As construções que resistem ao tempo

Matéria produzida para o curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa

Os detalhes de contornos delicados e um tanto rebuscados compõem a edificação sólida de paredes duplas. A estrutura por vezes centenária é parte de um panorama que muda facilmente. A construção ganha rua asfaltada em torno, fios de energia elétrica, um prédio de linhas retas ao lado. Mas, por algum motivo, o espaço não foi substituído por outro nos moldes atuais.

São 54 os imóveis tombados em Ponta Grossa pelo Conselho Municipal de Patrimônio Cultural, o Compac. Outros oito espaços são tombados pelo Governo do Estado. Quase quarenta construções estão inventariadas, ou seja, em processo para possível tombamento. O decreto nº 25/37 defende: “Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”.

O tombamento pode ser solicitado pelo Governo Municipal, por membros do Compac, pelos proprietários dos imóveis e pelos cidadãos em geral. O Conselho foi instituído pela lei n° 6183/1999 e é composto por 21 membros. Tem função consultiva, deliberativa e normativa em relação a patrimônios culturais em Ponta Grossa.

A cartilha

Em agosto deste ano a Fundação Municipal de Cultura divulgou uma cartilha sobre a importância de preservação dos patrimônios culturais. Além das informações sobre processos de tombamento, o material traz as multas e infrações em relação a possíveis danos causados aos imóveis.

A diretora do Departamento de Patrimônio, Carolyne Abilhôa, explica que a cartilha foi pensada para expor à população algumas determinações do Departamento. “Buscamos regular as decisões em uma resolução. Acreditamos que o respeito vem a partir do conhecimento. A cartilha divulga o trabalho e a importância de preservação”, explica. A diretora acrescenta que o proprietário deve fazer a manutenção e restauração do imóvel tombado. “Caso haja alguma depredação é preciso realizar o conserto. Nos bens tombados, 70% do IPTU retorna para o imóvel”, explica.

Não é novidade que espaços como a Estação Saudade, Mansão Vila Hilda e Cine-Teatro Ópera são patrimônios tombados. Ma há outras construções menos conhecidas que também possuem esse título. Alguns são imóveis do município, outros construções particulares. De qualquer maneira, todas precisam conservar a fachada original, podendo fazer modificações internas.

As construções

Na rua Coronel Dulcídio, esquina com a Marechal Deodoro, funciona a Sede do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente há quase 18 anos. A assistente social Rose Bortuline explica que, antes do Conselho funcionar no prédio tombado, utilizavam uma sala da Concha Acústica. “Pleiteávamos sede própria, porque precisávamos de um local mais espaçoso já que o Conselho começou a crescer e ter mais identidade”, relembra. A assistente social acrescenta que na época foi realizado um levantamento de prédios municipais que poderiam ser usados. “Tinha recém saído deste local uma associação de xadrezistas. Ele (o prédio) estava desativado e nos ofereceram. O local passou por uma reforma com pequenas adaptações”, conta.

Rose diz que frequentemente crianças vêm até o local para perguntar a história e fotografar a construção para trabalhos escolares. “Não é tanto por curiosidade, mas sim uma necessidade. Faço questão de mostrar (aos estudantes) que é original e que temos o prédio tal qual era”, esclarece. A assistente social explica que os funcionários cuidam da parte interna do local para que se mantenha preservado. Mas, como qualquer construção antiga, é preciso fazer algumas restaurações. Há mais de um ano o Conselho solicitou uma nova reforma do assoalho e do teto da construção, assim como pintura externa.

“Alguns visitantes têm curiosidade em saber como é a construção. Com isso estamos fazendo duas coisas: preservando e tornando funcional um prédio que estaria em desuso ou sendo mal utilizado”, acredita.

Já na rua Sete de Setembro, a Residência de Flávio Carvalho Guimarães abriga um escritório de advocacia para clientes internos. Fabiana Aparecida Poloni trabalho no local e explica que o imóvel sofreu poucas modificações internas e externas. “Soube que funcionava uma pensão, então foram modificadas algumas divisórias na parte interna. No outro prédio (que faz parte do mesmo tombamento) trocaram a janela, mas mantiveram a estrutura, essa parte histórica, de deixar o antigo e não trocar por algo mais novo ou moderno”, conclui.

