Compartilhamento de experiências na área de crítica de mídia e cultura regional é foco de painel

O segundo dia do painel realizado pela turma de Crítica de Mídia do 3º Ano do curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), “Leituras pertinentes 2021! Dicas para uma crítica de mídia regional”, ocorreu na noite de terça-feira, às 19h. O evento teve como convidados cinco painelistas que compartilharam com os estudantes suas experiências na área de produção de crítica jornalística no cenário sociocultural do município.

A jornalista Luana Nascimento foi a primeira painelista da noite. Encarregada de abordar a crítica de música, Luana destaca a importância de consumir todos os tipos de produções artísticas e críticas para entender como elaborar suas próprias análises de conteúdo: “Para a gente escrever crítica, nós precisamos consumir crítica. É importante a gente ter conhecimento de repertório, acompanhar sempre que puder críticos que a gente gosta e os artistas que a gente consome”.

Ela também defende que, quando o jornalista se propõe a escrever uma crítica musical, deve realizar uma pesquisa para ter o máximo de informação possível sobre o que estará criticando. “Conheça o repertório do músico, o compositor da música, o gênero que ela se enquadra, se é erudita ou popular, quem vai tocar, o que vai tocar, como vai tocar, se é uma iniciativa pública ou privada, qual estrutura está ali disponível para o artista se apresentar, saiba tudo que puder agregar ao seu texto”, comenta.

Entre as dicas para realizar uma boa cobertura e posterior crítica musical, Luana cita escutar o repertório antes do evento o máximo de vezes que puder para não ser pego de surpresa, locomover-se pelo espaço pra sentir a diferença de som da música nos pontos da plateia e acompanhar os artistas até o final do evento. No caso da cobertura online, ela comenta que, apesar da impossibilidade de locomoção no espaço e da precarização do som, existe a vantagem de poder consumir a apresentação musical mais de uma vez, o que ajuda na hora da produção crítica.

Sobre o texto crítico em si, a jornalista descreve seu ritual de produção: “Eu sempre fazia uma breve apresentação, descrevia o produto musical, colocava pesquisa histórica que tem peso na hora da interpretação por parte do leitor, e partia para os apontamentos positivos e negativos e o porquê de cada um deles. A estrutura blocada ajuda no momento da produção escrita, mas eu particularmente gosto mais de quando o texto fica mais fluido, e não um parágrafo pra casa coisa”, explica. Luana frisa que todo jornalista deve defender o ideal de que música também é política e procurar enfatizar que o posicionamento ou o não posicionamento em uma música também é um ato político que deve ser reportado na crítica.

Já o segundo painelista do encontro foi o advogado e doutorando Pedro Miranda. Com experiência em produções críticas de cinema para jornais locais, Miranda destaca que mesmo não tendo formação jornalística, sempre estudou para saber como produzir este tipo de conteúdo voltado para o cinema: “O que me legitimou a escrever sobre isso foi o estudo. E agora com a plataforma da internet, que democratizou essa produção, qualquer tipo de obra está aberta à crítica, a própria crítica também está aberta à réplicas e tréplicas, e na internet sempre terá o risco de encontrar pessoas comentando de uma forma menos fundamentada”. 

Miranda comenta sobre a discussão do crítico ser o responsável por dar sentido ao objeto criticado: “Não é função do crítico dar um sentido último ou uma explicação absoluta para a arte, afinal a arte tem um ‘quê’ de subjetividade que é inevitável”. Ele também defende que as experiências pessoais de cada um influenciam na visão do filme, o que leva ao entendimento de que é impossível o crítico atingir o ideal da imparcialidade. “A função da crítica não é ser imparcial, mas é ser objetiva e clara a respeito dos elementos cinematográficos promoverem ou não uma coesão e uma lógica para o filme. Então a análise tem que partir do contexto da própria obra, o que a obra se propõe a apresentar, e assim você consegue gerar na sua crítica inúmeras possibilidades de leitura para um mesmo filme”, explica.

