Entrevista: Nadine Sansana
Edição: Jessica Grossi e Matheus Gaston
A entrevista com Alcidina Ayres Rodrigues foi realizada em abril de 2019, na Rádio Sant’Ana, em Ponta Grossa, pela estudante de graduação em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Nadine Bianca Sansana, como parte da sua pesquisa de iniciação científica.
Alcidina Ayres Rodrigues nasceu em 1968 na cidade de Itaporanga, em São Paulo. Veio para Ponta Grossa na década de 1990, a convite do radialista Erondi Milléo. Atualmente, Alci Ayres, como é conhecida, atua como locutora na Rádio Sant’Ana.
Poderia falar rapidamente da tua trajetória profissional, onde e quando começou a trabalhar?
Eu tenho contato com o rádio a vida inteira, desde a barriga da minha mãe, porque em casa só se ouvia rádio e naquela época, quando nasci, não tinha a TV em casa. Então, acordava ouvindo rádio e dormia ouvindo rádio. Era apaixonada por aquele mundo imaginário, ficava imaginando como era dentro do rádio, bem coisa de criança e que as crianças de hoje não tem. E a paixão foi crescendo, sempre sonhava. E, enquanto as minhas amigas queriam brincar de casinha, de boneca, fazer comidinha, e os meus amigos queriam jogar bola, eu queria brincar de circo, de rádio, queria dançar, cantar, falar, apresentar. E aí eu fazia um acordo com eles: brincava um pouco com eles, pra eles depois se tornarem meu público. Então eu fazia um showzinho debaixo da árvore, pegava as coisas da minha mãe (ela ficava muito brava), pegava os cintos dela e amarrava em alguma coisa pra fazer de microfone. Enfim, já eram as minhas brincadeiras de criança. Sempre gostei de ouvir os comunicadores da época e sempre gostei mais do entretenimento no rádio. Ou seja, levar as boas notícias, a descontração, a boa música e o esporte também. Gosto muito até hoje.
Mas aí eu fui por outros caminhos: fui ser babá com 9 anos, perdi meu pai ainda cedo e ele era caminhoneiro. Trabalhei de babá por uns sete anos, até um pouco antes dele falecer. Eu fui para o rádio porque eu era apaixonada. Até a mulher para quem eu trabalhava dizia impressionada de como eu gostava de rádio, pois eu amava ficar ouvindo rádio. Ela era professora e ele era advogado e, na época, foram um dos primeiros acionistas da rádio que foi montada na minha cidade de Itaporanga, no estado de São Paulo, uma cidade pequena, na época, de 30 mil habitantes. Rádio ali era uma novidade e eu fiquei encantada quando eles falaram assim pra mim: “você vá lá e dê uma olhada porque vai sair uma rádio aqui na cidade”. E nessa época eu já tinha saído da casa deles, tentado um outro trabalho fora, pois já estava com 18 anos, mas não deu certo. Então fui trabalhar em uma farmácia. Nunca consegui ficar em casa [sem trabalhar] e as pessoas iam atrás de mim. Por coincidência, essa farmácia era quase na esquina de onde estava sendo montada a rádio. O doutor Acir, que na época também era patrão da minha mãe, chegou e disse assim: “então, vai trabalhar na rádio?” Isso prova que meu ex-patrão já tinha falado com eles. Eu falei assim: “eu, trabalhar em uma rádio?” Aí fui falar com outro diretor, o majoritário, o senhor Arnoldo, que também já tinha sido patrão da minha mãe. Cheguei lá, vi aquilo e pensei assim comigo: “eu vou limpar essa rádio, mas eu vou estar trabalhando nela!” E era isso que me importava, na época eu ainda era estudante, tinha parado de estudar no segundo grau. E não estava nem acreditando, uma rádio na minha cidade! Me falaram que eu ia trabalhar com eles e começaram a me ensinar a fazer a parte técnica, a parte de discoteca e eu fiquei maravilhada com aquilo, pra mim era um sonho, eu não estava nem acreditando. Claro que eu larguei a farmácia.
