O caminho entre produtores culturais e as leis de incentivo à cultura

por Eduardo Godoy

Doze projetos culturais em Ponta Grossa receberam incentivos de empresas e pessoas físicas pela Lei Rouanet de Incentivo à Cultura (Lei Federal nº 8.313/1991) em 2011. O montante repassado chegou a R$ 1.094.368,93, resultante do repasse do Imposto de Renda. Os projetos contemplados são das áreas de Artes Cênicas, Artes Integradas, Humanidades, Música e Patrimônio Cultural.

O maior valor ficou com o projeto de restauração do Museu Campos Gerais e a construção de um anexo, que arrecadou R$ 650 mil junto à Caixa Econômica Federal. Já a 39ª edição do Festival Nacional de Teatro (Fenata) recebeu R$ 195.600,00, sendo que foi autorizado pelo Ministério da Cultura (MinC) a captar R$ 339.470,00. Sete empresas ponta-grossenses repassaram parte de seus impostos para o Festival. “A receptividade dos empresários com o Fenata é muito grande. A maioria das empresas sempre continua apoiando”, conta o coordenador geral do Festival, Cláudio Jorge Guimarães. Ele lembra que chegaram a trabalhar com apenas R$ 20 mil em caixa. “A gente faz o trabalho de acordo com o que conseguimos angariar. Não temos um orçamento fixo, porque é difícil calcular quanto vamos arrecadar”, explica.

39º Fenata
autorizado: R$ 339.470,00

captado: R$ 195.600,00

A ‘Coleção Chiquinho D’Alambebe: natureza e lendas’ foi outro projeto aprovado e que recebeu R$ 46.695,00. Segundo a proponente, Marivete Souta, “o mais difícil é organizar a papelada”. Para facilitar a organização, ela contratou uma empresa especializada – a ABC Escritório de Projetos, que trabalha na consultoria, elaboração e captação de recursos pelas leis e editais. O processo demorou em torno de quatro meses. “Com a consultoria, o processo fica mais rápido para aprovação e captação de recursos”, revela. O projeto conseguiu apoio de cinco empresas de Ponta Grossa (Winner Chemical, Costa Teixeira Transportes, Kurashiki Têxtil e Colégio Sepam), além da estatal Companhia Paranaense de Gás – Compagás.

Entraves para repasse

Em todo o país, foi autorizada a captação de R$ 5,5 bi em 2011, mas o valor apoiado foi de R$ 1,28 bi. Foram apresentados 14.063 projetos, onde 7.912 foram aprovados e 3.597 tiveram repasse financeiro. A disparidade entre o valor autorizado pelo MinC e o valor captado deve-se ao desconhecimento das empresas sobre as leis de incentivo à cultura, acredita a diretora da ABC, Alessandra Bucholdz. “Falta, principalmente, consciência por parte dos empresários que eles podem ajudar a fomentar a cultura local apenas repassando impostos que eles são obrigados a pagar ao governo”, diz Alessandra. Além disso, o prazo para o repasse é outro entrave. As empresas não podem deixar para a última hora, já que devem fazer a doação ou patrocínio até o último dia do ano corrente referente ao ano do imposto. Normalmente, o recolhimento acontece entre os meses de março a abril do próximo ano. “As empresas e as pessoas físicas normalmente deixam para fazer os cálculos apenas nessa época e já não podem mais repassar o incentivo”, explica.

Alessandra Bucholdz
“Falta, principalmente, consciência por parte dos empresários que eles podem ajudar a fomentar a cultura local apenas repassando impostos que eles são obrigados a pagar ao governo”

Outro problema é a falta de departamentos próprios nas empresas para cuidarem desse setor. Segundo Bucholdz, “normalmente os empresários nem tem conhecimento que podem fazer o repasse. E, ainda, não sabem como trabalhar com essa possibilidade, já que muitos enxergam como um trabalho a mais”. Existe também a barreira do medo do fisco. “Por incrível que pareça, alguns empresários e pessoas físicas ainda tem o receio do fisco. Eles acham que têm mais probabilidade de cair na malha fina por fazerem a doação. Mas isso não existe. Pelo contrário, é menos provável”, esclarece.

