A vida vista por outros olhos

Em uma tarde ensolarada de quinta-feira na cidade de Ponta Grossa, peguei o ônibus com destino à cidade de Sengés, Paraná, minha cidade natal que fica localizada a cerca de duas horas e meia de Ponta Grossa e conta com aproximadamente 20 mil habitantes. Em Sengés fui ao encontro da dona Gilma Maria Jorge, uma senhora simpática e muito conhecida pelo povo sengeano, moradora da cidade desde que nasceu há 61 anos. 

Há 40 anos, Gilma mora numa casa localizada num terreno atrás da Câmara Municipal da cidade, com um amplo quintal, que possui muitas flores e árvores que ela mesma cuida. Essa é a mesma casa em que meu pai morou com meus avós e meus tios na sua infância. 

O dia estava bonito, fazia em Sengés 26 graus. Gilma me recebeu com toda sua alegria e simpatia, me esperava em pé, na parte de fora da sua casa. Sentamos no sofá da sala, no mesmo lugar que eu já havia sentado em uma visita anterior e ali mesmo começamos a conversar sobre a vida. Apesar de ter tido uma vida muito difícil desde sua infância na área rural, trabalhando desde cedo ajudando seus pais no sitio e compartilhando os dias com seus outros 16 irmãos, sendo eles nove homens seis mulheres, Gilma, que se define como a número 11 dos irmãos, conta suas histórias de forma alegre e espontânea, sempre mexendo as mãos e sorrindo. 

Com 23 anos no ano de 1980, Gilma se casou e saiu da área rural, foi morar com seu marido em uma casa na área urbana de Sengés. Seu esposo na época trabalhava numa empresa da cidade e assim os dois tentavam construir uma nova vida. Os anos se passaram, os dois então foram morar na casa localizada na Rua Osvaldo Cruz, e lá ela engravidou pela primeira vez, nesta mesma casa que ela mora atualmente com sua neta mais nova. 

Quando engravidou, teve um aborto indesejado, ficou doente e teve que ser internada. Ao ser internada, o médico na época achou que seu bebê estava morto e encaminhou para fazer uma curetagem. Ao fazer o procedimento, constataram que o bebê ainda estava vivo, ficou durante seis meses num hospital na cidade de Jaguaríaiva para tentar salvar seu filho que, ao nascer, conseguiu sobreviver por apenas duas horas. Depois de fazer tratamento, conseguiu ter a sua primeira filha chamada Maria, depois dela veio o segundo chamado Neto e por fim o caçula Muriel. 

Após o nascimento do seu último filho, Gilma teve problema de rim e fez sua primeira cirurgia. Após a cirurgia no ano de 2015, em agosto, Gilma teve sua vida mudada. Com 59 anos, ao fazer o autoexame nas mamas, descobriu que havia um “carocinho” na mama direita, o que mais tarde, após ir ao médico e fazer vários exames, descobriu que era um nódulo e estava com câncer de mama. 

No início do ano de 2016, no dia 06 de junho de 2016, o médico marcou a cirurgia para fazer a retirada do nódulo do seio direito no Hospital Regional de Ponta Grossa. Moradora da cidade de Sengés e sem condições financeiras, ela ia com o ônibus disponibilizado pela Prefeitura, conhecido pela população como “ônibus da saúde” que leva todos os dias da semana muitas pessoas para Ponta Grossa para consultas e cirurgias, como foi o caso de Gilma. 

Depois de realizar a biópsia, foi constato que o câncer do seu seio direito era mesmo maligno e naquele momento, no hospital que ela havia sido encaminhada, não tinha o tipo de tratamento adequado para aquele tipo de câncer. Gilma então foi encaminhada para o hospital Santa Casa, enfrentou dificuldades ao chegar no hospital, pois teve que refazer todos os exames que já havia feito no Hospital Regional. “Tive que refazer todos aqueles exames de novo, até tomografia óssea para ver se realmente era só naquela região da mama que estava o câncer”.

Depois de todos esses procedimentos ela começou então a fazer a quimioterapia. “Eu iria usar 16 sessões só de quimioterapia, 4 vermelhas e 12 brancas porque tava no começo ainda o câncer. Mas quando tomei uma quimio vermelha, porque era de mês em mês para poder tomar, era muito forte, foram aplicadas seis ampolas de uma vez no braço direito”, conta.

Quando voltou para sua casa em Sengés, depois da segunda sessão de quimioterapia, Gilma já estava muito mal, sentindo fortes dores e então teve que voltar para Ponta Grossa. Depois de ficar internada, precisou ser transferida para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) e lá permaneceu por 16 dias. “Sai da UTI e fui pro quarto, fiquei mais 12 dias no quarto e ali sem conseguir me mexer, depois de alguns dias melhorei e recebi alta, fui liberada a voltar para minha casa, mas quando fiquei na UTI peguei uma bactéria que levou 1 ano e 7 meses para sarar”.

Após todo esse tempo doente, ela conta que quando já estava começando a andar, seu marido que estava ao seu lado em todos os momentos, veio a falecer de infarto fulminante no dia 21 de julho de 2017. “Quando o Jaime, meu marido morreu, eu fiquei fazendo transfusão de sangue em Ponta Grossa, saia de madrugada daqui e voltava no outro dia à noite, enquanto não terminasse eu não podia vir. Estou até hoje indo pra lá de seis em seis meses para fazer o acompanhamento médico, mas graças a Deus tá dando tudo certo até hoje”.

Depois de conversarmos por horas sentadas ainda no mesmo sofá, perguntei a ela o que tinha mudado em sua vida após a doença, e então olhando em meus olhos, com sua simpatia de sempre, Gilma respondeu: “Mudou muita coisa, principalmente a relação com os filhos, o cuidado que eles tem comigo, o amor deles com a mãe. Claro que eles já tinham antes, mas agora redobrou”. 

Ao encerrarmos nossa conversa, ela me oferece um café que estava preparando para quando eu fosse à sua casa e com um abraço encerra dizendo: “Temos que viver um dia de cada vez né, a gente nunca sabe o que vai acontecer amanhã, aproveitar viver os dias que estamos vivendo”.

Nos levantamos do sofá e fomos até a cozinha para eu experimentar o seu café e ver os panos que ela, com muito orgulho, disse que bordava. Depois do café e de mais conversas, me despedi de Gilma com outro abraço, ela me convidou para voltar em outra tarde na sua casa enquanto eu caminhava em direção ao portão para ir embora. 

Enquanto escrevia este texto, lembrava carinhosamente de cada conselho da dona Gilma e da frase que ela disse “Temos que viver um dia de cada vez”.

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