que diz respeito à torcida e sua presença no futebol e em outros esportes, mas em qualquer outra área profissional, compartilhando mais uma história de sua vivência artística: “é bonito ver cada vez mais mulheres no estádio, uma nova ‘Musa do Operário’ foi eleita recentemente, que sigam em frente e sejam felizes”, diz.

Orli relata que, na época em que participava do meio artístico, teve oportunidades de ter contato com vários cantores da Jovem Guarda e lembra especialmente de um baile em Ponta Grossa em que o Cantor Tony Campello, irmão da Celly Campello, veio se apresentar. Após a apresentação, ele a tirou para dançar, fato registrado em uma foto. “Tive experiências incríveis, por isso que é preciso aproveitar a vida, viver os momentos e as oportunidades que aparecem, pois a gente não sabe o dia de manhã. Que vivam o dia de hoje como se fosse o último”.

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