Matéria produzida para o curso de Jornalismo da UEPG.
Luthier. Palavra francesa para profissional que produz ou repara instrumentos de corda. Mas, em certos casos, pode se estender para outros. Adilson Chauchuty é luthier de instrumentos de sopro. O profissional aprendeu a tocar clarinete logo na infância: ficou dos dez aos dezoito anos na Banda Escola Lyra dos Campos. Em seguida trabalhou no Exército Brasileiro por 25 anos. Durante 13 anos dos 25 que permaneceu no Exército, Adilson foi clarinetista da Orquestra Sinfônica de Ponta Grossa.
O luthier também adquiriu o título de segundo sargento músico durante a carreira militar: “fui para a Amazônia na cidade de Marabá e depois para Bagé no Rio Grande do Sul. Já trabalhava com manutenção de instrumental nesses lugares. Faz cinco anos e meio que voltei para Ponta Grossa”, relata Adilson. O luthier acrescenta que não há muitas pessoas na região que trabalham com manutenção de instrumentos de sopro. E a carência não está só em profissionais, já que maioria dos materiais vem de outros estados ou de fora do país. “O material vem de Minas, São Paulo. Além disso, têm muitas coisas vindas da China. É preciso usar a criatividade para trabalhar também. Uso instrumentos de ortodontista como ferramenta”, explica Adilson.
“O instrumento musical é como um carro: precisa de manutenção mesmo que não apresente defeitos. E o profissional que faz a manutenção não vem de escola, não tem formação. Adquire com o tempo, se aperfeiçoando”, esclarece Adilson. O luthier também restaura instrumentos com tempo maior se uso. Um exemplo é um clarinete alemão com cerca de 20 anos: “Um instrumento semelhante, caso seja comprado novo, custa cerca de mil reais”, calcula.
A questão é que os instrumentos antigos eram feitos com materiais de melhor qualidade, mais duráveis. Atualmente, o material utilizado na confecção necessita de mais manutenções. “Dependendo do instrumento dá para saber quanto tempo tem. Estou concertando um saxofone com quase 50 anos, a qualidade do material é muito boa. Os materiais do mercado chinês são mais descartáveis”, esclarece oluthier.
Adilson atende músicos ponta-grossenses, mas diversos instrumentos são de fora. “Já veio de Jacundá no Pará, muitos vêm do norte do Paraná, de Londrina ou Maringá, alguns de Curitiba, outros de Minas Gerais. Eu também converso e divulgo meu trabalho pelas redes sociais”, diz.
Adilson explica que apesar de realizar um trabalho cuidadoso, a prática permite que concerte alguns instrumentos em um ou dois dias. Outro processo interessante é para verificar o “vazamento” de som dos instrumentos como saxofone, clarinete e flauta. “Tem que ser à noite; coloco uma mangueira de LED dentro do saxofone. Aí posso descobrir se tem vazamento de som”, explica.
Outra parte dos instrumentos que normalmente precisam ser trocados são as sapatilhas. Essa peça do instrumento é produzida por lã trançada, couro e papelão. A lã vem de minas e o couro de São Paulo. A peça fica entre os instrumentos e as “teclas”.
Alex Oliveira é professor de música e trabalha em umas das lojas que Adilson dá assistência: “É importante ter alguém que possa fazer a conservação, pois é fácil vender o instrumento. Difícil é garantir a manutenção, o auxílio para o cliente”, esclarece Alex. O saxofonista explica que o instrumento construído por um luthier é mais refinado e tem maior leveza ao tocar: “fica mais harmonizado, o material é melhor e as regulagens são mais refinadas. Se torna um instrumento adaptado para a pessoa. Por mais que seja um instrumento novo, produzido em série, é preciso levar para um profissional fazer essa personalização”, acrescenta Alex.
O músico explica que mesmo que o instrumento não apresente defeitos, leva o seu saxofone no luthier para fazer a manutenção. Assim, a vida útil do instrumento se estende. “Toco em barzinho, então o instrumento precisa estar em dia para ter uma resposta legal”, explica Alex.
Confira os dois VTs produzidos, na coluna da direita desta matéria.
As cordas
Já faz 25 anos que João do Prado trabalha com a luthieria original: de instrumentos de cordas. Mas, só há quatro anos o profissional divulgou o trabalho mais amplamente: “eu era bombeiro. Não tornava tão público em razão da demanda, para não acumular muito serviço. Fazia nos horários de folga”, relata Prado. Agora, em aposentadoria parcial, o luthier se dedica integralmente à arte.
Tudo começou com a paixão pelas guitarras, ainda na infância. Prado já fazia alguns instrumentos, mas sem a técnica profissional. “Sempre gostei (de música), via as bandas tocando e os meus pais não podiam dar um instrumento na época. Talvez isso tenha me impulsionado a iniciar um trabalho parecido com uma guitarra na época, claro que não saia aquele som bacana, mas para quem tinha pouco conhecimento, estava bom”, relembra Prado.
Os anos passaram e o luthier aprendeu mais técnicas e aprimorou as antigas. Prado fez cursos com luthiers de Telêmaco Borba e Rio de Janeiro, por exemplo. Apesar de já confeccionar os instrumentos, algumas técnicas ele ainda desconhecia: “o último aprendizado que fiz foi acústica de violino. Já tinha feito o instrumento, mas sem muita técnica”, conta Prado.
Sobre os materiais usados, Prado explica que apesar de alguns clientes terem certo encantamento por madeiras europeias, as nacionais são de ótima qualidade. “O que torna o instrumento caro é a madeira. Mas, nunca faço com material ruim, já que todas as vezes o meu nome vai junto com o instrumento para determinada banda, por exemplo”. Falando em bandas, são os profissionais delas os principais clientes do luthier.