Quais empresas podem fazer doação?

Não são todas as empresas que têm a opção de repassar parte do IR aos projetos culturais. Apenas as que são tributadas como empresas de lucro real, ou seja, grandes empreendimentos. Em Ponta Grossa, os exemplos são a CCR Rodonorte, Supermercados Tozzeto, Colégio Sepam, Tratornew, Bealieu do Brasil, Consaude, MagParaná, entre outros. Segundo Alessandra, este é mais um entrave da lei. “Ponta Grossa conta com muitas empresas de grande porte. Mas a direção destas empresas muitas vezes não está na cidade. Ou seja, eles apóiam projetos culturais que têm maior visibilidade, principalmente no eixo Rio-São Paulo”, opina. Para a Rodonorte, que tem atuação em 18 cidades, o contexto é diferente. “Atualmente, as comunidades esperam que as grandes empresas tenham esse envolvimento, desempenhando o papel de vetor de boas práticas, não somente gerando empregos e dividendos locais, mas também desenvolvimento econômico qualificado, programas sociais e culturais à altura do que a empresa representa para as localidades. Os projetos culturais são fundamentais nesse relacionamento”, explica a Gestora de Relações Institucionais da empresa, Simone Suzzin.

Simone Suzzin:
“Atualmente, as comunidades esperam que as grandes empresas tenham esse envolvimento, desempenhando o papel de vetor de boas práticas, não somente gerando empregos e dividendos locais, mas também desenvolvimento econômico qualificado, programas sociais e culturais à altura do que a empresa representa para as localidades”

Empresas do tipo lucro presumido, de médio porte e com lucro de até 32%, são autorizados a repassar parte do imposto para projetos de incentivo à cultura no âmbito estadual. Entretanto, no Paraná esta ainda não é a realidade, já que não existe uma lei específica para este recolhimento. “Em Santa Catarina este tipo de incentivo funciona muito bem”, diz Bucholdz. E as pequenas empresas que optaram pelo Simples Nacional têm a opção de auxiliar projetos na esfera municipal. Porém, esta também não é a realidade de Ponta Grossa, que não conta com uma Lei Municipal de Incentivo à Cultura bem definida. Por um tempo tentou se instituir a Lei Carol Ferreira (Lei nº 5.834/1997), que, devido às falhas na elaboração, não ficou clara e muito menos objetiva tanto para empresas como para produtores culturais. O resultado da lei foi seu engavetamento.

Como funciona a Lei Rouanet?

Para a Lei Rouanet, as empresas podem utilizar os benefícios fiscais em duas modalidades, de acordo com os artigos 18º e 22º. No primeiro, os projetos enquadrados são de Artes Cênicas; livros de valor artístico, literário ou humanístico; música erudita ou instrumental; exposições de artes visuais; doações de acervos para bibliotecas públicas, museus, arquivos públicos e cinematecas, bem como treinamento de pessoal e aquisição de equipamentos para a manutenção desses acervos; produção de obras cinematográficas e videofonográficas de curta e média metragem e preservação e difusão do acervo audiovisual; preservação do patrimônio cultural material e imaterial; construção e manutenção de salas de cinema e teatro, que poderão funcionar também como centros culturais comunitários, em municípios com menos de 100.000 habitantes. As empresas, neste quesito, podem ter dedução fiscal de 100% do valor patrocinado, no limite de 4% do Imposto de Renda devido.

Lei Rouanet
Art. 18º – 100% de dedução
Art. 26º – 40% ou 30% de dedução

Já a segunda modalidade se refere ao artigo 26º, os quais são enquadrados os demais projetos culturais, e dividido em duas possibilidades. Uma delas é a partir de doação, a qual os incentivadores têm dedução fiscal de 40% do valor patrocinado, no limite dos 4% do IR devido. Além disso, a empresa pode lançar 100% do valor como despesa operacional. A outra possibilidade é como patrocínio, com dedução de 30% do valor patrocinado, no limite dos mesmos 4% do IR, com opção de lançar 100% do valor como despesa operacional.

