“Tanto no PT quando na política brasileira, Zé Dirceu é incomparável”

Otávio Cabral é jornalista e editor do semanário de maior tiragem no país, a revista Veja. Ele participou da II Feira Literária Internacional dos Campos Gerais (Flicampos) no dia 12/09, quarta-feira, para promover um debate sobre o livro que escreveu, Dirceu – A Biografia, que disseca a polêmica trajetória do antigo líder do Partido dos Trabalhadores.

As 364 páginas reconstroem em detalhes a vida de José Dirceu, desde o nascimento na cidade mineira de Passa-Quatro até a condenação no julgamento do mensalão. O livro foi criticado por alguns nomes representativos da imprensa, como o repórter da revista Piauí, Mário Sérgio Conti, que põe em cheque a veracidade e a precisão de alguns trechos do texto.

Logo antes do evento, Cabral reservou vinte minutos para conversar com o Cultura Plural. Durante a entrevista, o jornalista falou sobre o cenário político nacional, sobre o impacto dos escândalos de corrupção para o PT, sobre o trabalho de reportagem que realizou e sobre as críticas que recebeu de alguns colegas da imprensa. Confira!

Cultura Plural: Na sua avaliação de jornalista político, como o impacto de uma condenação de Dirceu no julgamento do Mensalão afeta o PT?

Otávio Cabral: O PT já disputou duas eleições presidenciais com esse fantasma do mensalão e venceu tanto na reeleição do Lula, que foi no auge da crise, quanto na eleição de Dilma. Esse tema da corrupção está muito pulverizado entre os partidos, não é exclusividade do PT. Acho que outros fatores, como o desempenho da economia, índices de desemprego e renda, serão muito mais importantes que essa condenação. Para o PT seria melhor disputar a eleição com esse caso encerrado, porque logo depois vem o julgamento do mensalão mineiro, envolvendo o ex-governador de Minas Gerais, Eduardo Azevedo. Como estratégia de campanha, o ideal seria que esse julgamento acabasse, encerrar o caso e virar a página. Mas ainda assim o tema da corrupção já mostrou ser insuficiente para evitar que alguém seja eleito no Brasil.

CP: Você acredita que José Dirceu vá se afastar de suas funções políticas no partido?

OC: Formalmente, ele já não tem nenhum cargo no PT, mas ainda é uma influência muito grande. É um cara muito respeitado, muito querido, muito ouvido pelos dirigentes do partido. As grandes decisões não são tomadas sem que ele tenha conhecimento. Durante o tempo que ele eventualmente passar na prisão, isso vai ser mais difícil. Agora, quando ele voltar, vai continuar a ser influente. O que muda é que não há mais nenhuma possibilidade de carreira política eleitoral. Acho quase impossível que ele volte a disputar mandato. Talvez ele até fosse eleito deputado, ou em alguma outra eleição minoritária, mas creio que essa possibilidade acabou.

CP: Você acha que vai surgir algum substituto para Dirceu, algum articulador politico pra ocupar o lugar dele? Ou ele vai continuar ocupando essa posição central?

OC: Acho difícil. O PT cresceu muito e formou várias lideranças, mas acho que não vai mais ter um grande articulador, um grande líder do tamanho do Lula, que continua sendo o maior, maior até que Dirceu. O resto faz composição, coisas assim.

CP: Existem aqueles que apontam para Rui Falcão, atual presidente do PT, como um possível sucessor de José Dirceu nessa questão de articulação, de bastidores. Quais são as diferenças políticas dos dois?

OC: Dirceu é muito mais habilidoso, com uma história muito mais rica, muito mais profunda. Ele conhece as entranhas do PT, conhece os segredos de campanha, conhece as correntes, sabe o que cada um faz. Além disso tem uma experiência muito maior no congresso nacional, uma experiência de governo que o Rui Falcão nunca teve. Tanto dentro do PT quando na política brasileira, a biografia do Zé Dirceu é incomparável. O Rui Falcão ainda tem de comer muito feijão para chegar lá.