A respeito de elementos extrafilme, como comparações com outras produções de uma mesma franquia ou questionamentos sobre as inspirações dos diretores, o crítico recomenda deixá-los de lado na hora de escrever o texto e focar na obra em si: “A gente tem que analisar de maneira distante esses elementos extrafilmes, para assim criticar verdadeiramente o filme. Se eu como crítico tento buscar um sentido final para o filme, mesmo não existindo esse sentido final, e se eu tento buscar o contexto da obra, mesmo que a interpretação dela venha mudando conforme o tempo avança, então o que eu devo buscar? Acredito que são os elementos que formam o filme, como fotografia, trilha sonora, direção, arte e atuação. Um filme é ótimo quando ele alcança o que ele se propõe a fazer”, sustenta.

A terceira painelista da noite foi a jornalista Ana Istschuk. Responsável pelo site literário “Pássaro Liberto” e coordenadora do clube de leitura “Leia Mulheres PG”, a jornalista foi a convidada para falar sobre crítica literária para os estudantes. A partir de sua experiência pessoal, Ana explica que uma crítica literária completa é composta de três itens: a descrição da obra (relatar a sinopse da obra e sua experiência de leitura com a mesma, se o livro é fácil ou difícil compreensão, curto ou longo, falar sobre a narrativa, a construção de personagens, a diagramação do livro, os elementos externos do livro como ano de publicação, contexto sociocultural, país de publicação e quem é o autor), a comparação com outras obras (requer mais bagagem e consumo, mas na visão da painelista é um esforço necessário para que a pessoa entenda melhor se vale a pena ir atrás do livro ou não) e a avaliação da obra (muito mais do que dizer se é bom ou não, é explicar o porque você gostou ou não do livro, o que faz com que o leitor consiga chegar a uma conclusão similar à do crítico).

Para a jornalista, relatar todas as experiências de leitura na crítica transmite um caráter de veracidade da leitura por parte de quem está a avaliando e uma proximidade maior com o leitor, ainda mais se esta crítica for feita sobre produções literárias regionais: “Ponta Grossa tem bastante escritor, tem bastante evento de literatura e são espaços muito ricos para conhecer obras e escritores. Esses espaços de troca permitem que você conheça com mais detalhes o autor e traga isso para seu texto, assim mais pessoas podem ter contato com o trabalho dele”, enfatiza.

Ana também destaca pontos importantes para ampliar o repertório daqueles que desejam trabalhar com crítica literária: “Consumir coisas que a gente não costuma ler, seja gêneros ou autores. Ler mais mulheres, ler mais negras, ler mais indígenas, ler produções da comunidade LGBTQIA+, porque esses grupos trazem diferentes perspectivas se comparados à literatura clássica, masculina, branca e heteronormativa brasileira”. Como sugestões de fontes para a realização de produções críticas no cenário literário regional, ela menciona o Censo Cultural promovido pela Prefeitura de Ponta Grossa, a Academia de Letras dos Campos Gerais, o Programa Municipal de Incentivo Fiscal à Cultura (Promific).

A jornalista Ana Istschuck apresenta para os estudantes um dos livros produzidos pelo projeto “Olaria Cartonera” de Ponta Grossa. Imagem: Print de tela.

O jornalista Jeferson Augusto foi o quarto painelista da noite. Com mais de dez anos de experiência em redações de jornal impresso e online em Ponta Grossa, Augusto ressalta que todo crítico também deve ser um leitor: “Crítico não pode ter preguiça. Tem que ser leitor diário, e não só dar aquela passada de olho. Ler jornal, site, revista, o produto que for, e não é só ler críticas produzidas por outras pessoas, é todo o conteúdo jornalístico, para ter um embasamento na hora de falar”. Todavia, o jornalista relembra que é preciso ponderar tudo que foi escrito como crítica antes de publicá-la. “Reflita bem sobre aquilo que você está escrevendo. Escreva, pare, leia, e leia de novo se for preciso, porque mesmo que os argumentos sejam embasados, o cuidado com as palavras é essencial”, explica.

