Por Mariana Tozetto
Está escrito nos documentos que no momento de sua morte, a mulher de cabelos longos e negros lia um livro de Machado de Assis. A menina que cresceu órfã de mãe, criada pela avó se chamava Corina Portugal. Casou-se ainda muito cedo, com apenas 14 anos, com um homem onze anos mais velho, chamado Alfredo Marques de Campos. Alguns anos depois foi assassinada com 32 facadas pelo seu marido. Toda a trama de sua morte trágica é envolvida por ciúmes e política, ainda no ano de 1889. A história se passa na época da monarquia no Brasil, mas se trouxermos para os dias de hoje, ainda é atual, já que o país ocupa o 7º lugar entre os países que possuem a maior taxa de mortalidade feminina.
No dia 26 de abril deste ano a morte de Corina completou 126 anos. Como parte das atividades que relembram o caso, um grupo de pontagrossenses se uniu e pretende colocar em pauta, o projeto para a mudança do nome da Avenida Vicente Machado, uma das principais da cidade, onde se concentram lojas de comércio, varejo e prédios, para Avenida Corina Portugal. O motivo? Simples. Vicente Machado nada mais foi que o advogado que absolveu a prisão do assassino de Corina, além de ter sido um influente político que comandou o Estado do Paraná no fim do século 19.
Um dos participantes do movimento, o engenheiro agrônomo Mauro Marcolino, conta que já foi conversou-se com dois vereadores da cidade e a intenção é que o pedido chegue até o prefeito. “Estamos em um momento de revisar nossa história, passá-la a limpo. O establishment princesino tentou acobertar o que houve com Corina, deturpando sua imagem para proteger um criminoso. Com o tempo tentaram apagar o crime através da religiosidade. Tornaram Corina sagrada aos olhos do povo, até para se esquecer do assassino e de quem o defendeu – Vicente Machado.”
“Desvelar essa história é passar a limpo as mentiras que nos contaram por toda a vida. O movimento troca Vicente por Corina mexe com as estruturas erigidas por um grupo que escreveu a história da cidade baseada num assassinato de uma mulher e para que se tornasse verdade deturparam e jogaram na lama essa pessoa. Esse movimento vem apenas resgatar a verdade sobre Corina e seus detratores”, complementa Mauro.
Corina é vista por muitos pontagrossenses, como santa, mesmo que não-canônica, pois apesar de acreditar-se que ela realiza milagres, ainda não foi reconhecida pela igreja católica. Seu túmulo fica no Cemitério São José. Na entrada vira-se a esquerda, segue reto e logo a direita é possível encontra-lo: túmulo de número 1258, cheio de plaquinhas de agradecimentos, flores, fotos, chaves, cartas para o amor não correspondido.
O túmulo cor de rosa, não possui nenhuma foto, apenas uma gravura com a cidade do Rio de Janeiro ao fundo (cidade natal de Corina) e uma frase: “Um anjo de Luz a conceder milagres e trazer esperanças aos que padecem”. O auxiliar de serviços gerais, Ezequiel de Lima, que trabalha no cemitério conta que quem cuida da lápide são os devotos e adoradores da ‘santa’: “Vem gente de tudo quanto é tipo, mulheres e idosos. É o túmulo mais visitado do cemitério. E são eles que cuidam, pintam, colocam plaquinha. A placa de cerâmica com o retrato dela foram eles que mandaram fazer”, diz. Como Corina era do Rio de Janeiro e não teve filhos, ninguém da família visita o túmulo.
É nas tardes de segunda-feiras que os devotos se reúnem no túmulo de Corina para a realização de novenas com duração de oito semanas, fazendo diversos pedidos e agradecimentos. Criou-se pelos fiéis até mesmo uma oração própria para Corina Portugal, que caso a graça seja alcançada deve-se fazer 100 cópias e deixar junto ao túmulo. Segue uma parte da oração: “Se você é mãe, esposa ou filha que enfrenta problemas difíceis do lar, no relacionamento com seu marido, companheiro ou namorada, se você está sem trabalho, vai prestar exames ou concursos, se você é alvo da calúnia feia por pessoas maldosas, não se abata e nem aceite passivamente todo esse estado de coisas. Invoque a intercessão da suave e sempre atenta CORINA PORTUGAL que foi mártir, inocente, sacrificada pela insanidade do esposo e motivo de escárnio de uma sociedade hipócrita.”
Corina em livro
O advogado e escritor, Josué Corrêa Fernandes, intrigava-se com o túmulo e a história de Corina todas as vezes que ia ao cemitério. Foi quando começou a pesquisar sobre a história da jovem. “Eu sempre que ia ao Cemitério São José via o túmulo pequeno ali sempre cheio de flores, velas e tal, muitas plaquinhas. Fui procurar o processo criminal da morte da Corina e não achei no fórum, o que me deixou ainda mais interessado. Procurei nos livros de registros de atas do tribunal do júri e consegui achar a ata do primeiro julgamento do marido dela. Ali eu senti, na leitura da ata, que havia um condimento diferente no caso dela, talvez até político.” O resultado dada pesquisa foi o livro “Histórias de Sangue e Luz” que conta a história de vida de Corina Portugal.
O escritor encontrou a certidão de casamento e nascimento de Corina, jornais da época que retrataram o desenlace do caso do assassinato e também algumas correspondências que Corina trocava com o pai dela, que morava no Rio de janeiro. A conclusão que o escritor chegou foi que Alfredo aproveitou da intimidade criada com o médico Dr. Dória, amigo do casal na época, para acusá-lo de adultério com Corina, e na noite em 26 de abril de 1889 matou a esposa com 32 facadas. Antes disso há relatos de maus tratos e violência física feitas pelo marido contra Corina Portugal. Ao matar a mulher denunciando um suposto adultério, que na época era justificativa para um assassinato, Alfredo foi absolvido. No período entre a morte e o julgamento a cidade viu-se dividida entre a versão do marido e a de Corina, descrita em uma carta enviada meses antes para seu pai, descrevendo sua situação.
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