Quando a rádio entrou no ar, eu estava lá, fazendo mesa. Logo me ensinaram a fazer locução. Os primeiros programas que eu fiz eram gravados, fazia tipo uma parada musical e eu fazia mesa pra mim mesma. Eu fazia a técnica e colocava a minha voz. Naquela época era toca-discos. Se você me perguntar qual que era mais legal, antes ou agora, antes era muito mais legal. Apesar de toda a tecnologia, hoje é diferente, parece que antes era mais interessante, parece que exigia mais da gente e é bom quando a gente é mais exigido, a gente se doa mais e é mais capaz. Hoje eu acho que está muito pronto, tanto é que esses DJs de agora que a gente vê que é legal, mas está tudo pronto. Antigamente a gente tinha que fazer o som com a mão, com o disco, e era muito divertido. Então aprendi a fazer a técnica, a locução, fiz programas de todos os tipos com participações, programas sertanejos, de madrugada fazia personagens, já participei de novelas também, apresentei jornal, mas meu gosto maior mesmo é pelo entretenimento. Fiz muita fofoca de novela no rádio e foi uma das coisas que mais me fez conhecida no rádio. Era muito melhor fazer rádio antigamente. Acho que todos os profissionais da área da comunicação que trabalham hoje vão concordar comigo. Porque a gente tinha que ir atrás das coisas e quem conseguia a melhor informação, tinha a audiência garantida e conquistava uma determinada referência. Hoje não tem mais graça, a tua vizinha fica sabendo antes de você que trabalha no rádio, por causa da internet. Então é estranho essa tecnologia, essa modernidade, hoje parece que ficou muito fácil. Mas não é fácil, parece só, é mais difícil ainda, por que: como sair na frente com uma informação?
Eu sou do tempo do rádio que quando você estava na rua e você via um acidente, você ligava para a rádio e passava a informação. Você entrava em primeira mão com a notícia, parava tudo na rádio pra você entrar: não importava aonde você estava, quem era você, mas se você trabalhasse na rádio a gente tinha essa ideia, tinha algumas ordens, por exemplo, que poderia ser até a mulher do café, se ela visse alguma coisa era pra ligar para a rádio, trazer a informação porque a gente tinha que divulgar em primeira mão. Hoje não é mais assim, mesmo com o WhatsApp. Até mesmo por causa das fake news, como acreditar? Como confiar? Antigamente você podia confiar mais nas pessoas. Mas enfim, rádio é maravilhoso, é uma paixão, eu amo fazer rádio, gosto muito. Já são 32 anos de caminhada.
Comecei em uma AM, depois eu vim para o Paraná. Chegando aqui eu vim trabalhar na Rádio Sant’Ana. Trabalhei dois anos aqui e depois eu fui pra rádio Tropical, que hoje é a Rádio T. Fiquei muitos anos lá e, depois, por um tempo, vim trabalhar na Sant’Ana, que era AM na época. Eu trabalhava de manhã aqui e à tarde lá. Depois fiquei só trabalhando na Rádio Sant’Ana. Já faz quase 15 anos que eu estou por aqui e agora a Sant’Ana é um ano de FM. Agora com FM todo mundo pode sintonizar nos aparelhos modernos, o som de uma FM também é melhor.
Em que ano você veio para Ponta Grossa? E por que veio para cá?
Eu vim aqui para Ponta Grossa nos anos 1990. Na época eu trabalhava naquela primeira rádio, e o chefe majoritário tinha parentes aqui em Ponta Grossa, no caso o Erondi Milléo. E o Erondi foi dirigir a rádio na minha cidade. Conheci ele e sempre me falava das rádios do Paraná. Ele então me convidou para participar de um encontro de radialistas promovido pelo saudoso, já falecido, Aldo Mikaelli. Quando eu cheguei aqui, fiquei apaixonada pela cidade, naquela época você podia andar no meio da rua, porque não tinha perigo e a cidade era muito calma. Mas de repente ela foi crescendo e hoje não dá mais pra andar no meio da rua. Mas enfim, aí viemos todos morar pra cá, eu trouxe a minha mãe e minhas irmãs. Acabei me casando aqui e tenho um casal de filhos. Convites não me faltaram para ir para outros lugares, mas eu acabei me acomodando, porque primeiro gostei daqui e depois porque eu pensava nas crianças. Surgiram algumas oportunidades, mas eu preferi ficar. E não me arrependo, gosto de evangelizar no rádio. Aliás, desde que eu comecei a fazer rádio eu sempre falei de Deus. E estou feliz e realizada. Amo o que eu fiz. E eu sempre falo para os meus filhos, paras os meus amigos e ouvintes: faça como profissão aquilo que você faria de graça e você vai agradecer por estar ganhando por fazer o que você gosta.
Você comentou que quando começou a trabalhar era você quem comandava os equipamentos. Como eram esses equipamentos?
