Por Marina Scheifer
A troca de cordas é o sistema da graduação da capoeira, representado por 22 cordas, que vão da cor cinza, fase inicial, até a branca, última graduação, utilizada pelo mestre. O evento de troca tem grande relevância dentro da capoeira já que representa o batizado do aluno e a sua dedicação à luta durante determinado período. Mestres de outras academias vem para Ponta Grossa participar do evento no Grupo Muzenza. “Quando o evento acontece aquinós fazemos a divulgação em cidades próximas. A gente vai a outros eventos e as pessoas vêm no nosso. É uma troca de favores”, explica Adriano Ferreira, integrante da Muzenza.
A capoeira no Brasil se iniciou no século XVI, época em que o Brasil ainda era colônia de Portugal. Foi pela necessidade de desenvolver formas de proteção contra a violência e repressão dos colonizadores brasileiros, que o ritmo e os movimentos das danças africanas adaptaram-se a um tipo de luta e deram origem ao que chamamos de capoeira.
Desde lá, quando se trata de capoeira, muitos altos e baixos aconteceram: a prática foi proibida no Brasil por ser considerada muito violenta, em 1930 tornou-se oficialmente um esporte nacional brasileiro, e em 2014 a roda de capoeira foi declarada pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) como Patrimônio imaterial da humanidade. Atualmente, existe 6 milhões de adeptos da arte em todo o mundo.
O grupo Muzenza, de capoeira, foi fundado em 1972 na cidade do Rio de Janeiro. Chegou em Curitiba, três anos depois, em 1975 pelas mãos do mestre Burguês, com uma metodologia e filosofia própria, voltada para as raízes da capoeira. Hoje, o grupo Muzenza tem mais de 54 escolas espalhadas pelo mundo, em 18 em países, como Espanha, Portugal, Austrália, Reino Unido, Israel e França, por exemplo. Em Ponta Grossa, o grupo chegou no ano de 1982, através do mestre Periquito.
A academia participa também de campeonatos de capoeira pelo Brasil. Em 2013, um dos competidores ganhou o Campeonato Mundial de Capoeira. Já em 2014 o prêmio foi no Campeonato Sul-Brasileiro de Capoeira.
Alceu Zagurski, mestre atual do grupo Muzenza na cidade, acompanhou de perto o desenvolvimento da academia. Logo no ano de chegada do grupo na cidade, Zagurski, ou mestre Polaco, como é chamado, iniciou as aulas de capoeira e 10 anos mais tarde tornou-se professor.
Alceu já era integrante do grupo, quando seu atual mestre teve de deixar a academia, que fechou por dois meses. Mestre Polaco continuou com suas aulas e graduou-se como mestre em Curitiba para dar continuidade ao grupo aqui na cidade. “Eu sempre gostei de praticar capoeira quando eu era aluno, mas minha ideia não era nem dar aula ou trabalhar com capoeira. Aí meu professor foi embora e eu tive que seguir para Curitiba para continuar.” O mestre conta ainda como conheceu a capoeira: “antes eu me interessava por arte marcial, mas eu não conhecia capoeira, quando eu fiquei sabendo que iria ter em Ponta Grossa eu assisti uma aula, gostei e comecei a treinar”.
Uma vez por semana ocorre a chamada roda de capoeira, quando os alunos se reúnem para lutar e praticar o que aprenderam durante a semana, mas não há um treino específico para as apresentações.
Na opinião de Adriano o ponto forte do grupo é a tradição já que a escola está no mercado há anos, espalhada em vários países. As músicas também são consideradas uma característica positiva, com 27 CD’s “o Muzenza é um dos grupos que mais tem música de capoeira, o que é fundamental porque sem música não tem capoeira”.
Já para o Mestre Polaco o grupo se destaca na busca pelas raízes “O grupo Muzenza se preocupa muito em trabalhar as raízes da capoeira, em pesquisar e trabalhar com a luta baseado nos fundamentos antigos mesmo”, explica.
‘Eu fui uma pessoa que não cai na má vida por causa da capoeira’
Caio Kallil é um dos oito melhores do mundo na categoria de instrutor, uma das principais no Campeonato Mundial de Capoeira do Grupo Muzenza, realizado em agosto de 2015, na cidade de Guarulhos. Caio tem 29 anos de idade, 19 na capoeira.
