Gente amontoada numa variante de procissão fervorosa. Pessoas se empurram sem querer, seguem a marcha, andam a passos lentos, acompanham o fluxo da multidão. Alguns dançam, outros bebem, e todos festejam. Não é Dia de Todos os Santos, não é Dia de Nossa Senhora Aparecida, não é Natal, Ano Novo, nada do tipo. É outra coisa, algo singular, é Día de Muertos.
A tradição mexicana que movimenta os cemitérios e ruas do país pode ser comparada ao Dia de Finados comemorado em dois de novembro no Brasil. No entanto, o termo ‘comemoração’ se aplica fielmente no México, já que o costume reúne centenas e às vezes milhares de pessoas em eventos de ode à morte e aos que se foram. Segundo o sociólogo Arturo Santamaría Gomez, o Día de Muertos é um costume que deriva dos povos pré-colombianos e que ao princípio estava ligado a oferendas em agradecimento às boas colheitas. Conta Santamaría, que com a chegada dos colonizadores espanhóis houve a miscigenação da cultura indígena e católica, que resultou nessa tradição, reafirmada anualmente.
Diferente do feriado brasileiro, o mexicano se divide em duas partes. Em 1º de novembro se comemora o Día de los Santos Inocentes, data em que as pessoas vão ao cemitério para homenagear apenas as crianças que morreram. O costume é limpar os túmulos e enfeitar as lápides com doces e brinquedos que eram do gosto do ‘Santo Inocente’ (a criança). Já em dois de novembro, se comemora o Día de los fieles defuntos, em que o povo vai aos cemitérios pelos adultos falecidos. Nessa data as lápides também são enfeitadas com as comidas preferidas do defunto, com bebidas típicas e fotos. Em vários casos se contratam músicos para cantar sobre o túmulo enquanto os parentes participam da homenagem. Algumas crenças populares ensinam que o Día de Muertos reaproxima os vivos dos entes queridos que já morreram, e que nesse tempo eles aproveitam as comidas e a cantoria.
Arturo Santamaría explica que embora forte, a tradição mexicana se transformou muito. “Hoje as festas se tornaram um espetáculo e se perdeu a solenidade”, diz. Segundo ele, a data é típica das classes populares, mas está se convertendo em atração turística. Para Isabel Moreno, 33, o dia faz parte dos mexicanos e não há sinais de que se perderá o costume tão cedo. “É uma tradição importante que temos de deixar para os nossos filhos, faz parte de quem somos”. A aposentada Maria Del Carmen Zazueta, 58, afirma que após tantos anos e mudanças no país, a data é um dos poucos aspectos da cultura que não se perderam. “Perdi um filho em 1980 e desde então vou ao cemitério homenageá-lo. Passe o tempo que passe não esquecemos nossos mortos”, comenta.
Alguns jovens, porém, veem o Día de Muertos como uma obrigação passada de pais a filhos e que já perdeu seu verdadeiro sentido. “Eu não gosto da ideia de que só tenho esse dia para homenagear meus parentes, temos todo ano pra fazer isso”, afirma o estudante de Ciências da Comunicação, Daniel Soto Peña.
Outro traço muito presente na comemoração são as caveiras e os disfarces de terror que se aproximam das fantasias de Halloween. ‘Catrina’, espécie de rainha das caveiras, caracterizada por vestir trajes do século XIX, é uma das personagens mais marcantes do dia. Além disso, comemorações são realizadas à noite, com música, danças e desfile de pessoas fantasiadas. Santamaría conta que a tradição do Día de Muertos está mais presente em alguns estados específicos do México, como Michoacán, e em cidades pequenas. Para o sociólogo a comemoração destaca um traço peculiar dos mexicanos – a diversão. “Nós mexicanos brincamos com a morte, fazemos piada dela”.
Reportagem de Hellen Bizerra
Material veiculado no Foca Livre, jornal laboratório do curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
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