O crítico também ressalta que é importante ter conhecimento sobre as limitações da imprensa local para entender quais tipos de conteúdos podem ser publicados: “Entender os formatos que os veículos possuem e se as produções possuem determinados interesses políticos ou determinados interesses comerciais é muito importante. Os veículos aqui da região estão cada vez mais enxutos, com cada vez menos recursos de pessoal e recursos de produção, então tudo isso vai determinar se seu conteúdo entra ou não”. A partir desta visão, o jornalista acredita que, na hora de produzir uma crítica de mídia noticiosa, todo profissional deve partir da premissa central da informação. “Quando for criticar um produto jornalístico, você deve se perguntar: Isso que está escrito aqui, de alguma maneira, me informa? A partir da resposta que você tiver você começa a estabelecer um norte para criticar se o veículo está atingindo ao que se propõe”, aponta.

Augusto destaca que o debate sobre a produção de crítica de mídia é primordial para a evolução das produções e também para que a profissão jornalística deixe de ser vista em segundo plano na sociedade brasileira e assuma novamente sua importância social: “É importante que se discuta jornalismo. Como se faz, porque se faz, quem faz, e é importante que esse debate não fique só no meio acadêmico, mas que se discuta entre as pessoas na rua. Eu já ouvi de um monte de gente que nem sabe o que passa no telejornal, quais jornais e sites noticiosos tem aqui na cidade, então você percebe que o jornalismo, quando relegado ao papel de coadjuvante, leva a um desprezo da população pelo nosso trabalho. E quando você faz uma crítica de mídia, você está pautando o jornalismo em si, trazendo ele como assunto principal, o que é fundamental”.

O último painelista da noite foi o jornalista Stiven Souza, convidado para falar para os estudantes sobre sua atuação na área de produção em rádio e TV local. Para ele, existe uma grande dificuldade de se pensar em conteúdos jornalísticos regionais nestes formatos para se criticar, uma vez que persiste tanto a escassez de produções quanto seu pouco consumo. “A gente não acompanha como deveria a mídia regional, mas principalmente porque a oferta é pequena em televisão. Então o primeiro passo de crítica em rádio e TV é acompanhar. Se você não acompanhar notícias e programas não tem como criticar, acaba perdendo o lugar de fala sobre a produção”, analisa.

Na visão do jornalista, o campo da crítica de rádio e TV é muito amplo e subjetivo, então o desafio do profissional é realizar um recorte sobre o que analisará. “Quando a gente pensa em criticar um canal de TV ou um programa de rádio, pode criticar desde as reportagens exibidas à um assunto em específico de uma delas, o formato escolhido pelo veículo, a linguagem formal ou informal, se ele cabe para as produções veiculadas em redes sociais, se o conteúdo é interessante ou desinteressante, se a notícia está sendo apresentada em link ao vivo, VT, nota, reportagem, quanto tempo foi dedicado a falar do assunto, então existe um leque bem grande para se criticar”. 

Souza frisa que os jornalistas não devem ter medo de criticar conteúdos jornalísticos: “Outra dificuldade que eu percebo é a de encontrar formas de como criticar o próprio jornalismo ou até mesmo de se colocar no papel de ombudsman na mídia regional. Às vezes parece mais fácil falar de livro, filme e música do que de conteúdo jornalístico, mas na verdade esse tipo de crítica acaba sendo até mais fácil porque nós jornalistas estudamos isso e temos muito mais conhecimento sobre jornalismo do que sobre outros setores culturais, então vejo isto como um receio desnecessário”, compreende. O jornalista cita dois pontos-chave para produzir crítica de rádio e TV: “Primeiro, você tem que justificar de forma coerente sua opinião, até porque a crítica não se trata do seu gosto, e sim do segundo ponto, que é ver se o conteúdo apresentado cumpre com o seu objetivo, que é nada mais do que informar a população. Assim, para a gente fazer a crítica tem que se desprender de escrever somente a nossa opinião e analisar se essa principal missão é cumprida ou não”.

O evento, coordenado pelo professor Sérgio Gadini e organizado em parceria com a Agência de Jornalismo, o Cultura Plural e o Mestrado em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), disponibilizou certificado de horas para os participantes, que logo mais estarão disponíveis no site da PROEX. Para aqueles que não puderam acompanhar ao vivo, os dois painéis podem ser acessados na página do Facebook da Agência de Jornalismo e do Cultura Plural.

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