Cida e Concessa: mulheres ‘danadas’ que tem as ‘rédias’ nas mãos

Cida Mendes é mestre em arrancar risos de seu público. Nascida em 1966, em Pará de Minas (MG), a pequena Cida já mostrava sua veia cômica com a família e os amigos, com improvisações sobre seu modo de ver as pessoas. Entretanto, a dedicação exclusiva ao teatro aconteceu somente depois de dois anos de estudos na faculdade de Educação Física e mais três anos no Conservatório de Música da UFMG, onde largou tudo para seguir a carreira de atriz. Em 1993, Cida Mendes montou o restaurante-teatro Cantina Real, com apresentações cômicas de sua autoria. Nesta época, surgiu o Grupo Tripetrepe, que reúne, até hoje, Cida Mendes, a diretora Iolene de Stéfano e a produtora Consuelo Ulhoa. Foi também neste momento que apareceu a Concessa, maior personagem de sua carreira. A caipira Concessa conquistou o primeiro lugar no Prêmio Nacional Multishow de Humor, em 1997, disputando com 186 atores. O monólogo ‘Concessa Tecendo Prosa’ foi apresentado mais de 1.500 vezes em todo o País  (dados de 2008), consagrando-se como um sucesso permanente de público e de crítica. Cinco anos depois, montou ‘Adelaide Pinta e Borda’ – considerado o melhor espetáculo de 2002 em Minas Gerais. Cida também teve atuação destacada na Turma do Didi, da TV Globo, Escolinha do Barulho, da TV Record, Boa Noite Brasil, da TV Bandeirantes, Programa Feminina, da TV Alterosa/SBT e nos filmes A Enxada, de Iberê Cavalcanti,  O Tronco, de João Batista de Andrade e Uma Vida Em Segredo, de Suzane Amaral. Em 2005,  nova peça com a personagem Concessa, intitulada ‘Pendura e Cai’, apresentada no lançamento do 39º Festival Nacional de Teatro de Ponta Grossa, o Fenata. E foi nesta ocasião que Cida Mendes concedeu entrevista para o Cultura Plural. Confira:

Como é voltar pra Ponta Grossa, depois de 5 anos?

Ah… isso é muito bom. Eu comparo muito as cidades com as pessoas. Tem gente que a gente conhece e já gosta de cara e aqui aconteceu uma coisa assim. Da primeira vez que estive aqui, sem conhecer ninguém, parecia que era um lugar antigo pra mim e agora eu vim com mais conforto porque já sabia que ia encontrar essas pessoas, como o Cláudio [Jorge Guimarães, coordenador do Fenata]. Eu já vim mais segura do que eu ia encontrar. É bom rever essas pessoas, eu gosto de voltar numa cidade assim. Não tem outra comparação. É rever o público, porque o público é muito diferente em cada lugar, as reações são diferentes, o que o público capta é diferente.

Como está o cenário dos festivais de teatro no Brasil?

Eu sou bem apaixonada pelos festivais, porque eles provocam muito o artista, já que você vai sabendo que vai ser julgado pelo seu trabalho. Então é diferente de você fazer seu espetáculo vendido, com bilheteria. É uma prova maior quando é um festival. E o público também é uma festa, o festival é uma festa. É bom essa troca que tem. Eu vou bem feliz quando participo de festival, porque aprendo muito também. Tem gente que entende muito, vê muito. Então quem vê muito tem os parâmetros pra assistir. É muito valoroso os festivais. Em todas as cidades em que tem festival, o público sabe assistir teatro. É muito diferente o público da cidade que tem festival e da cidade que não tem, porque isso é que é formar plateia: é fazer festival e ensinar as pessoas a assistirem. E no cenário do teatro tem muita coisa acontecendo. É na quantidade que a gente tira a qualidade. Tem uma quantidade muito boa de coisa acontecendo, mas no meio tem muita coisa que é ruim também. E o festival é bom porque filtra isso. Ele conta o que é bom e o que é ruim.

A interação com o público hoje estava bem intensa. É sempre assim?

Com a ‘Concessa’, isto está a cada dia melhor. A ‘Concessa’ vai se apoderando com o tempo e eu deixo isso muito por conta da personagem, do que rola lá. Fica na mão dela e eu deixo ela dar a resposta que vem na cabeça dela. É um apoderamento da personagem. Está cada dia melhor isso, estou cada vez mais tranqüila e não sinto que estou fazendo um monólogo, porque não tem a quarta parede. Então se a pessoa espirra, eu digo “saúde”. É muito vivo.

Como foi o processo de criação deste texto?

Este texto é meu, mas, como diz o Suassuna, eu vou ‘catando’. As histórias que acontecem ali nem todas fui eu que inventei. Muita coisa eu escuto, da mesma forma que o Suassuna faz com o cordel, eu faço na rua, no ponto de ônibus, ouvindo as pessoas. Elas me dão muitas histórias. Vou roubando… ou melhor, como diz minha advogada, eu vou furtando essas histórias, porque não uso violência.

De onde você tem mais inspiração para a caracterização?

A caracterização da personagem veio dessa observação de várias mulheres. Meu foco são essas mulheres ‘danadas’, mulher que se apropria mesmo de sua condição de mulher, que tem a rédia nas suas mãos. E a caracterização vem de cada uma delas, não peguei uma em especial. Fui catando uma coisinha aqui, uma roupinha ali. Esse bobs eu acho muito engraçados, porque o pessoal fala “não existe isso mais”. E eu “ah… não existe? Vai ao interior e sai em um sábado de manhã na rua e tem um tanto de mulheres de bobs”. E ele é meu nariz de palhaço, com esse lenço. A partir do momento em que eu coloco ele, me transformo muito. Tudo em mim se transforma.

O texto é carregado de aspectos lingüísticos com forte influência do caipira. E aqui todos entenderam grande parte do que foi falado. É assim em todos os lugares?

É, porque o caipira tem em todo o canto do Brasil. O que varia é a música, o sotaque. E a linguagem caipira é muito interessante porque tem muita imagem. Mesmo que você nunca tenha ouvido a palavra, essa palavra te traz uma imagem muito forte. A linguagem caipira tem muito disso. Pode reparar: a pessoa fala “fiquei com a perna doce” e você “como assim fiquei com a perna doce?”. Você entende que a pessoa está ficando mole. Você entende sem traduzir a palavra, porque a imagem já trouxe uma tradução. E nesse texto eu coloquei provérbios. Tem muitos: 24. Eu gosto muito, porque provérbio é a sabedoria popular mesmo. Eu tenho um livro, que é escrito pela irmã do Ziraldo, que é um dicionário de provérbios muito bacana. Então quando eu estava escrevendo, toda a noite eu dava uma lida nos provérbios e dormia. E quando eu fui fazer o texto, vinha o provérbio na minha cabeça. Foi uma coisa meio antropofágica: eu comi pra depois sair o que tinha que sair. Ele te dá uma solução, porque quando você não sabe o que dizer, você lança mão do provérbio.

por Eduardo Godoy

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