Para pessoas físicas, apenas aquelas que são obrigadas a pagar o Imposto de Renda pode utilizar este benefício fiscal. Também se divide pelos artigos 18º e 26º. O limite é de 6% do IR, variando a dedução de 100% (para projetos enquadrados no artigo 18º), 80% (doação a projetos do artigo 26º) e 60% (para patrocínios de projetos do artigo 26º).

O caso dos Festivais em Ponta Grossa

Estas variações e enquadramentos podem atrapalhar a captação de recursos. No Festival Universitário da Canção (FUC), por exemplo, a arrecadação com a Lei Rouanet não é nem utilizada. Segundo Cláudio Jorge Guimarães, que também coordena este festival, os patrocínios são conseguidos diretamente com as empresas. “O FUC não se enquadra no artigo 18º, por ser um festival de música popular. Então a dedução para as empresas é baixa, que causa o desinteresse dos empresários e até o nosso, já que fica mais difícil a captação”, explica.

Com o Fenata a situação é diferente, bem mais animadora. Por se enquadrar em Artes Cênicas, a doação pode ter dedução total. “Captar recursos para o Fenata é mais fácil também porque as empresas já se acostumaram conosco. Além disso, a gente fica de olho nos editais específicos de grandes empresas e de estatais”, diz Guimarães. No Festival de 2011, a CCR Rodonorte foi a responsável foi passar R$ 120 mil (dos R$ 195.600,00 captados) e outros R$ 50 mil foram direcionados de recursos próprios, sem uso da Lei Rouanet, para potencialização da marca Fenata e divulgação na mídia. “Há nove anos foi realizada a primeira parceria para o apoio ao Festival, que buscava colocar-se novamente como um dos importantes festivais de teatro brasileiros. O objetivo sempre foi auxiliar a comunidade universitária e o público neste processo, de ajudar a reerguer o Fenata, retomando seu importante papel, de um dos pilares da vida cultural ponta-grossense”, conta Simone Suzzin.

Cláudio Jorge Guimarães:
“Captar recursos para o Fenata é mais fácil também porque as empresas já se acostumaram conosco”

Já a Tratornew repassou R$ 7.200,00 para o Festival. “O principal motivo da empresa investir neste projeto é a credibilidade e transparência dos coordenadores. O Cláudio [Jorge Guimarães] e o reitor [da UEPG, João Carlos Gomes] vieram até a empresa  e expuseram os objetivos do Fenata”, explica o diretor administrativo da empresa, Juarez Costa Pinto. Os mesmos administradores da Tratornew comandam outras empresas, que também apoiaram o Fenata. A MagParaná repassou R$ 2.400 e Winner Chemical investiu R$ 4 mil. “Os diretores das nossas empresas não gostam muito de aparecer na mídia. Investiram mesmo pelo comprometimento com o Fenata. Tanto é que eles não fazem nem questão de que o nome das empresas estejam estampados nos meios de divulgação do Festival”, conta Juarez.

Para 2012 o Festival já conseguiu apoio de R$ 200 mil por meio de edital da Caixa Econômica Federal. Os bancos são grandes incentivadores culturais, devido ao montante de dinheiro movimentado e de seus lucros. Além da Caixa, o Itaú, Santander, Banco do Brasil, Bradesco, Real, HSBC e outros sempre abrem editais específicos. Outras empresas privadas, como a Votorantim, também entram neste setor, que se espalha ainda para estatais, como a Petrobrás, em âmbito nacional, e a Copel e Sanepar, no Paraná.

Outras modalidades de incentivo fiscal à cultura

E foi com edital da Sanepar, em 2011, que o 39º Fenata conseguiu apoio de R$ 50 mil, através do Conta Cultura Paraná. Surgido no ano passado, o projeto tem o objetivo de “beneficiar a arte paranaense, facilitando a parceria entre empreendedores e empresas interessadas em patrocinar projetos culturais”, como informa seu site. Na prática, o proponente cultural deve ser enquadrado no artigo 18º da Lei Rouanet ou então na Lei do Audiovisual (Lei Federal nº 8.685/93). Depois da inscrição no Pronac (Programa Nacional de Apoio à Cultura), que disponibiliza um número de registro para o projeto – caminho inicial para qualquer tipo de captação – o proponente deve se inscrever no Conta Cultura. A partir daí, uma comissão da Secretaria Estadual de Cultura (SEEC) analisa o projeto e encaminha para algumas das empresas estatais do Paraná que podem ter interesse em apoiar.