Até eu voltar pra trabalhar na Rádio Sant’Ana, eu operava os equipamentos. Depois não fiz mais porque aqui a gente tem o operador. E é bom porque a gente tem mais tempo pra se dedicar ao programa, pra interagir mais com os ouvintes, é gostoso também. Mas por muitos anos, desde a AM lá em São Paulo, eu já fazia mesa pra mim, porque na verdade lá eles resolveram inovar, na época ela era a primeira AM estéreo do interior do Brasil, então as inovações que eles levaram lá, uma dela era justamente colocar mulheres como operadora de som. Naquela época era uma inovação, não tinha mulheres DJs, fazendo mesa, só os meninos que faziam. Era difícil, claro, mas depois que você aprende é maravilhoso. Na época já aprendi a montar os cartuchos, porque tinha as cartucheiras. Aí tinha que montar os cartuchos com as fitas, colar, botar numa régua, todo aquele processo. Então aprendi a fazer gravação comercial naquelas máquinas de antigamente, agora é tudo por computador e tudo diferente. Mas naquele tempo era assim, você tinha que gravar uma vinheta, tinha que falar três vezes o nome da rádio, pra depois separar, tirar bem certinho no som pra montar. Hoje não, o locutor fala uma vez e pronto, e colocam vários efeitos. Essa é a vantagem de hoje: mais facilidade, menos pessoas trabalhando no rádio. Antigamente tinha muita gente: quando eu comecei tinha diretor artístico, era aquele que fazia o espelho da rádio, tinha o diretor financeiro, tinha o diretor que cuidava das gravações comerciais, tinha discotecário, programador. Agora as coisas mudaram tudo, está tudo diferente, foram diminuindo as pessoas. Os equipamentos foram se modernizando, depois veio o CD. Mas agora está tudo mais fácil com o computador.
Os riscos de antigamente eram assim: quantas vezes pegavam o disco riscado. Depois tinha a fita, que enrolava, aí vieram as cartucheiras, depois veio o CD que também riscava, era melhor, mas ainda riscava. Agora não, só se o computador travar ou dar uma queda de luz. Mas agora os riscos são bem menores. As rádios ficam mais tempo no ar também, antigamente era muito fácil um transmissor sair do ar. Eu já cheguei a trabalhar em uma rádio que ficou a semana inteira fora do ar porque o transmissor não estava funcionando. Hoje é muito mais moderno, em poucos minutinhos eles arrumam. Mas vale a pena, sempre vale a pena.
Como era a participação dos ouvintes?
Antes a gente recebia muita carta dos ouvintes, hoje é só pelo WhatsApp. Só que você tem contato com mais pessoas. Porque antes as pessoas vinham até a rádio ver você e o máximo que tinha era o telefone. Hoje não, elas continuam vindo te conhecer, ver a rádio, como funciona e para participar. Elas continuam ligando no telefone fixo, no celular, aí tem o WhatsApp da rádio, as redes sociais e e-mail, mas é muito bom saber que tem bastante gente ouvindo. Antigamente as pessoas escreviam muita carta e davam presentes para os locutores também. E até hoje ganhamos as coisas, às vezes ganhamos um bolo, pudim, flor, enfeites, ainda continuam sendo muito carinhosos com a gente. O radialista é um amigo do rádio.
Você comentou que já apresentou um jornal. Como eram feitas as apurações dessas notícias?
Normalmente com os mesmos critérios de hoje, tem que ter a fonte, ouvir as partes, para depois informar. Eu penso assim que era mais fácil, porém você tinha que correr atrás, por exemplo, você tinha que deixar os estúdios e ir atrás da notícia. As notícias que eu apresentava, geralmente alguém já tinha feito. Mas eu já fui repórter policial, de ir na delegacia, pegar aquelas folhinhas amarelas de ocorrência. Tinha que decifrar a letra do escrivão, de quem escreveu a ocorrência. Era um desafio muito grande, tinha que entrevistar o delegado e às vezes ou ele não queria falar ou não falava declaradamente, aí a gente sofria bastante pra passar aquela informação para o ar. Mas quando você pegava uma situação onde o entrevistado falava bem, nossa a gente ficava muito feliz. Era gostoso, mas ainda não era a minha “praia”, porque eu gosto de fazer uma coisa mais divertida no rádio. Fiz esporte também e comentário de futebol, reportagem de campo. Sempre tinha repórteres trabalhando nas rádios, principalmente estagiários. O legal é que você vai aprendendo no dia a dia com as pessoas, mas precisa ter vontade.
Atualmente, no seu programa, você também tem alguns momentos de informação?
Sim, na verdade as informações do meu programa são mais no sentido do que está acontecendo nas igrejas, no caso, por exemplo, as atividades que a igreja promove. Eu recebo essas informações pela Pascom [Pastoral da Comunicação]. Tem também os convites para eventos, mas o informativo mesmo eu não faço, isso fica com o pessoal do jornal. No meu programa tem algumas participações. Por exemplo, tem fonoaudióloga, depois tem psicóloga, temos a Pastoral da Saúde, tem um padre e tem a parte comercial. Eu sou mais apresentadora agora.