E os músicos são exigentes. Prado destaca que, principalmente nas orquestras, o refinamento do instrumento é ainda mais requisitado. “O músico percebe a diferença entre um instrumento industrial e outro feito a mão, por um luthier”, diz.
Assim como Adilson, Prado divulga e interage com outros profissionais via Internet: “sempre digo que não conhece muita coisa quem não navega, explora esse recurso”, acrescenta. Além de auxiliar na divulgação do trabalho, o meio também propicia compra de materiais que não são encontrados na cidade. Mas, para manter uma boa clientela, não basta apenas divulgar o trabalho.
Prado explica que a madeira dos instrumentos precisa ser bem seca e que é preciso respeitar o padrão de medidas sem que a personalização interfira na acústica do instrumento: “alguns clientes dão liberdade para fazer algo mais do meu estilo. Mas tem pessoas que já vem com uma ideia. Faço a configuração que o cliente quer. Um trabalho nunca é idêntico ao outro. Apesar de por vezes não gostar de um estilo, respeito e faço”, esclarece o luthier.
A pequena música
A kalimba é um instrumento de origem africana. De uma pequena semente, nasce o porongo, muito utilizado para produzir cuias de chimarrão, por exemplo. O fruto demora cinco meses para crescer. Depois disso, ele seca na planta por mais um tempo até ser retirado e armazenado em um local seco. Todo o processo dura um ano. Aí, tem-se a matéria prima pra produção da kalimba.
Ruben Bagatello confecciona os instrumentos desde a sementinha: “Toda essa parte dá cor ao processo, pois vejo a árvore crescer. Vejo até as tormentas que ela toma, até quando tenho que olhar pela janela e pensar se o fruto irá resistir”, relata Ruben. Mais que um instrumento, a kalimba é parte da história. Elas são até hoje tocadas por nômades africanos, enquanto contam as histórias e os folclores de sua terra.
Em três mil anos de evolução, o instrumento sofreu alterações. Antes, apenas uma placa de madeira com teclas de bambu constituíam a chamada embira. Em seguida, essa estrutura foi colocada dentro do porongo apenas, pois os tocadores tinham a necessidade de fazer o som ressoar.
Atualmente a kalimba, mãe ou irmã da embira, é constituída pelo porongo com um furo (que pode ser cortado de diversas formas), acoplado a uma placa de madeira. Em cima da estrutura são colocadas as teclas de metal. “Parece uma bobagem, pois é apenas o porongo com teclas de metais. Mas se você pergunta a alguém com origem na África, o folclore foi passado, na sua maioria, oralmente e a kalimba faz parte disso”, relata Ruben.
Também conhecida como “piano de polegar” ou “pequena música”, a kalimba pode ser tocada intuitivamente, além da maneira profissional. Portanto, é muito usada em musicoterapia e terapia alternativa: “cada um dos chakras se harmoniza com uma nota. Então, como a kalimba possui boa vibração, é aproveitada para harmonizar esses chakras”, explica Rube.
Sobre a parte profissional ao tocar o instrumento Ruben desenvolveu, após quatro meses de trabalho, a kalimba eletroacústica, para ser ouvida nos palcos junto com bandas.
Mas além de ser um instrumento artesanal, a kalimba recebe um pouco mais de arte. Irina Lucero, esposa de Ruben, é artista plástica e fotógrafa e faz desenhos nas kalimbas. A princípio, apenas motivos africanos eram desenhados. Com o tempo os clientes pediam personalizações diferenciadas: “uma vez Irina desenhou um elefante indiano. Foi primeira vez que saímos da linha da África. Falei: mas como vamos vender uma kalimba africana com um elefantinho indiano?”, relembra Rubén, bem humorado. “Dias depois, uma terapeuta pediu um instrumento. Disse que havia viajado para Índia e que queria um desenho relacionado ao lugar. Eu disse: ‘eu tenho a tua kalimba!’”
Além da música
“Na orquestra, quando eu toquei, era por amor. Era pelo chá e a bolacha no intervalo. Era pelo prazer de tocar e não pelo dinheiro. A gente gostava de música. Hoje a parte financeira já envolve mais.” Mais do que o conserto, a música faz parte de Adilson, luthier de instrumentos de sopro. Foi enquanto tocava clarinete na orquestra da cidade que conheceu a esposa. “Eu tocava clarinete e ela cantava. E fazíamos apresentação juntos. Namoramos e casamos”, relembra Adilson.
Com a kalimba não foi diferente. Ruben tem a parceria de Irina na produção dos instrumentos: “é uma junção das duas energias, assim como eu faço a moldura dos desenhos dela”, explica Rubén. Essa paixão pelo instrumento se estende também para aqueles que adquirem a kalimba.
Rubén conta que uma moça grávida pediu que confeccionasse uma kalimba para ela. Gostaria de tocar para seu bebê ainda na barriga. Depois que a criança, chamada Dante, nasceu, Rubén recebeu um vídeo da família e relata: “na imagem o bebê está dormindo, o pai se senta ao lado da cama e não diz nada, só toca. O bebê acorda, olha para um lado, procurando algo, depois olha para o outro lado, onde o pai está. Quando ele vê de onde vê o som, sorri e volta a dormir. Tudo que o eu acreditava, da influência do instrumento, tive certeza naquele momento. Foi evidente que ele reconhecia o som”.
Reportagem de Gabrielle Rumor Koster
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