Conta Cultura
Objetivo é “beneficiar a arte paranaense, facilitando a parceria entre empreendedores e empresas interessadas em patrocinar projetos culturais”

Nas duas edições que aconteceram em 2011, 63 projetos foram contemplados, e os recursos chegaram a R$ 4,6 mi. De acordo com a assessoria de imprensa da SEEC, um novo edital deve ser lançado ainda no primeiro semestre deste ano.

“Esta ação faz parte de um programa do governador Beto Richa, depois de um esquecimento de Requião”, diz Alessandra Bucholdz. Ela lembra que no governo de Jaime Lerner (1995-2002), uma Lei Estadual de Incentivo à Cultura começou a ser desenhada, mas foi esquecida pelo sucessor, Roberto Requião (2003-2010). “Todos os incentivos de empresas estatais eram enviados para o Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, que era dirigido pela sua esposa, Maristela Requião”, conta Bucholdz. Em 2011, o novo governo voltou a discutir o projeto, com 20 audiências em 18 cidades sobre a implantação do Programa Estadual de Fomento e Incentivo à Cultura (Profice) e criação do Conselho Estadual de Cultura (Consec). A Lei nº 17.043/2012 já foi sancionada por Richa e passar a valer a partir deste ano. A assessoria da SEEC informou que durante o ano serão elaborados editais com o objetivo de escolher os projetos culturais contemplados com o incentivo e o fundo, que devem ser enquadrados nas áreas de artes visuais, teatro, circo, dança, culturas populares, patrimônio cultural, música, ópera, audiovisual e literatura.

Os números da Lei Rouanet

Contrapontos da arrecadação
+ São Paulo – R$ 4.148.279.283,19
– Roraima: R$ 245.630,00

Desde 1993, ano em que a Lei Rouanet teve validade, até o dia 28 de março deste ano, os projetos culturais já receberam R$ 11.803.488.364,80. Houve um salto imenso entre os 20 anos da Lei. Em 1993 foi repassado R$ 21.212,78, chegando a R$ 1.283.944.181,97. No Paraná, a primeira doação foi em 1996, com R$ 1.204.875,50. Em 2011 passou para R$ 43.914.799,34 e em 2012 já chega a R$ 430.116,20. Ao todo, já foram R$ 283.082.950,42. Os estados que mais arrecadam em projetos culturais são Rio de Janeiro, com R$ 2.602.298.298,70, e São Paulo, com R$ 4.148.279.283,19. Já o que menos arrecadou durante esses 20 anos foi Roraima, com R$ 245.630,00, que teve apenas 15 projetos apresentados nos anos de 197, 1998, 1999, 2002, 2005, 2006 e 2007.

O segmento que mais apresenta projetos é o de Música, que já apresentou 22.300 projetos (em 2011 foram 2.011 projetos) e Artes Cênicas, que já teve 20.663 (só em 2011 foram 2.025). O setor com menos projetos apresentados é o de Patrimônio Cultural, com 6.025. Já com projetos aprovados os mesmos dois setores praticamente empatam, com 2.543 em Artes Cênicas e 2.542 em Música. E Patrimônio Cultural também mantém o último lugar, com 344 aprovações. No Paraná o quadro não muda. Dos 501 projetos aprovados, Artes Cênicas e Música aparecem em primeiro lugar, com 143 e 145 respectivamente, e Patrimônio Cultural em último, com 18 projetos. Todas os dados estão disponíveis no site do Ministério da Cultura, através do Sistema de Acompanhamento de Projetos (Salic Net).

“A Lei Rouanet é um atalho formidável para que as empresas se coloquem também como ponte entre Estado e público para o fomento cultural, facilitando este acesso. A Lei também é um indicador da saúde financeira e do correto recolhimento de impostos por parte dos patrocinadores”, revela Suzzin. Para Marivete, a organização de projetos culturais é facilitada pela Lei. “Fica muito mais fácil. E o melhor de tudo isso é ver nosso projeto com uma receptividade tão boa, indo a todo vapor”.

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