Besteirologia, risadas e muita palhaçada

Por Fernanda Penteado

De janeiro a setembro de 2015 o grupo Doutores Palhaços SOS Alegria realizou um pouco mais de 33 mil visitas aos hospitais de Ponta Grossa. Durante todo ano de 2014 foram realizadas aproximadamente 50 mil visitas. Os quase trinta e cinco palhaços voluntários trabalham em uma escala fixa de segunda a sábado, com visitas de uma a duas vezes por semana. Então, não se surpreenda caso veja algum palhaço perto ou andando nos espaços hospitalares de Ponta Grossa, pois eles estão sempre por aí. A próxima atividade do grupo, agora fora do contexto hospitalar, acontece no dia 13 de dezembro, com o espetáculo teatral ‘O Tempo’, no Teatro Marista.

A peça retrata um executivo muito focado no trabalho, e que acaba se perdendo na véspera do Natal e quando vê está na Terra dos Palhaços. Lá, ele tenta buscar o caminho para a felicidade, para os pequenos prazeres da vida. O executivo tenta voltar a viver sem a preocupação com os compromissos do dia a dia e do trabalho, e vai aprendendo com a ajuda dos palhaços.

A peça será apresentada em dois horários no Teatro Marista, a primeira sessão tem início às 17h, e a segunda às 20h. Os ingressos antecipados custam R$10 e podem ser comprados na Sorveteria Polar Avenida, na sede dos Doutores Palhaços, e na Maluí Malhas. Todos pagam meia-entrada. No dia o ingresso será vendido a R$20.

Além da peça, o grupo – configurado como uma Organização Não Governamental (ONG) – realiza durante o ano bazares e apresentações culturais para captação de recursos para garantir o funcionamento da ONG. No dia 11 de novembro, o grupo realizou na Igreja São José o último bazar beneficente do ano. Durante todo dia, a equipe de doutores palhaços e seus ajudantes estavam lá no salão da Igreja em meio a roupas, sapatos e outras doações trabalhando para continuar com os risos nos hospitais de Ponta Grossa.

“O Bazar acontece três vezes ao ano para arrecadar fundos para a ONG. Ela funciona como uma microempresa, que não tem um lucro financeiro”, explica Micheli Madalozo, fundadora da ONG. Ela complementa dizendo que quanto mais o grupo cresce, a profissionalização do trabalho aumenta, e por consequência os gastos também. Desse modo, essas atividades foram os meios encontrados para a manutenção do projeto.

O palhaço que brinca de ser médico

“A ideia do SOS Alegria começou em 2004, comigo e com o Bruno, quando nós tínhamos uma amiga com câncer, internada no hospital. Quando íamos visitá-la veio o projeto deste trabalho, mas como visitadores”, relata Micheli Madalozo, uma das fundadoras da ONG Doutores Palhaços SOS Alegria. Ela lembra que, na mesma época, passava uma novela na TV, que tinha a propaganda dos Doutores da Alegria, e foi aí que ela soube da existência de um trabalho profissional e artístico que acontece junto com o voluntariado. “Durante esse tempo, nós continuamos as visitas, mas um ano após nossa amiga faleceu. Como não tínhamos tempo para realizar um trabalho voluntário e ainda estávamos sensibilizados com a morte dela, a ideia ficou parada por um tempo. Quatro anos depois eu vi um vídeo de palhaço hospitalar, e vi que era isso que eu queria fazer”, destaca Micheli.

Após um ano de muito estudo sobre a linguagem do palhaço no ambiente hospitalar, o impacto dessa visita para o paciente, e a elaboração do projeto, nasce em 5 de novembro de 2008 o projeto SOS Alegria no Hospital da Criança, em Ponta Grossa. Ele foi fundado por Bruno e Micheli Madalozo – o Dr. Esparadrado e a Dra. Tiburcia – para trazer e fazer de sua profissão a alegria. O projeto iria atender inicialmente só crianças, no entanto, ele foi crescendo e passou a atuar em quase todos os hospitais da cidade.

Em 2010, o grupo se tornou a ONG Doutores Palhaços SOS Alegria. O trabalho foi inspirado por trabalhos internacionais, e pelo projeto Doutores da Alegria em São Paulo, garantindo a mesma essência: “a paródia do palhaço que brinca de ser médico”, reitera Micheli. “O palhaço é uma desconstrução. O palhaço é a sátira da sociedade, ele é tudo que eu não posso ser, por isso a exigência do estudo. Quando você vai fazer uma brincadeira e você derruba é ali que a criança ri, não é onde está a perfeição da brincadeira”, completa a fundadora da ONG.

O trabalho em Ponta Grossa é uma mescla das vertentes que os fundadores acreditam. “Os Doutores da Alegria de São Paulo (SP) fazem um trabalho artístico profissional, então só atores compõe a equipe. O que entra em conflito com a frente do Patch Adams, que é médico e acredita que qualquer pessoa pode fazer esse trabalho. Assim, nós juntamos essas duas frentes. Qualquer um pode ser um doutor palhaço desde que se profissionalize”, explica Micheli.

