“Estrada eu vou, estrada eu sou…”

A criança chora, a mãe reclama. As horas caminham lentas e a ansiedade aumenta. O movimento dos passageiros é tão grande quanto a fila que aguarda em pé a chegada do metropolitano. Os oito portões de embarque marcados em ordem alfabética são as fronteiras que dividem as expectativas da partida e os veículos das viações. Como na maioria das rodoviárias que possuem grande fluxo de ônibus com destino a cidades pequenas, há, pelo menos, um fardo de comida ou cesta básica em um dos portões de embarque.

Farinha, leite e grãos em geral são os alimentos que mais aparecem na rodoviária. Seus donos cuidam dos mantimentos como se fossem frágeis porcelanas que podem quebrar com uma simples rajada de vento. “Moço, embala bem porque se não fura!”, ou “Imagine se derrama esse leite!”. Com a chegada de supermercados na cidade que vendem a preço de atacado, há cerca de oito meses, a presença de fardos de alimentos cresceu visivelmente na rodoviária. É engraçado dividir o assento com 5kg de farinha.

O espaço

Os lugares para esperar a viagem são dispostos em bancos de metal, mais confortáveis no verão devido a sensação refrescante proporcionada pelo material que o assento foi feito. Sensação, esta, não tão desejada nas noites frias de inverno que Ponta Grossa é acostumada a oferecer. As pessoas sentam-se com certa distância uma das outras. Em média, ‘um assento’ é a medida do espaço que separa um viajante de outro. Quando é véspera de feriado, esse limite de distância não é tão aparente, mesmo ainda existindo. Mas, ainda é possível ver pessoas que optam por permanecer em pé a ocupar um lugar tão próximo de um desconhecido. Cenas de conversas entre os ocupantes dos lugares não são frequentes. A maioria delas são entre pessoas que se já se conhecem e estão a esperar o mesmo ônibus.

No centro do teto da rodoviária há um relógio digital, que marca as horas com precisão. Porém, a temperatura, também marcada pelo relógio, sempre gira em torno dos 30°C nos dias quentes de outubro. Inimagináveis, por exemplo, em uma tarde fria de julho.  A fila nas duas lanchonetes instaladas dentro do local ficam maiores, e as poucas mesas disponíveis para desfrutar o alimento ali adquirido são disputadas. Quem é mais rápido, ou mais esperto, coloca a mala em cima da mesa e marca o lugar.  O preço salgado dos itens vendidos nas lanchonetes fazem quem tem sede desembolsar quase o dobro do preço de uma lata de coca-cola.

A Lan house não é tão visitada. A falta de fregueses, talvez, se de pela internet wireless oferecida pela rodoviária. A conexão é boa, rápida e consegue ser captada fora do local, quando se está com sorte, até as proximidades da Receita Federal. No piso superior onde placas indicam a presença de banheiros é difícil perceber a circulação de pessoas, exceto a de seguranças e vigias. A presença de rampas ou acessórios que propiciem o acesso de passageiros com deficiência física são precários. Singelas rampas na entrada, meio apagadas pelo tempo e desgaste de quem passa são uma das poucas marcas da democratização ao acesso do espaço.

Confusa é a venda das passagens. Há empresas que possuem guichês na parte externa, outras internas. As que estão na parte de fora são prejudicas pelo tempo em época de chuva. Dependendo da direção do vento, quando cai a garoa, banho em casa já não é mais necessário.

No passado

Nem sempre a rodoviária possuía de ‘confortos’.  Até o fim da década de 1960 Ponta Grossa não possuía rodoviária. Quem precisava viajar, adquiria sua passagem no posto de vendas, localizado na Praça Barão de Guaraúna, onde se localiza hoje, o antigo Cine Império. Foi em 20 de setembro de 1970 que a cidade recebia sua primeira Estação Rodoviária, tendo como prefeito de Ponta Grossa Cyro Martins.

Com o passar do tempo, o crescimento da cidade e a falta de cuidado para com a estação tornaram o terminal velho, ultrapassado, sendo necessária a realização de uma reforma, ou mesmo a criação de um novo prédio. Houve tentativas de melhoras, com pinturas e reparos, mas nada que resolvesse o problema. No aniversário de 182 anos de Ponta Grossa, o governador Roberto Requião, ao fazer uma visita à cidade, anunciou que aplicaria 5 milhões de reais para a construção de um novo terminal rodoviário no município e, cumprindo sua promessa, a partir de 2 de agosto de 2006, iniciou-se  a demolição da antiga rodoviária.

Passatempo ou o tempo não passa?

As pessoas passam o tempo de formas distintas dentro do espaço da rodoviária. Algumas, acompanhadas, ou então, as mais dispostas e simpáticas, conversam.  Jogam assuntos cotidianos fora. Falam geralmente da cidade em que estão prestes a chegar. As que estão com exames de clinicas médicas da cidade geralmente são caladas, e quando falam, contam das idas e vindas da saúde. As conversas que mais fluem são as masculinas. Parece ver menos inibição da parte dos homens na troca de ideias e das constatações cotidianas.

Mulheres quando conversam falam dos filhos, ou com os filhos. Telefones são mais preferidos pelas senhoras para esbanjar conversa do que trocar palavras ao vivo, com outras pessoas. Porém, a maioria das pessoas, quase sem distinção de idade, utilizam fone de ouvido para fugir da realidade do local. A distração é tanta que é preciso ajuda para não perder a viagem. “Ei! É Ipiranga, tão chamando. É teu ônibus!”.

O que é de se reparar que não há aparelho de TV. No lugar do “relógio-termômetro”, um tanto falho e confuso, seria um bom local para uma televisão. Para quem não conversa, não lê e não houve música, assistir à programação televisiva poderia ser mais proveitoso (e menos fútil) do que gastar o tempo reparando na bagagem dos que chegam ou saem do local.

Mania de passageiro

Dizem que a personalidade ou o status de alguém é perceptível pelo corte ou cor de cabelo, marca de roupa ou sapato. Na rodoviária de Ponta Grossa não é diferente, porém, o que caracteriza cada viajante é a mala.

São de várias cores, tamanhos e formas. Os homens preferem as malas de mão, ou nas costas. São geralmente de cores fortes e escuras, oscilam do verde escuro, passam pelo azul, marrom, cinza e preto. Na maioria das vezes são malas pequenas e de fácil transporte. Já as mulheres parecem disputar na atenção das malas, principalmente as moças mais jovens. Cores e estampas são das mais diferenciadas. Algumas levam mais de uma. É comum carregarem também, além da mala, a famosa frasqueira, que pode ser tanto to mesmo material da mala ou não. Os olhos e a vaidade de cada mulher da rodoviária é voltada sempre às malas de cada presença feminina ao entrar no local, como se fosse uma disputa da mala que mais combina com a roupa, com a personalidade, que comporta mais bagagem ou mais futilidade.

Estudantes na véspera de feriado são os que mais marcam presença quando se trata do quesito bagagem. Gravado em bordado, pintura, ou graficamente, surgem os estudantes universitários. Enfermagem, medicinas, diversos ramos da engenharia e das ciências sócias. A bolsa nesse caso, serve como identificação, como pertencimento a uma classe, reforçada no espaço público rodoviário.

Reportagem de Angélica Szeremeta

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