Medalhas de eventos? Caio possui uma coleção. Já foi campeão paulista e campeão da Copa de Maringá, na categoria infanto juvenil. Já adulto participou de campeonatos importantes para a Capoeira no Brasil e no mundo, como o Campeonato Sul-brasileiro e alguns campeonatos mundiais no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Para o capoeirista a luta é fundamental na vida daquele praticante que a leva como filosofia de vida. “Atualmente eu vivo de capoeira, e vivo para a capoeira”, expressa. Caio cresceu num ambiente de alto índice de criminalidade, mas foi salvo pelos embalos da dança. “Na minha infância eu tinha tudo pra dar errado, no bairro que eu morava era bem alto o índice de criminalidade e de tráfico, mas foi através da capoeira que eu segui uma vida diferente. Eu fui uma pessoa que não cai na má vida por causa da capoeira”.
Caio atualmente dá aulas de capoeira em Ponta Grossa na ONG Serviço de Obras Sociais (SOS), no Colégio Ludovico e na Academia Guerreiros de Aço. Além disso, viaja também para as cidades de Ipiranga, onde dá aula na Prefeitura, e em Teixeira Soares, também pela Prefeitura. Além das aulas durante a semana, o professor dedica seus finais de semana também à capoeira e eventos relacionados, como campeonatos e graduações de outras academias.
Atualmente, Caio encontra seu hobbie e seu sustento de vida em academias de dança, fazendo o que aprendeu desde seus 10 anos: jogar capoeira. Quando criança, Caio, deu trabalho para seus pais até decidir-se pela capoeira, passando por diversas artes marciais, como Kung Fu e Caratê. “Eu fui pulando de arte em arte, mas eu não gostava das outras, porque tinha que ficar quietinho. E a capoeira me encantou pela música, pelas instrumentações, então foi assim que eu descobri”, explica.
Em um pequeno salão perto de sua casa Caio descobriu um grupo de pessoas que praticavam a arte, desde então entrou para a Muzenza e nunca mais largou. “Eu sempre fui do grupo Muzenza, eu comecei capoeira no Muzenza então eu não sei o que é outra escola de capoeira”, afirma ele.
O professor acredita que a capoeira hoje está pouco valorizada frente a outras artes. “Hoje em dia o pessoal pratica muito Muay Thai porque é aquilo que está na mídia e o que a televisão mostra, o pessoal vai atrás.” Para ele a procura por essa arte é mais voltada para crianças que se encantam ou quem não teve de tempo de participar na sua juventude. “Nós somos sobreviventes dessa arte”, opina o capoeirista.
Capoeira, misto de luta e dança
Além dos que pagam regularmente a mensalidade, a academia possui também um grupo com alunos graduados que, em troca das aulas e outras atividades, participa de apresentações e campeonatos. Adriano Ferreira, praticante de capoeira desde 2001, é um desses alunos. Já participou de vários campeonatos e trabalhou como professor da luta. Para ele a capoeira no Brasil não é valorizada e ainda não vale a pena trabalhar com ela. “Fora do Brasil a capoeira é muito mais valorizada do que aqui, acho que isso já é uma coisa meio que global e generalizada”, comenta o integrante.
Segundo Adriano esse problema decorre, em parte, do grande número de conflitos entre grupos de capoeira. “Esse é um dos motivos que ainda não é um esporte olímpico”, afirma. O destaque da luta é como grande disseminadora da língua portuguesa. “A capoeira no mundo hoje é a maior divulgadora da nossa língua porque os mestres que vão dar aula lá fora ensinam todo o conteúdo na língua portuguesa e inclusive as músicas que eles têm que aprender a cantar são em português”, conta Alceu.
Para ele “a capoeira é rica pela cultura dela, pela maneira como surgiu e pelo fato de o negro ter buscado uma forma de liberdade, isso tudo acabou dando origem a dança”. Segundo o mestre a procura pela luta tem crescido nos últimos meses e um dos diferenciais é a possibilidade de evitar o contato físico: “a procura pela capoeira tem crescido pela maneira que ela ocorre, porque só existe contato físico se a pessoa quiser, se não a pessoa pode praticar sem ter contato, principalmente no início que tem mais perigo de se machucar”, explica o mestre Polaco.
Segundo a professora de Educação Física Luciana Lima a capoeira traz benefícios para o corpo e para a mente. “A capoeira é um exercício muito completo porque mexe com vários músculos, ajuda na coordenação, na flexibilidade além de ajudar no relaxamento e no alívio do estresse”, explica.
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