Patch Adams, médico norte-americano e humanista, é precursor na realização deste tipo de trabalho voluntário, com o uso do amor e da amizade como remédios para o tratamento de doença. Já os Doutores da Alegria de SP mostram, por seu trabalho, a importância da profissionalização, sua escola “se vale de princípios do palhaço – o jogo, o olhar, a escuta, o aprendizado mútuo – para atuar na formação de públicos diversos em todo o território nacional, desde voluntários de grupos semelhantes a profissionais que queiram exercitar a criatividade”.

Diante disso, o trabalho voluntário realizado em Ponta Grossa é profissional, e todos os doutores palhaços possuem formação artística na linguagem do palhaço e capacitação para atuar em hospitais.

Bruno Madalozo, o Dr. Esparadrapo, conta que a importância de ser um “doutor palhaço” é fingir que é médico para tentar convencer as pessoas de que vale a pena lutar um pouco mais para viver. “A gente tenta resgatar um pouco da alegria delas. Você trata aquilo que há de bom nela, para que ela tenha mais esperança”.

Já Micheli, a Dra. Tibúrcia, relata: “tudo que eu aprendi hoje como palhaço foi o que me transformou em gente de verdade, porque até não fazer o trabalho eu acho que estava dormindo para o mundo. Quando você entra no hospital e vê que tem gente que tem só mais um dia, ou que você é a última visita dela, ou que ela sorriu pela última vez com você, ou quando você vê alguém morrer é muito forte. Eu aprendi a viver, mas não a viver o futuro ou o passado, mas sim o presente”.

De Palhaço Pirueta a Dr. Cansadinho

           Foi por meio de uma busca no google que Fabiano Meirelles saiu de Tupã, interior de São Paulo e sua cidade natal, e decidiu se mudar para Ponta Grossa e se tornar o Dr. Cansadinho, levando alegria para os corredores, quartos e enfermarias dos hospitais da cidade. O seu trabalho como palhaço já ocorre há 15 anos, e por causa de sua pesquisa do palhaço no universo hospitalar veio parar aqui no Paraná. “Já buscava isso faz tempo, eu via a necessidade de fazer algo mais voltado para o lado profissional, comecei a procurar na internet grupos que davam essa formação de palhaço na área hospitalar e encontrei o SOS Alegria”, relata.

Em 2010, Fabiano entrou em contato com Micheli Madalozo – uma das fundadoras do grupo – para saber mais sobre a seleção de palhaços que aconteceria em Ponta Grossa. Após alguns e-mails trocados, Fabiano decidiu vir até a cidade para participar da seleção dos voluntários. Em Tupã, ele era gerente de uma loja de materiais hospitalares, e para participar de fato da seleção precisou conversar com seu patrão para poder vir algumas vezes para a cidade. “No intuito de buscar mais, eu conversei com meu patrão e fiz as viagens nos meses de agosto, setembro, outubro e algumas em dezembro, para conseguir realizar meu sonho”, conta Fabiano.

Nesses quatro meses de idas e vindas entre o Paraná e São Paulo, a formação para ser um doutor palhaço foi feita por completo. No entanto, trabalhar em Ponta Grossa não era o desejo inicial de Fabiano. Sua pretensão era se profissionalizar em palhaço hospitalar e trabalhar em sua cidade. Isso aconteceu, durante todo ano de 2011 ele trabalhou nos hospitais de Tupã; mas a falta de escola lá, a vontade de trabalhar com mais frequência, e sua paixão pelo voluntariado fizeram com que, em 2012, ele se mudasse para Ponta Grossa. “Abandonei minha casa, minha família, meu emprego, por conta de um sonho que era maior que eu, que é o trabalho mais profissional e semanal”, explica Fabiano.

“Hoje faz três anos que eu estou na cidade. Meu personagem é o Dr. Cansadinho. Esse foi um palhaço que eu criei aqui, porque até então eu trabalhava como o Palhaço Pirueta, um palhaço de festa infantil, animação”, expõe Fabiano. Ele explica que nessa mudança de um tipo de palhaço para outro, teve que se adequar, pois o palhaço de festa é completamente diferente do palhaço de hospital. A maquiagem é mais leve e mais limpa, o figurino menos fantasioso e colorido; a busca é pela criação de um personagem mais real. Quem recebe a visita do palhaço deve enxergá-lo com um ser humano real, não fugindo assim do contexto em que estão inseridos.

Fabiano Meirelles está em Ponta Grossa há três anos. Hoje, trabalha nos hospitais não só como palhaço, ele é também técnico em radiologia. Quando perguntado se tem algum arrependimento em largar tudo em Tupã para viver seu sonho no Paraná, ele diz que não. “O palhaço é uma exteriorização do que a gente é de verdade. É uma paixão, algo que nasce com a gente e eu acredito que não vai morrer nunca. O palhaço é isso, você se redescobrir todos os dias. Não me arrependo nem um pouco de ter vindo para cá, porque hoje eu vivo a realização de um grande sonho, todos os dias!”.

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