No Jardim Santa Luiza, tomando como referência o presídio Hildebrando de Souza e seguindo a linha de ônibus coletivo até a última parada do Santa Maria, fica a Associação Afro-Brasileira Cacique Pena Branca. Mais precisamente na Rua Adolfo de Siqueira Filho, nº 100. O endereço abriga o restaurante Sinhá Vitória, o clube de motoqueiros Hienas, um barracão onde são feitas as reuniões e atividades da Associação e ainda, o Terreiro de Candomblé.
A presidente da entidade, Tânia Mara Batista, Dona Tânia ou ainda Mãe Tânia, é também fundadora da Casa da Aprendizagem Criança Feliz, sacerdotisa da candomblé, representante do movimento quilombola, artesã e cozinheira. E mais importante, segundo ela, “a gente não serve apenas como presidente da Instituição, serve também como amiga e conselheira na comunidade”.
Era uma tarde de segunda-feira estranhamente quente. Por volta das três da tarde, depois de 45 minutos de ônibus, fui recebida por Dona Tânia em uma salinha repleta de livros e imagens sacras, como São Jorge, Iemanjá, estátuas de ciganos, Preto Velho, e terço, representando a diversidade e miscigenação cultural e religiosa. Sentamo-nos à mesa coberta por uma toalha branca com bordados de renda, onde estava o tarô…
Mãe Tânia
“Quando ouvíamos falar em mediunidade era como sinônimo de coisa do diabo. Fomos criados no catolicismo, que interpretava o que eu sentia como possessão. Até mesmo hoje, em alguns cultos, eles utilizam entidades do Candomblé como sinônimos do demônio”, explica dona Tânia.
Sacerdotisa da candomblé, Mãe Tânia conta que aos oito anos sua mediunidade se manifestou pela primeira vez. “Por causa da ignorância e do desconhecimento, fui internada diversas vezes no Hospital Psiquiátrico Franco da Rocha ou medicada com fortes tranquilizantes. Minha mediunidade se manifestava através da incorporação de Iemanjá, que é a mãe dos oceanos”.
Tânia explica que ‘incorporar’ é dar passagem a espíritos para que, através do controle do corpo, dêem orientação a quem pede e façam até mesmo curas. “Cada vez que incorporava, eu era internada como convulsiva e medicada com Gardenal”.
Segundo ela, seu pai, Antonio Batista, foi quem percebeu que não eram crises convulsivas nem possessão demoníaca. “Ele buscou compreender o que estava acontecendo se aprofundando na área espiritual. Foi ele quem me conduziu a também entender o que estava acontecendo”. Aos 14 anos, Tânia foi a Salvador onde ingressou nas religiões de matrizes africanas.
“Eu conheço Seicho-no-ie, o Budismo, a área evangélica e a católica. Participei de trabalhos de “libertação” e até mesmo exorcismo. Busquei o conhecimento em todas as áreas para descobrir que a minha era o Candomblé. Pois a religião, na verdade, é o que você tem no coração. O princípio básico deve ser o amor e o respeito”.
Presidente Tânia
“A Prefeitura está dizendo que vai tirar o nosso alvará de Ação Social porque não estamos “dentro da lei”. O que eles querem são cabides de emprego. Agora, estão exigindo que contratemos uma nutricionista. Eles sempre impõem barreiras para que a gente não trabalhe”.
Dona Tânia se mostra bastante indignada com os últimos acontecimentos. Ela explica que a Prefeitura está exigindo a contratação de funcionários. “Aqui na Instituição todos são voluntários. Quem trabalha com as crianças, os médicos, professores, assistentes sociais e as cozinheiras, todos se dedicam por amor. Não temos condições de pagar salários”.
Ela explica que a verba é proveniente de doações de particulares, bazares e eventos. “Inclusive promovemos uma cavalgada para arrecadar fundos para comprar pelo menos dois computadores e voltar a atender as crianças”, diz dona Tânia, que também realiza bazares beneficentes.
Em 2008, por causa das fortes chuvas, o barracão em que todas as atividades são feitas foi destelhado. Por falta de verba, o ambiente ficou exposto por quase dois anos. Com isso grande parte da estrutura foi perdida, “o chão estragou, as vigas do telhado apodreceram, e os equipamentos como computadores e geladeiras estragaram”. O resultado foi a interrupção das aulas de informática às crianças e adultos.
As crianças sempre foram uma grande preocupação de Dona Tânia. Ela conta que há 21 anos, quando se mudou para o Jardim Santa Luiza, via pessoas escondendo drogas em meio às arvores de terrenos vagos. “Muita gente andava por aqui, mas o mais preocupante era a quantia de crianças”. Essa foi uma das motivações para abrir a instituição, “tentar tirar essas crianças desse caminho. Eu as chamava para fazer um lanche e orientava. Percebemos que o tráfico diminuiu na região”.
A maior parte das pessoas atendidas são moradores do bairro Ouro Verde. “O tráfico está muito presente na comunidade, buscamos atender os menores para evitar que entrem para as drogas”. Outro foco são as adolescentes que acabam entrando na prostituição, “muitas vezes por falta de estrutura de apoio. Muitas das crianças que nós atendíamos, hoje vemos nessas situações, faltam-nos condições de manter esses adolescentes aqui”.
Tânia conta que nos finais de semana, a instituição disponibiliza aulas de alfabetização para a terceira idade. Às terças e quintas “recebemos cerca de 30 mulheres para os cursos de artesanato do clube de mães, e para as quase 40 crianças que vem acompanhar as mães, incentivamos o resgate da cultura quilombola através da dança e da religião”. Além dessas atividades, são trazidas palestras sobre sexualidade, doenças e gravidez. “Tudo voluntário. Todos que vem ensinar são voluntários. Fazem por amor.”
Dona Tânia
Tânia nasceu em Ponta Grossa em 1955. Estudou o Ginásio no Colégio Sagrada Família e iniciou a faculdade de Teologia, “mas prefiro a aprendizagem prática, não tenho paciência com livros, por isso abandonei o curso”. Conta que prefere buscar o conhecimento prático, “foi assim que aprendi em casa”.
Filha de Antonio Anuquércio Batista e Osíris de Abreu Batista conta que morou em Cambará e Santo Antonio da Platina por causa do trabalho do pai, que era Policial Militar e Chefe da Ciretran. Tânia e seus três irmãos cresceram em meio ao catolicismo, “mas cada um dos filhos escolheu uma religião. Eu sou do Candomblé, minha irmã é ateia, um dos meus irmãos é Espírita Kardecista, e o outro é Testemunha de Jeová”.
Sua mãe, Osíris Batista, é costureira e tem descendência negra e indígena. Foi com ela que Dona Tânia aprendeu culinária e o artesanato. “Sempre gostei de trabalhos manuais e cozinhar, tudo que sei aprendi com minha mãe, que aprendeu com minha avó. A gente toda vida se criou assim”.
E é esse artesanato que Dona Tânia ensina às mulheres do Clube de Mães. As bonecas de pano confeccionadas por elas são vendidas até mesmo para clientes nos Estados Unidos. “Por causa das feiras de artesanato e dos fóruns de que participei, acabei conhecendo o Brasil todo”.
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