Na mesma rua funciona o Núcleo da Divisão Estadual de Narcóticos (Denarc), um órgão da policia civil especializado na investigação e repressão ao tráfico de drogas. Eduardo de Oliveira, delegado chefe do Denarc PG, explica que o Núcleo precisaria funcionar em um imóvel central, com pátio e área interna que comportasse as necessidades da equipe de investigação: “não procurávamos necessariamente um imóvel antigo ou tombado, mas foi o local que melhor satisfez as nossas necessidades para o trabalho”, relata.

O delegado conta que o espaço tem mais de cem anos e desperta curiosidade nos poucos visitantes do local. “O uso público no nosso caso, como não temos atendimento direto, talvez fique um pouco frustrado. Mas como qualquer outra destinação que fosse dada ao local, mantemos a preservação histórica”, diz.

Na Francisco Ribas outra moradia tombada é um escritório de advocacia. Mas, o uso é do próprio dono da construção, o advogado Helenton Fonseca: “A casa era da minha bisavó e foi passando de geração para geração. Depois de meu pai, me tornei o proprietário. Foi a casa da minha infância, onde eu posava com frequência. Tem um estilo interessante, pois apesar de ser construída em 1917, era moderna para época”, relata.

O advogado explica que a casa foi indicada para tombamento pelo seu valor histórico e que a família concordou. Helenton acrescenta que, apesar do abatimento no IPTU, o valor não é suficiente para a manutenção da edificação: “Só a última restauração que fiz há três anos custou 90 mil reais”, diz.

Marcia Dropa dá aula sobre patrimônios culturais e turísticos há 15 anos, tem doutorado na área e está encerrando sua participação no Compac. A professora defende que, caso o Conselho determine que uma casa têm valor histórico e precisa ser tombada, é necessário analisar o lado do proprietário. Afinal, uma casa tombada tem venda ou aluguel mais dificultados: “Quais serão as vantagens? O abatimento no IPTU. Mas não é o suficiente para manutenção. Então, por que o proprietário sozinho tem que carregar o ônus de preservação de memória e identidade da cidade?

Deterioração

Se a maioria dos patrimônios se mantém conservada, há algumas exceções. A casa Justus na Rua Balduíno Taques, por exemplo, está desocupada e com os vidros quebrados. É possível enxergar a parte interna do prédio, que possui lixo e fiação elétrica solta. Segundo o Departamento de Patrimônio da Fundação de Cultura, há uma ação permanente de fiscalização, em que servidores da Fundação ou cidadãos comuns podem fazer a denúncia. Se for verificado algum problema na estrutura do patrimônio, o proprietário é notificado.

Em relação a casos como esse, Marcia Dropa explica que nada pode ser feito a partir do município, porque não se pode investir dinheiro público em propriedades privadas: “toda e qualquer obrigatoriedade de conservação e restauro é de responsabilidade do proprietário”, esclarece.

A cultura do Patrimônio

Marcia acredita que o tombamento é umas das formas de conservação. Mas, antes dele, há tentativas de sensibilização da comunidade, ações de preservação do poder público, divulgação pela mídia e, ainda, educação patrimonial a partir das escolas. Caso essas tentativas não apresentem resultados, a medida mais radical é o tombamento. “Se existissem políticas de preservação efetivas, não teria necessidade de tombamento. E se não tivesse tombamento em Ponta Grossa, estaria tudo no chão”, afirma.

Marcia defende o uso de locais tombados pelo público não apenas ligado a museus ou galerias de arte. “A ocupação é excelente. Temos que mudar o pensamento que progresso significa construção nova e desenvolvimento significa derrubar o que é antigo e retrógrado para substituir por prédio de cimento, ferro e vidro”, diz. A professora explica que é preciso pensar na acessibilidade desses prédios, unindo crescimento econômico e urbanístico à preservação. “Não é tão congelado. Só não pode descaracterizar os elementos do local. A intenção é aliar a preservação da memória histórica e a identidade da cidade.”

Reportagem de Gabrielle Rumor Koster

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