No último sábado (24), o Clube de Leitura do Viajante realizou uma reunião digital, por meio da plataforma Google Meet, para conversar sobre a obra do mês de abril. O livro escolhido foi “Laranja Mecânica”, do britânico Anthony Burgess, para continuar o ciclo de leituras sobre ficção científica que o clube segue há meses.
O livro, lançado pela primeira vez em 1962, segue a vida de Alex, um adolescente em uma Inglaterra distópica, participante da grande onda de violência praticada por gangues juvenis entre os próprios integrantes inimigos e contra a sociedade em geral. Alex, o narrador da obra, lida com a própria tendência à violência e com a influência de autoridades que têm a intenção de fazer com que jovens violentos passem por uma reforma psicológica e física para que não pratiquem os mesmos atos.
Questões importantes para o contexto social e filosófico do livro foram levantadas durante toda a reunião, como as citações feitas pelo autor sobre a possibilidade de escolha, a bondade como condição humana e a influência de figuras adultas e do Estado diante de adolescentes violentos. As integrantes reforçaram o caráter anti-heróico do personagem principal e como a violência muitas vezes é justificada quando praticada por pessoas consideradas importantes para o Estado. A obra literária abrange complexidade do indivíduo em fase de catarse dentro de um universo que, mesmo sendo distópico em sua narrativa, consegue trazer reflexões sobre a realidade do jovem induzido à violência como parte do seu processo de crescimento.
As participantes do Clube de Leitura do Viajante também discutiram sobre a genialidade da linguagem criada para o universo do livro. Iniciando pelo próprio nome do protagonista, Alex, seria um trocadilho para a expressão em latim para “sem lei”. A versão traduzida da obra contempla o original uso do nadsat, língua criada pelo autor com termos ingleses e russos que se tornaram invenções de gírias utilizadas pelas gangues adolescentes da Inglaterra distópica. Nas versões mais recentes do livro físico, um glossário é anexado para guiar o leitor por conta do estranhamento com a leitura, mas em um consenso nas discussões, as participantes do clube afirmam que a experiência de imersão no universo de Laranja Mecânica se constrói de forma mais intensa com a estranheza da adaptação à linguagem do narrador e seus companheiros.
Durante a reunião, as participantes citaram a adaptação do livro para o cinema. O filme Laranja Mecânica, de 1972, foi dirigido pelo britânico Stanley Kubrick, tendo grande repercussão por diversos motivos, como uso de técnicas inovadoras e a construção narrativa realizada na adaptação da obra.
O polêmico longa-metragem de Kubrick é um marco na forma em que a violência é retratada no cinema, dando formas, cores e sons que fazem justiça ao detalhamento da cenografia descrita no livro. A composição visual de Alex e seus druguis (amigos de gangue, na linguagem da obra) iconizou o uso das roupas brancas, cor assimilada à pureza e paz, nos seus figurinos com suspensórios, calças alongadas até a botina e um suporte na região inferior nada discreto. Já na sequência inicial da película, o enquadramento é focado no olhar do protagonista maquiado com longos cílios postiços por baixo de seu chapéu coco enquanto o adolescente toma um copo de leite dissolvido com drogas alucinógenas. Este mesmo olhar é utilizado na capa do filme, com o subtítulo “As aventuras de um jovem cujos principais interesses são estupro, ultra-violência e Beethoven”.
A adaptação cinematográfica foi minuciosamente criativa no uso de técnicas na direção e fotografia, assim como na importante escolha para a trilha sonora do filme: Alex é apaixonado por música clássica, especialmente pela Nona Sinfonia de Ludwig van Beethoven, mas a partir do Tratamento Ludovico, seu gosto pelo estilo musical e influência que este tem em seus crimes é usado contra o protagonista, como uma forma de contra ataque. A trilha sonora é significativa e reforça o caráter que a música tem tanto no livro, quanto no cinema.
O professor de Letras na Universidade Estadual de Ponta Grossa, Fábio Steyer, fala sobre a importância do diretor Stanley Kubrick para o cinema mundial, tanto por seu estilo único e diverso, quanto pela adaptação de Laranja Mecânica. Entre outros elementos, cita que Kubrick trouxe significativas inovações quando lançou a película. “Laranja Mecânica é um marco sobre a retratação da violência no cinema, carregando muita polêmica quando foi lançado, nos anos 1970”, explica Steyer, sublinhando também como a questão da censura dominou o lançamento do filme, que continha pontos pretos para esconder as cenas de nudez de Alex e de suas vítimas.
O próximo encontro do Clube de Leitura do Viajante ocorre no mês de maio, quando será discutida a obra “Neuromancer”, de William Gibson. Informações sobre a data e conteúdo dos próximos encontros do clube ficam disponíveis no grupo do Facebook.
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