Ameixas, ame-as ou deixe-as

Minha melhor amiga de infância foi uma ameixeira. Amiga enorme. Uns 10 metros hoje, porque na época parecia ter 30. Ela era (ou é?) uma ameixeira de “ameixa amarela”, como tive o desprazer de ler esses dias. Como assim? Ameixa é a amarela, é a outra que merece a distinção, a vermelha.

No quintal-pomar da minha infância, ela ficava no centro. Tinha também macieira, goiabeira, mangueira (mangueirinha), limoeiro, araçazeiro, além do galinheiro e do poço. A ameixeira era uma moça, eu uma criança e ele um senhor quintal.

Conhecia cada palmo do terreno, e da ameixeira cada galho. Sabia de cor em quais pisar e em poucos segundo já estava na copa. Trepar em árvores era uma habilidade muito prestigiada na infância de um menino e eu treinava diariamente, por horas, na minha ameixeira.

Tinha vários lugares em cima dela. Mas bem no centro da árvore, um prolongamento do tronco dividia- se em três outros galhos, era meu canto preferido. Ali ficava o capitão da nave, quando brincávamos de viajar pelo espaço ou o cérebro do robô gigante que salvava a cidade. Esse lugar especial era meu, menos por prestígio do que por ser na minha casa.

Mas minha relação com a ameixeira amadurecia (!) mesmo, quando ficávamos a sós. Brincar sozinho sempre foi mais divertido, talvez no início por falta de opção, mas depois de um tempo, eu preferi brincar só. E lá estava eu brincando, com o rosto e mãos lambuzados de ameixa.

Chorão que sempre fui, derramei lágrimas e lágrimas na ameixeira, sentado sob a sua sombra, em cima dela, em todos os cantos. Todo choro das brigas com minha mãe acabava nela. Outros prantos tinham início nos seus galhos, no chão, para ser mais preciso. Tombos e tombos decorrentes das vezes que me desafiava a tocar suas folhas mais distantes.

E longe ela foi ficando à medida que cresci. A rua passou a ser mais atrativa e a ameixeira se tornou mais uma árvore, das árvores que existiam atrás da minha casa. Meus pais mudaram-se. Nunca mais voltei lá.

Mais tarde e até hoje, ao ler a versão Leminski do jargão da ditadura militar e alheio a qualquer discussão política, lembro da ameixeira em que chorei, brinquei, que amei e deixei.

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