CP: Você acha que o seu livro pode ter impacto no cenário político nacional? Pode interferir nas próximas eleições ou algo do gênero?

OC: Não, eu acho que não. O Brasil já está muito dividido, principalmente na imprensa, na política, nos formadores de opinião. Existem aqueles que são favoráveis ao PT e aqueles que são favoráveis ao PSDB. Antes mesmo do livro ser lançado, já tinha gente que gostava ou não gostava, mesmo sem ter lido. Acho que quem lê a obra vê que não é um panfleto político, não é uma peça de acusação. É simplesmente a narrativa de uma vida. Eu busquei ser muito mais um narrador do que um comentarista.

CP: Você não entrevistou José Dirceu para escrever a biografia. Como se faz para contornar esse obstáculo e escrever um texto coeso sem ter a colaboração do principal personagem?

OC: No Jornalismo geralmente se faz isso. O jornalista político escreve sobre a presidente Dilma, por exemplo, e é raro ela dar uma entrevista. A gente ouve pessoas próximas, a gente pesquisa, a gente consulta fontes de informação. Tem todo um processo de apuração. Eu gostaria de ter falado com José Dirceu, procurei a assessoria dele, procurei-o diretamente, mandei vários e-mails. Eu queria que ele esclarecesse alguns pontos, mas não queria que fosse uma biografia autorizada. Minha intenção, desde o começo, era fazer uma biografia não autorizada. Quando se faz uma biografia autorizada, como foi a do Lula escrita pela Denise Paraná, como foi a de Dilma escrita pelo Ricardo Amaral, você não tem a história completa. Você tem uma parte da história que agrada ao biografado. Eu nunca quis fazer isso.

CP: Fazer esse circuito paralelo, com outras fontes, enriquece a narrativa?

OC: Sem dúvida. O Lira Neto acabou de soltar uma biografia sobre Getúlio Vargas, mas ele não falou com Getúlio, porque Getúlio está morto (risos). Ainda assim, é um livro maravilhoso, um livro que foi feito sem falar com o próprio. O Laurentino Gomes lançou 1889 sem falar com ninguém da época, fez com base em pesquisa, em entrevistas com historiadores. Tem alguns pontos que Dirceu poderia ter enriquecido. Falar com ele poderia ter me ajudado a esclarecer esses pontos, mas eu acho que não era fundamental conversar com ele para fazer o livro.

CP: Um texto de Mário Sérgio Conti, que fui publicado na revista Piauí de agosto, afirma que algumas cenas descritas na biografia não condizem com a realidade. O que você tem a dizer sobre isso?

OC: Primeiramente, toda obra jornalística ou literária está sujeita a erros. Nas revistas e nos jornais a gente corrige na edição seguinte, tem a seção de erratas. No livro, fizemos a mesma coisa. O que tinha de errado foi corrigido numa segunda edição que foi publicada três ou quatro dias depois da original.  Mário Sérgio Conti fez críticas sobre um livro que já estava corrigido. De tudo que ele falou, existe uma crítica maior, sobre um erro que considero grave. Falei de uma suposta viagem de José Dirceu para o Haiti. Foi o Kakay [Antônio Carlos de Almeida Castro, advogado que defendeu Duda Mendonça e Zilmar Fernandes no julgamento do mensalão] quem me contou essa história. Na verdade quem foi para o Haiti e chorou no hino nacional, quem torceu para o goleiro Fernando Henrique tomar um frango, foi o Lula.  [Otávio se refere ao amistoso beneficiente de futebol entre Brasil e Haiti, organizado pela CBF e pelo governo federal em 18/08/2004] Nesse ponto eu errei, mas não inventei, como diz o Conti. Trabalhei, ao contrário do que ele diz.  Lamento ter errado, mas foi corrigido. O que foi apontado de erro, tanto por simpatizantes de Dirceu quanto por outros jornalistas, eu corrigi. Agora, essa série de picuinhas eu ignorei. O livro dele, Notícias do Planalto, também tinha uma série de erros e nem por isso deixou de ser um belo trabalho.

Matéria de Rodrigo Menegat

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