A história das religiões é tão antiga quanto a história da humanidade. Cada cultura possui crenças e formas diferentes de manifestar sua fé. Em Ponta Grossa, existem mais de 200 igrejas e templos. Católicos, espíritas, evangélicos e umbandistas, entre outros, dividem as ruas e espaços da cidade, em uma relação em que, segundo líderes de cada instituição, é primordial o respeito.
A Câmara de Vereadores de Ponta Grossa, no último mês, tem registrado uma série de episódios em que a religião se insere diretamente no exercício político dos representantes públicos. O vereador Ezequiel Bueno, que também é pastor, instituiu a realização de um ato evangélico nas dependências do espaço: “Deus é o responsável pelas leis, nada mais justo que governemos pautados nas leis dele”, justifica.
Ao ser questionado sobre a possibilidade de outras doutrinas realizarem cultos religiosos dentro da Câmara, Bueno explica que é possível, desde que a proposta seja documentada e aprovada pelos legisladores. “Eu criei um projeto que foi votado e aprovado, se outros líderes religiosos tiverem a mesma iniciativa, a Câmara como um espaço público poderá ser cedida”.
O vereador Pietro Arnaud se declara contrário à prática. “A Câmara de vereadores é um espaço para legislar, independente da religião, sou contra qualquer manifestação deste cunho aqui dentro”, afirma. Para Arnaud, a celebração de cultos no espaço é uma desvirtude e descomprometimento com as funções de um vereador.
No batuque da igualdade
A Associação Afro-Brasileira Cacique Pena Branca mantém viva a cultura africana, a partir da religião do candomblé, em Ponta Grossa. A doutrina chegou ao Brasil junto com negros africanos e, nessa medida, recebeu influências do catolicismo. Seja por falta de conhecimento ou pré-conceitos, sua disseminação ainda é tímida em relação às demais.
O estudioso espírita Ricardo Cunha conta que, conforme suas pesquisas, identifica nas crenças religiosas uma relação de amor e acolhimento entre aqueles que as adotam. Para ele, todas as religiões exercem papel e influências importantes e, portanto, merecem espaço e reconhecimento.
“Acredito que todos têm uma missão e a chance de escolher o caminho pelo qual buscará concluí-la. Deus, para mim, independente de como é chamado, é um só”, afirma Cunha. Segundo o estudioso, o segredo é o conhecimento: “As pessoas precisam conhecer antes de julgar. O candomblé, por exemplo, é associado à macumba, quando na verdade o termo macumba se refere ao som dos tambores, durante as cerimônias religiosas”.
Numa sociedade democrática, é necessário que os indivíduos e as religiões tomem consciência de que o diferente não é errado ou mal. O padre católico, Gustavo de Mello, não só concorda com o respeito mútuo entre práticas religiosas como aponta: “Deus ensina o amor, não é com ódio, julgamento ou preconceito que honraremos o mais essencial dos ensinamentos”.
A voz do calçadão
Pessoas de todas as religiões trafegam pelo calçadão na Rua Coronel Cláudio, no centro de Ponta Grossa. No dia 24 de novembro, 60 cidadãos ponta-grossenses responderam à seguinte pergunta: “você considera correto o uso da Câmara de Vereadores (um espaço público) como sede de um culto voltado a uma religião específica?”. Todos responderam “não”.
O aposentado Jurandir Oliveira expõe: “Todas as religiões tem lugares específicos para celebrar seus cultos. É absurdo que evangélicos se achem superiores a ponto de impor suas crenças dentro da Câmara de Vereadores”. Oliveira ainda aponta o corte de financiamento público para a München Fest: “Não podemos ter a München no Centro de Eventos, mas eles podem ter cultos na Câmara? É ridículo”.
Para a lojista Ester Machado, a realização das cerimônias religiosas na Câmara não são erradas, desde que todas as culturas tenham o mesmo direito e acesso. “Se é um espaço público, todo mundo pode usufruir. Tudo bem que não é local próprio para isto, mas também não é crime, né?”, diz.
Acadêmico de Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Antônio Salomão cita o Artigo 19 da Constituição Federal, que prevê a proibição de aliança entre Estado (e, portanto, os representantes públicos) com qualquer religião. “É lei, o que os evangélicos estão fazendo é passar por cima da Constituição para promover seus interesses particulares”, afirma.
Reportagem de Crystian Kühl
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