Drive my car: longa japonês no Oscar faz da virtude da paciência um mantra

A influência da duração de um filme é ligada ao êxito da edição e da montagem. Se estas não cumprem o seu papel, até mesmo o mais frenético filme de uma hora e meia soará como uma eternidade para o espectador. O inverso também é possível quando se trata de um filme de mais de duas horas e meia cuja passagem de tempo mal é notada devido à fluidez com que causa imersão na estória de seus personagens.

Drive my Car (2021), longa metragem internacional sensação da temporada de premiações de 2022, se posiciona em um meio termo curioso. Seu ritmo lento faz com que cada minuto de suas três horas de duração sejam sentidos. Mas por outro lado, o êxito do filme é indissociável desse caminhar vagaroso que a direção de Ryûsuke Hamaguchi e a edição de Azusa Yamazaki impõem ao projeto. Pois ele dialoga intrinsecamente com a assombração de carregar o peso de uma vida inteira de sentimentos não expressos por seus personagens.

A trama acompanha o ator e diretor Yusûke Kafufu (Hidetoshi Nishijima) em sua viagem para dirigir uma versão japonesa da peça Tio Vania (1898), de Anton Tchekhov, em Hiroshima. Desiludido pelo falecimento da esposa infiel, o artista é incapaz de performar um papel que domina por conta da semelhança invasiva que este possui com seus próprios dramas pessoais. Tentando se reerguer, ele vê na amizade com sua motorista, a jovem Misaki (Tôko Miura), uma chance de reorganizar as misérias e esplendores do passado.

A escolha de inserir um prólogo de 40 minutos para apresentar a angústia do protagonista cria um lapso do filme com o status quo do cinema contemporâneo. Em uma época onde a importância de elementos de inserção no primeiro ato é diluída para dar a efêmera sensação de frenesi ao público, o filme vira uma antítese ao não só construir bases sólidas para a trama, como também acrescentar um adendo detalhado para garantir que saibamos sobre tudo que inflige dor ao protagonista. Algo que facilmente seria explorado em uma citação ou, no máximo, em um flashback em produções mais convencionais.

Na superfície, tal escolha é um rasante rumo ao fracasso de público. Se não bastassem todas as barreiras culturais construídas em volta de filmes estrangeiros ao eixo ocidental – ou que meramente necessitem de legendas – existe um conflito inato com a forma de consumo compulsiva dos espectadores atuais. Inflexíveis a tudo que não apele ao imediatismo imagético.

Algo tão presente que plataformas de streaming foram obrigadas a incluir opções de velocidade de reprodução. Disposição que invalida o trabalho meticuloso dos editores cinematográficos.

Os 180 minutos, aliados à condução pouca cinética de Hamaguchi, fazem da obra restritiva e decepcionante para o acompanhante médio do Óscar. Por outro lado, a excentricidade dessa proposta é justamente o que lhe confere distinção em relação aos concorrentes. O que valida a leitura de sua chegada à premiação ocidental – sustentada no prestigio adquirido durante a passagem no Festival de Cannes – como um indício da identificação da obra pela academia como um respiro ao padrão dos demais indicados, e do cinema vigente como um todo.

Toda a falta de urgência com que a trama se move transpira um capricho minimalista, artesanal. Construção comumente associada a virtudes japonesas como paciência e resiliência, que na sétima arte, possuem como um dos maiores expoentes o cineasta Yasujiro Ozu (1903-1963), que via grandeza e dignidade em estórias e personagens que outrora seriam banais, comuns ou mundanos.

Logo, as quatro indicações do filme são primeiramente um movimento que celebra a nostalgia, não necessariamente de um passado especifico, mas um em que havia paciência para se abordar tramas que, exteriormente, pouco oferecem aos olhos do público adestrado a concentrar a atenção apenas naquilo que é berrante. A qual privilegia universos interiores ricos de personagens facilmente encontrados fora das telas.

Tal abordagem se justifica no terceiro ato. As sementes narrativas plantadas no início dão ao público resiliente os frutos de uma catarse cuja riqueza se resume ao esforço simples, mas poderoso, de gerar empatia pela redenção alheia. Aqui e acolá, tal esforço é encorpado com meditações sobre temas como amor, monogamia e a força nociva de sentimentos enterrados no âmago da alma que nunca viram a luz do dia.

A jornada é compensadora para os que chegam ao fim. Ainda que atualmente, e infelizmente, seja difícil cogitar quem faria isso. Em todo caso, o reconhecimento que a obra, favorita ao prêmio de melhor filme internacional, vem angariando é valido. Mesmo pautado em saudosismo, ele coloca o filme como uma opção a quem não suporta mais o caráter imediatista indissociável de tudo que é contemporâneo.

 

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