Quando eu fui fazer a participação com eles no esporte, teve uma coisa engraçada. Fui várias vezes e é muito legal fazer reportagem esportiva, só que não pude entrar nos vestiários para entrevistar. Fiquei lá em cima nas cabines fazendo comentários e anotando algumas coisas. Aí, do meu lado, tinha dois senhores bem de idade, naquela época eu tinha 18 pra 19 anos, mais ou menos, e eu estava lá anotando. Aí eles falaram assim pra mim: “você é repórter?” Eu falei: “eu era pra ser, mas como não posso entrar, fiquei de comentarista.” [Eles falaram: ] “comentarista? Ah, não! Temos que escrever sobre você.” Aí eles começaram a anotar meu nome, quem eu era, tudo, e começaram a fazer um monte de pergunta pra mim sobre esporte e eles falaram que eles eram do jornal Estadão, O Estado de S.Paulo. Só que eu era muito boba, depois que saiu alguma coisa, eu nem fui atrás. Eles falaram que eu fui a primeira mulher que eles conheceram que estava fazendo comentário de futebol. Só que pra mim isso era normal. Eu já entrevistei vários artistas também, como Sandy e Junior, O Rappa, João Paulo e Daniel, pessoas que não eram artistas [na época] e depois ficaram famosos.
Na tua opinião, o rádio tem função social?
Sim, porque nesses anos todos que eu trabalho no rádio, ele é um amigo para as pessoas. Sempre vai ter alguém ali no ar que vai levar alguma coisa que determinada pessoa está precisando, desde uma doação de sangue até o pedido de uma informação. O rádio tem muita utilidade. Uma promoção pode te dar o direito de escolher onde você vai comprar uma mercadoria, pelo preço. O rádio, além de oferecer tudo o que vai ao ar, ele também oferece fora do ar, porque as pessoas ligam no rádio pra perguntar e o que a gente pode, a gente faz. É quase como se fosse uma telefonista eletrônica. Sempre tem alguma informação pra dar e se não sabe, vai atrás e fornece a informação. Vai desde, por exemplo, de onde eu poderia castrar ou doar meu cachorro, ou desde um buraco na rua. Claro que antigamente foi melhor, porque você ia, falava com as autoridades e muitas coisas eram resolvidas. Hoje está mais demorado, acho que aumentou a população, aumentou a cidade e aumentaram os problemas. Mas o rádio sempre foi utilidade e sempre será um amigo com quem você pode contar. E é interessante que o rádio em si, pelo menos nós aqui, sempre estamos ao vivo, porque hoje em dia tem muita coisa enlatada. A TV você tem que parar para assistir. Você ligar uma TV pra conseguir uma informação é mais difícil, no rádio é muito mais fácil, a resposta é mais imediata. O rádio chega mais rápido até a pessoa e você pode levar ele, hoje em dia mais do que nunca com a internet, você leva ele para onde quiser. Hoje em dia não tem mais aquela história: “ah, o rádio não pega aqui”.
Sobre a transição do AM para o FM, como foi esse trabalho? Como foi a aceitação tanto para os profissionais do rádio como para os ouvintes?
Sobre a transição do AM para o FM acho que foi muito bem aceita. Os ouvintes gostaram muito, ficaram felizes, porque o rádio pega melhor. O AM tinha um som maravilhoso, mas, às vezes, você passava perto do rádio e ele saía do ar. Agora, com uma antena FM, você tem uma programação boa, um som melhor, com mais qualidade. Eu ouço as pessoas mais felizes mesmo e eu também, pelo fato de que a maior parte das pessoas não ouvia porque os rádios não estavam mais tendo a AM e isso dava uma tristeza. Essa migração foi muito boa por causa disso. O som é outro. A minha programação mudou um pouco porque agora a gente tem que tocar mais música do que a gente tocava antes e eu também mudei de horário. Antes da FM eu fazia meu horário da manhã e agora eu estou no horário da tarde, de maneira que tenho mais tempo pra tocar mais música.
A série de entrevistas com profissionais que atuaram e atuam no rádio ponta-grossense é fruto do trabalho da estudante Nadine Sansana, orientada pelo professor Sérgio Gadini, pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Estadual de Ponta Grossa, vigente entre os anos de 2018 e 2019. Sob o título Memórias de vida e trabalho na mídia regional dos Campos Gerais do Paraná, o projeto contribui com o acervo memorialístico radiofônico da cidade, tendo em vista a ausência de arquivos, registros e documentos sobre a história do rádio em Ponta Grossa.
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