Belfast, longa do diretor Kenneth Branagh, é um dos favoritos para a temporada das premiações de cinema e conquistou inúmeras indicações para o Oscar de 2022, incluindo a de melhor filme e melhor roteiro original. Através de Buddy, interpretado por Jude Hill, a produção apresenta as dificuldades e as peculiaridades de se viver na Irlanda do Norte durante a década de 1960, a partir da perspectiva de uma família de protestantes.
O filme se demonstra forte esteticamente desde o começo, em que uma sequência recheada de cores se transforma em um mundo em preto e branco que estava escondido atrás de um muro. A narrativa também acompanha essa transformação quando, logo nos primeiros minutos da história, brincadeiras de criança nas ruas irlandesas são interrompidas por uma rebelião violenta, realizada por protestantes que rejeitam seus vizinhos católicos. A religião, inclusive, é um tópico forte dentro do longa, e é apresentada de maneira quase divertida: uma criança de nove anos tem que aprender a reagir à dramaticidade de um discurso religioso, vivendo com o espanto da possibilidade da morte.
O grande destaque da narrativa é a possibilidade de acompanhar de perto a dinâmica de uma família que, mesmo no meio de dificuldades financeiras e de expectativas de um futuro incerto, não perde o afeto e nem a esperança. As interações de Buddy com todos ao seu redor dão uma leveza necessária para o filme que, por muitas vezes, parece estar preso em um ciclo sem fim. Em longas sequências, o público consegue observar as conversas entre os personagens, seus momentos de lazer e o que sentem um pelo outro.
Em meio de problemas econômicos, rebeliões e guerrilhas, discussões sobre Deus e as diferenças entre religiões, a morte e a vida, Branagh faz um roteiro expositivo, praticamente explicativo, para que a inserção pessoal do público seja feita de maneira mais automática. Isso não é prejudicial, nesse caso, pois a curta duração do longa permite que seu ritmo seja um pouco mais acelerado. De modo contraditório, enquanto somos bombardeados com informações sobre a família, ainda conseguimos ter a sensação de rotina, como se acordássemos e dormíssemos ao lado daquelas pessoas, sabendo de todos os seus problemas e qualidades.
A trilha sonora de Belfast faz um excelente trabalho ao ditar o tom do filme, passando de sentimental e melancólico para esperançoso e alegre em poucos minutos. “Down to Joy”, canção original de Van Morrison indicada ao Oscar, traduz bem o que o filme representa: a gratidão de ter a possibilidade de criar uma nova história a partir dos sonhos que temos e apesar de todas as pessoas e coisas que perdemos.
Belfast é bem sucedido ao conseguir fazer com que grande parte do público, mesmo aqueles que não nasceram nem estiveram na Irlanda do Norte, tenham uma identificação pessoal com alguma das figuras retratadas. Crianças curiosas e cheias de sonhos, mães preocupadas e corajosas que atravessariam mundos e rebeliões para proteger os filhos e pais que se vêem constantemente presos em uma luta entre o certo e o errado. É um filme familiar, que acalenta o coração ao mesmo tempo que o destrói, e faz com que reconheçamos o quanto o mundo à nossa volta e a realidade em que fomos criados pode afetar a maneira como enxergamos a vida.
A produção, portanto, é uma boa aposta para aqueles que preferem enredos mais simples e, mesmo assim, carregados de simbologias e significados ideológicos. Belfast se mostra, de alguma maneira, como o Jojo Rabbit da temporada: mesmo que não conquiste todas as estatuetas, conquista um lugar especial na grande estante de filmes formada na cabeça de todo cinéfilo.
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