Poesia, música, grafite, cinema, teatro. Essas deveriam ser palavras comuns e presentes no dia a dia dos cidadãos brasileiros. No entanto, sabe-se das dificuldades em encontrar e poder desfrutar de tais atividades nas mais variadas cidades do país. Produções culturais não faltam, mas os obstáculos para consolidação dos artistas independentes e divulgação para o público revelam um trabalho árduo que muitas vezes não é recompensado.
Editais de apoio
A prática de utilização dos editais para apoio à produção cultural é recente e não chega há duas décadas. As leis de incentivo à cultura surgiram em atendimento a reivindicações da categoria artística, que exigia que os governos criassem mecanismos capazes de proporcionar à produção cultural o ‘andar com suas próprias pernas’, sem depender diretamente dos organismos públicos.
Segundo dados divulgados pelo Ministério da Cultura em 2010, em publicação intitulada “Cultura em números”, de um total de 392 projetos publicados durante o ano pelo Ministério, 86 foram voltados à Região Sul, enquanto apenas 27 foram direcionados à região Centro-Oeste.
De acordo com o poeta e ator Maurício Nadal, o ganho proporcionado pelos editais faz parte de uma série de lutas da categoria. “Tenho certeza que se não fosse a batalha dos artistas que estão todos os dias na luta pra fazer o que amam e levar um pouco de sua arte não teríamos esses avanços no ponto de vista da captação de recursos via edital”, afirma.
Entretanto, o poeta Jorge Amancio, que é físico de formação e já lançou três livros com poesias autorais, é um exemplo de como os editais podem afastar mais do que incluir o artista no circuito de investimento em cultura. “Sou prático e os editais exigem muita burocracia, o que acaba desanimando. Tirei do bolso o investimento para minhas publicações”, explica.
Para a coordenadora de difusão cultural da Fundação Nacional de Artes (FUNARTE) em Brasília, Débora Aquino, o que afasta as políticas dos artistas é o interesse e a capacitação, e não a falta de investimento e abertura. “Muitos não investem em políticas públicas porque querem apenas os holofotes, não se capacitam para gestar a própria carreira”, critica.
Já para o cantor, compositor e produtor Henrique Silva, o problema das políticas culturais é gerar uma dependência entre governo e artista. “Atualmente, as políticas fazem o artista depender do dinheiro público, e não fomentam que ele cresça e se desenvolva sozinho”. O produtor ainda completa que isso favorece grupos mais organizados, em detrimento de outros que não tem um empresariado. “Um exemplo disso é que, em todos os grandes eventos do Distrito Federal, os grupos de música gospel tem palco, enquanto os outros grupos culturais não tem”, lamenta.
Políticas Públicas
Outro ponto importante diz respeito à relação entre cultura e direitos humanos, bem como de seu papel na luta contra a discriminação, que são questões que o Brasil enfrenta. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), a integração da cultura com as demais políticas sociais é uma experiência recente que necessita ser aperfeiçoada. Precisa-se reconhecer os direitos culturais como necessidade básica e direito dos cidadãos, o que conduz à busca de uma agenda integrada com as políticas sociais e de desenvolvimento.
Entre as desigualdades no acesso à produção cultural estão o fato de que a minoria dos brasileiros frequenta o cinema uma vez ao ano, enquanto mais de 70% dos brasileiros nunca assistiram a um espetáculo de dança, embora muitos saiam para dançar. Grande parte dos municípios não possui salas de cinema, teatro, museus e espaços culturais multiuso e metade da população ocupada na área de cultura não tem carteira assinada ou trabalha por conta própria. Os dados são do Ministério da Cultura, em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IEPA).
“A focalização das políticas culturais nos níveis estaduais e municipais pode favorecer a superação desse quadro e reforçar a diversidade cultural como fator da sustentabilidade do desenvolvimento”, comenta Débora Aquino, coordenadora de difusão cultural da Fundação Nacional de Artes (FUNARTE) em Brasília.
Entretanto, o artista Henrique Silva defende que essa integração está longe de acontecer. “Principalmente no Distrito Federal, as artes não se conversam. A cultura de um bairro não chega ao outro. As políticas não favorecem esta integração”, lamenta.
“Temos Palco”
Um sarau organizado pela Fundação Nacional de Artes (FUNARTE) durante o ano de 2014 foi um exemplo de política inclusiva de artistas da região do Distrito Federal. A proposta do coletivo “Temos Palco” foi dar espaço e equipamentos para quem não tem espaço nem chance de se apresentar em um teatro. O diretor artístico do evento, Henrique Silva, que também é cantor, compositor e produtor, comemora a iniciativa, por ser um espaço de integração e oportunidade. “Conseguimos unir culturas afro, grupos teatrais, duplas sertanejas, de diversos locais do Distrito Federal, no mesmo espaço. Isso é uma vitória”.
A diretora executiva do coletivo “Temos Palco”, Dayane Timoteo, comenta que muitos desses artistas se apropriam das ações culturais como um incentivo para continuarem a desenvolver ações culturais. “Temos gente da periferia que jamais imaginou estar em um teatro. Queremos que essa oportunidade só aumente o desejo de continuar desenvolvendo e promovendo ações culturais”.
Reportagem de Aline Czezacki
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